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Foto: Jorge Luis Baños/ IPS

Cinema independente em Cuba dribla impacto das sanções e leva arte para o mundo

Coletivos de produção audiovisual acessam recursos nacionais e estrangeiros para produzir filmes na ilha e exibir em salas de cinema internacionais
Redação IPS
IPS
Havana

Tradução:

Ana Corbisier

Como tornar rentável um estúdio audiovisual pequeno, em um contexto marcado pela ausência de mercados de distribuição, pela desvalorização do peso cubano e pelas restrições existentes? Como produzir o próximo filme? Estes são os desafios do cinema independente em Cuba.

Realizadores e técnicos puderam alcançar um status legal e obter licenças de rodagem, possuir contas bancárias, aplicar em fundos de financiamento do exterior e mais, com a entrada em vigor em 2019 do Decreto-Lei 373, “do Criador Audiovisual e Cinematográfico independente”. Alguns alertas referem-se a pessoas sem a possibilidade de acesso a dispositivos adequados para efetuar pagamentos ou outros serviços eletrônicos, devido a seus ínfimos ingressos. Os preços dos equipamentos terminais em geral ultrapassam os 150 dólares.

O cinema independente cubano é fruto de longas lutas, discussões e polêmicas em torno à política cultural do país e à liberdade criativa dos realizadores. A Redação IPS Cuba preparou um compêndio de materiais jornalísticos que contribuem para a reflexão sobre o tema.

Os novos Coletivos de Criação Audiovisual devem, por questões estritamente econômicas, seguir a lógica de “uma de cal e outra de areia” para concretizar seu sonhado cinema. 

GatoRosafilms e i4films, ambos fundados em 2019, são um claro exemplo disso.

“O grande desafio é como, com os poucos recursos e os poucos filmes que conseguimos realizar, fazer que seja rentável GatoRosafilms para que possamos viver disso”, diz a coordenadora Rosa María Rodríguez.

E acrescenta que, além de produzir suas próprias obras de cinema independente, sua equipe fornece este serviço a terceiros e dá oficinas e aulas em escolas internacionais.

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Composto por 10 pessoas, delas, sete mulheres, a i4films tem duas vertentes de trabalho bastante claras: a geração de projetos próprios e serviços de produção por encomenda, que podem incluir videoclips, audiovisuais promocionais de uma marca, entre outros. “Somos uma produtora com ênfase nos projetos e na gente que trabalha conosco. Não temos investimento em equipamento”, explica o produtor Inti Herrera, um dos coordenadores do coletivo.

O outro coordenador, Reymel Delgado, opina que o ideal é “criar sinergias entre grupos que se dediquem ao mesmo negócio. Assim se gera indústria a nível local”.

Coproduzir, uma questão de sobrevivência

O ecossistema do cinema independente cubano funciona na base de alianças. Incluir nos créditos ou negociar algum grau de participação sobre as vendas do filme é uma forma usual de pagar gastos com equipamento, estúdio ou outros.

No entanto, perdem-se oportunidades. A isso se soma o acelerado envelhecimento demográfico: 22,3% da população da ilha está com 60 anos e mais, grupo no qual não poucas pessoas encontram barreiras e resistem ao uso das tecnologias informáticas. “Muitas vezes não se consegue cobrir com dinheiro o valor das coisas, mas então pode ser com coparticipação”, explica Inti.

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A esse respeito Rosa María acrescenta: “Entendemos a necessidade de coprodução e que devemos trabalhar mais para que os filmes não fiquem em Cuba”.

A atriz, produtora e diretora ressalta a importância de uma contrapartida estrangeira nos audiovisuais de seu estúdio: “O apoio de outros países garante também a exibição (em salas estrangeiras), que é um dos grandes problemas em Cuba. Temos muito bons filmes de cinema independente, mas como não temos distribuição na ilha, morrem”.

Para produzir o longa-metragem El regresado, GatoRosafilms teve como coprodutor o estúdio Wajiros Films. Este tipo de alianças dá um impulso ao cinema independente em Cuba. (Foto: Tomada da página de GatoRosafilms no Facebook)

Sobre o tema afirma o cineasta Fernando Pérez: “O importante é encontrar um coprodutor, o que não é fácil. No mundo atual, a realidade cubana não é prioritária como foi durante um certo tempo”, afirma.

Cinema desde dentro

Devido a que Cuba não se encontra hoje no foco da audiência internacional e isso repercute nas vias de financiamento do cinema local, tornam-se vitais iniciativas como o Fundo de Fomento do Cinema Cubano.

Criado em junho de 2019, pelo acordo Núm. 8613 do Conselho de Ministros, este fundo tem o objetivo de “apoiar o desenvolvimento da cinematografia nacional com a atribuição de recursos financeiros aos projetos cinematográficos”.

