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O presidente Lula (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

Clima anti-imperialista provocado por Trump deixa Lula com a faca e o queijo na mão

É hora de Lula expor o apoio do bolsonarismo e da grande mídia ao imperialismo, o principal responsável pela pressão econômica que asfixia e atrasa o Brasil
Eduardo Vasco
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O presidente Lula foi eleito graças a uma grande mobilização popular, ainda que se tenha tentado convertê-la em uma frente ampla institucional e declarado que foi isto que o levou à vitória. As massas que o elegeram esperavam um enfrentamento com a direita a partir do novo governo. A burguesia, contudo, temerosa dessa radicalização, tratou de cortar as asinhas desse movimento nos primeiros dias.

Uma ala mais à direita forjou e a outra ala, mais ao centro, manejou o destino do 8 de janeiro para colocar em Lula uma camisa de força da qual ele ainda não conseguiu se livrar. O 8 de janeiro serviu como a grande chantagem para que Lula cedesse praticamente todo o seu poder ao centrão e foi capturado pelos seus diversos mecanismos de coação (Congresso, “mercado”, Judiciário, frente ampla, ONGs, imprensa, etc).

Muitos pensaram que a eleição de Lula foi a derrota definitiva do regime golpista instalado em 2016. Ledo engano. O golpe significou um rompimento pela burguesia do pacto firmado com a esquerda ao final da ditadura militar. Todas as conquistas alcançadas até então foram arruinadas por Temer e Bolsonaro. Sem anular as reformas trabalhista, previdenciária, o teto de gastos e as privatizações, será impossível implementar uma política que beneficie os trabalhadores e o povo. O regime neoliberal que deu um salto qualitativo na destruição do país em 2016 fez com que aquilo que Lula e Dilma aplicaram anteriormente já não funcione mais.

O PT tentava governar dando dois passos para a frente e um para trás. Mas a burguesia jogou o Brasil 100 passos para trás. E ela já nem aceita mais dois passos para frente: o máximo que permite a Lula é dar um passo para a frente em troca de outro para trás, em um cenário em que já estamos 100 passos atrasados. Isso fica nítido em uma nota da Folha de S.Paulo, que informa que, na metade de seu mandato, Lula cumpriu apenas 28% de suas promessas, sem erradicar a pobreza, fazer a reforma agrária, reestatizar a Eletrobrás e reerguer o SUS.

Oportunidade de ouro para Lula

As lideranças dos movimentos sociais e partidos da esquerda que devolveram Lula ao governo negam-se a enxergar essa realidade. Elas são as maiores culpadas por Lula não ter conseguido se livrar da camisa de força imposta pela burguesia. Quando o time está perdendo o jogo, é dever da torcida empurrá-lo. Mas a torcida nem está no estádio, e sim sentada no sofá e comendo pipoca em frente à TV – e assistindo ao jogo errado, ainda por cima.

Os prognósticos para a segunda metade do governo Lula não são alentadores. Porém, contraditoriamente, a eleição de Trump nos EUA se tornou uma oportunidade de ouro para Lula mudar essa situação. Apoiado por parcelas crescentes da burguesia americana e internacional, o republicano está acirrando exponencialmente a polarização com os países da América Latina e o próprio Brasil.

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Os instrumentos de dominação do imperialismo no Brasil não conseguem esconder as atrocidades e as sérias ameaças feitas pelo presidente americano contra os brasileiros e os nossos vizinhos. À medida que Trump estica a corda, ele desnuda para o mundo todo o que é o imperialismo americano. Mesmo invadindo Iraque e Afeganistão, George Bush demorou oito anos para rebaixar o índice de aprovação dos EUA na opinião pública mundial ao nível mais baixo.

Trump demorou apenas três meses para fazer o mesmo em seu primeiro mandato. Na América Latina, com as ameaças de invasão e as deportações desumanas, o sentimento antiamericano (e, como consequência, anti-imperialista), tende a aumentar rapidamente.

Décadas de pressão

Esse sentimento tradicionalmente é maior entre a esquerda. Mas qualquer cidadão fica indignado quando vê um poderoso governo estrangeiro com um líder prepotente e arrogante maltratar seus compatriotas, seus conhecidos, seus amigos e familiares. Até mesmo setores da base bolsonarista certamente começam a se revoltar com a forma como os brasileiros e latino-americanos estão sendo tratados.

