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No apocalipse desigual onde tédio é privilégio, a consciência social se torna indispensável

O problema não é individual, mas coletivo. Agora é o momento de cobrar medidas robustas do governo para evitar uma catástrofe ainda maior.
Marcos Vinícius Almeida
Jornal GGN
São Paulo (SP)

Tradução:

O que estamos vivendo hoje não tem precedentes. Todo o sucateamento das relações de trabalho e emprego, o congelamento de investimentos em saúde dos últimos anos, cortes na rede de solidariedade estatal, como aposentadorias e benefícios sociais, deixou quem já estava em situação de vulnerabilidade ainda mais vulnerável para enfrentar o horizonte que se anuncia. Baseados num ódio irracional ao Estado, alimentado por um ultraliberalismo radical, destruímos as já precárias defesas de quem já não tinha nada. 

A população de rua de São Paulo aumentou em 54% desde 2016. A estimativa oficial é de cerca de 24 mil pessoas. Mas pode ser ainda maior. 

São 12 milhões de desempregados e mais 11 milhões de trabalhadores em situação de informalidade, trabalhando sem vínculo empregatício. O grande exército de microempreendedores, PJs que da noite para o dia  podem estar também na rua, dada a catástrofe econômica, com uma mão na frente e a outra atrás.

O problema não é individual, mas coletivo. Agora é o momento de cobrar medidas robustas do governo para evitar uma catástrofe ainda maior.

Reprodução: Winkiemedia
Favela de Manhuaçu MG

E tem mais.

Praticamente metade dos brasileiros – 104 milhões de pessoas – vive com R$ 413,00 por mês. Ainda há cerca de 10 milhões de pessoas que vivem na base mais baixa da pirâmide, onde estão os 5% mais pobres – uma população praticamente equivalente à cidade de São Paulo –, sobrevivendo com R$ 51,00 mensais.

A renda domiciliar per capita dos 5% mais pobres caiu 3,8% na passagem de 2017 para 2018. Em contrapartida, a renda da fatia mais rica (1% da população) cresceu 8,2%. Num momento de crise como esse, esses números, que são absurdos, dão nojo.

Vemos nas redes muita gente postando dicas de como enfrentar o tédio do homeoffice, de como distrair as crianças com jogos virtuais, dicas de livros e séries na Netflix e por aí vai. Em grande parte das vezes, a pessoa em situação de privilégio é incapaz de problematizar seu lugar de privilégio.

Com escolas públicas paradas, vai faltar comida em casa para as crianças pequenas nos lares mais vulneráveis. Com essas crianças em casa, muitas mães – grande parte domésticas, babás, faxineiras – vão ficar impossibilitadas de trabalhar e, consequentemente, de receber.

O problema não é individual, mas coletivo. Agora é o momento de cobrar medidas robustas do governo para evitar uma catástrofe ainda maior. Reverter imediatamente o teto de gastos e ampliar o orçamento do SUS, ampliar benefícios sociais, incentivar a criação de empregos através de investimento público pesado, como foi feito, por exemplo, na crise de 1929.

Por uma ironia atroz do destino, temos, neste momento terrível, o mais incompetente presidente que se poderia imaginar, com uma equipe de ideólogos sem capacidade técnica.

Esperamos, sinceramente, que seja possível sair desse cenário apocalíptico socialmente mais conscientes. A maioria das questões que enfrentamos são coletivas, de interesse comum, que exigem visão solidária e racionalidade, em detrimento do egoísmo e do lucro cego.

Esse egoísmo e lucro cego matam. Sempre mataram. E vão continuar matando ainda mais, se não reagirmos.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Marcos Vinícius Almeida

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