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Por meio de concurso, a um projeto de longa-metragem de ficção, documentário ou animação, oferece-se meio milhão de pesos cubanos (pouco mais de 4.000 USD segundo a taxa de câmbio oficial na ilha) para a escrita do roteiro, um milhão para o desenvolvimento (cerca de 8.000 USD) e 16 milhões para a produção (equivalentes a 133.000 USD).

A i4films é um coletivo de criação audiovisual fundado em 2019, composto por 10 pessoas, delas, sete mulheres. Inti Herrera e Reymel Delgado são seus produtores executivos. i4films tem duas vertentes de trabalho: a geração de projetos cinematográficos próprios e de serviços de produção por encomenda que podem incluir longa e curta metragens, videoclips, audiovisuais promocionais de marca, entre outros. (Foto: Jorge Luis Baños/IPS Cuba)

No transcurso de cinco convocatórias anuais, de 2019 a 2023, solicitaram este apoio 219 projetos, dos quais 86 pertencem a mulheres e 85 a criadores menores de 35 anos; a maioria (172) provem da capital. No total, 69 se beneficiaram e 42 já finalizaram.

“O Fundo de Fomento é, agora, a principal fonte de financiamento (do cinema independente cubano)”, assegura Delgado, do i4films.

“Não só é significativo. É uma conquista dos independentes”, destaca Inti e mostra que por essa via é possível contar com 20% do financiamento necessário para acessar outros fundos internacionais.

“Mas com que perspectiva?”, pergunta-se Pérez, um dos principais promotores do cinema independente em Cuba. Como esclarece, o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos (Icaic) “não se apropria da obra, que continua pertencendo ao criador para a distribuição”.

A criação de jurados de cineastas e especialistas “que não são funcionários ou diretores determinou o êxito das duas ou três primeiras convocatórias” do Fundo de Fomento do Cinema Cubano, considera.

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“Mas veio a pandemia, o novo ordenamento… e continua funcionando o Fundo, mas os financiamentos se desvalorizaram”, adverte.

Entre as debilidades desta iniciativa do Icaic, a diretora Helda Calvo informa que a maioria do dinheiro vem do orçamento estatal e a moeda nacional, com que se paga, se desvalorizou.

Fundos internacionais

A foto capta a equipe que filmava um dos últimos curta metragens de ficção coproduzidos pelo i4films. Há alguns anos os cineastas cubanos só podem integrar projetos do Programa Ibermedia como “sócios minoritários”, posto que a nação caribenha está suspensa por não pagar sua contribuição anual ao fundo. (Foto: Jorge Luis Baños/IPS Cuba)

Além das fronteiras cubanas, existem outros fundos que podem resultar significativos no orçamento de um filme.

Um dos mais importantes programas que os realizadores independentes cubanos costumam acessar é a Ibermedia (Programa de Desenvolvimento em Apoio à Construção do Espaço Audiovisual Iberoamericano), aprovado pela VII Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo em 1995, ainda que sua primeira convocatória tenha ocorrido em 1998.

Seu propósito é “estabelecer as bases para um espaço audiovisual ibero-americano, fomentando a coprodução e distribuição de filmes para cinema e televisão em língua espanhola e portuguesa”.

Como resultado de 32 convocatórias destacam-se a coprodução de 1.160 projetos audiovisuais, contribuições ao trabalho de similar número de empresas e mais de 5 mil profissionais, apoiar na exibição de 298 filmes, assim como a promoção e distribuição de mais de 900.

Cuba não se encontra agora no foco da audiência internacional, e isso repercute nas vias de financiamento do cinema independente (Foto: Jorge Luis Baños/ IPS)

No entanto, há alguns poucos anos, segundo confirmam Inti e Rosa María, os cineastas cubanos só podem integrar projetos como “sócios minoritários”, posto que a nação caribenha está suspensa por não pagar sua contribuição anual ao fundo.

Além disso, costuma-se usar outras fontes de financiamento como o Fórum de Coprodução Europa-América Latina, dirigido a projetos de ficção e não ficção que se desenvolvem nesses continentes, e a iniciativa de coprodução Guadalajara Construye, do Festival Internacional de Cinema em Guadalajara, México.

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De igual forma, IDFA Bertha Fund, que apoia produções “independentes, críticas e artísticas” de países da América Latina, África, Ásia, Oriente Médio e Europa do Leste, auspicia também audiovisuais cubanos.

Por sua vez, o Fundo Norueguês para o Cinema Cubano representa outro impulso importante na última década para o desenvolvimento de produções independentes.

Com tais apoios, o cinema independente busca crescer; no entanto, o futuro parece muito incerto, pelas diferenças entre hoje e o contexto de décadas precedentes.

“A verdadeira dinâmica do cinema cubano neste século XXI está no cinema independente. E o Icaic tem que flexibilizar sua perspectiva, para não continuar na história de ‘recuperar a instituição que foi’, algo impossível nesta realidade”, conclui Pérez. (2024)


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Redação IPS

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