Ainda que o imperialismo tente individualizar as medidas de Trump, como se o intervencionismo e o supremacismo fossem exclusividade do novo governo, muitas pessoas começam a perceber que trata-se de uma política sistemática, tradicional e generalizada do imperialismo americano. 

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E é esse mesmo imperialismo que subjuga o Brasil há décadas. Ainda são as companhias americanas de indústria, tecnologia, informação, comércio e cultura que controlam grande parte da economia brasileira. A destruição da indústria nacional nos anos 90 e de novo a partir de 2016 beneficiou majoritariamente as empresas americanas.

A doutrina do neoliberalismo foi concebida e disseminada pelos EUA e é de lá que o FMI, o Banco Mundial e o tão endeusado “mercado” (o capital financeiro, isto é, o imperialismo em si) impõem o desmonte do Estado e as privatizações. É para eles que pagamos os juros criminosos da dívida externa criminosa, e que para isso temos de cortar gastos com o povo brasileiro. São as instituições do Estado norte-americano, como o FBI, a CIA, o Departamento de Justiça e os seus apêndices na “sociedade civil”, como os canais de TV e ONGs, que comandam a Polícia Federal, o Poder Judiciário, os partidos e a imprensa brasileiros. Temos quinze anos consecutivos de déficit comercial com os EUA, exportando matérias-primas e importando bens industrializados.

Fechados com o imperialismo

Finalmente, a pressão econômica e política às quais o povo brasileiro e o governo estão sendo submetidos vem precisamente do imperialismo americano, através de seu preposto, a burguesia brasileira – e seus órgãos institucionais, de imprensa e da quinta-coluna dentro do governo e na oposição.

Nós temos, por um lado, uma oposição aberta dos políticos bolsonaristas que defendem e justificam as agressões que o Brasil sofre dos EUA, e, por outro, um centro que, por meio dos editoriais da imprensa, prega um pretenso pragmatismo que não é nada senão permitir que tais agressões se perpetuem.

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Ambos estão do lado do imperialismo americano contra o Brasil. Lula tem a faca e o queijo na mão para apontá-los como inimigos do povo a serviço da potência imperialista, arregimentando uma importante base ao ser redor.

É claro que retórica apenas não é suficiente, mas dar nome aos bois e delimitar claramente as posições abriria a possibilidade de iniciar o contra-ataque, apresentando medidas para combater as imposições dos Estados Unidos – principalmente as políticas estruturais que foram guiadas a partir de Washington e Nova Iorque, como a desindustrialização, o desmonte do Estado, as privatizações e as reformas neoliberais.

A resposta de Petro

Gustavo Petro saiu na frente do governo brasileiro e mostra alguma disposição em agir dessa forma. Mas a Colômbia é um país ainda mais engessado pelo domínio dos EUA que o Brasil e a base social de Petro é bem menor e mais fraca que a de Lula. O PT tem milhões de pessoas em sua base, a CUT tem milhões de trabalhadores, o MST tem milhões de camponeses e a UNE tem milhões de estudantes.

As bases aguardam apenas a orientação de suas direções para expressar sua indignação contra toda a opressão que sofrem do imperialismo americano. Lula ainda tem ao seu lado os governos que, como o de Petro, estão extremamente incomodados com as sucessivas humilhações públicas impostas por Trump e a ele se apresenta uma chance única de liderar a oposição dos povos da América Latina à nova era da Doutrina Monroe – e a seus fantoches, como Javier Milei e Jair Bolsonaro.

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Mas, para isso, é preciso a compreensão de que medidas paliativas não adiantam mais, e a coragem de dar 100 passos adiante para compensar o atraso ao qual fomos jogados em 2016. Quando um time mostra garra e determinação de buscar o resultado, ele inflama a torcida e ela empurra o time para a vitória.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Eduardo Vasco Jornalista, trabalhou como enviado especial no início da intervenção russa na guerra da Ucrânia e escreveu o livro "O povo esquecido: uma história de genocídio e resistência no Donbass".

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