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"As tarifas históricas de Trump detonaram como uma bomba", publicou o portal Politico (Foto: Casa Branca)

Colapsar mercados, comprar ações baratas e depois lucrar: o objetivo das tarifas de Trump?

Indagaçao é de Saikat Chakrabarti, ex-acessor de Bernie Sanders; estratégia foi usada durante a crise de 2008: enquanto classe trabalhadora sofria, milionários ficavam mais ricos
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A decisão de Donald Trump de impor tarifas sobre quase todos os países do mundo foi recebida com uma mistura de elogios, críticas e, sobretudo, confusão. 24 horas após a decisão, emitida em 2 de abril, até mesmo aliados do presidente não conseguiam explicar claramente o que realmente havia acontecido, em um evento parecido com um programa televisivo de concursos, no qual ele anunciou as novas medidas ao apresentar uma lista de países que seriam alvos de sanções comerciais — entre eles, até um par de ilhas desabitadas próximas à Austrália.

“Suponho que vamos impor tarifas às gaivotas”, ironizou o analista Aaron Reichlin-Melnick em um dos muitos comentários voltados à famosa lista de países, que inclui as Ilhas Heard e McDonald. Outros comentários foram mais sérios e, embora o anúncio já fosse esperado, muitos expressaram surpresa com a dimensão das medidas. “As tarifas históricas de Trump detonaram como uma bomba esta manhã na economia nacional e global”, resumiu o Politico, enquanto todos observavam os mercados financeiros despencarem — o Wall Street Journal calculava que, ao meio-dia, cerca de 2,7 trilhões de dólares em valor de ações já haviam sido apagados.

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Na manhã de quinta-feira (3), Trump se autoelogiou ao publicar a seguinte mensagem, usando uma analogia médica: “A cirurgia foi concluída. O paciente sobreviveu e está se recuperando. O prognóstico é que o paciente ficará mais forte, maior, melhor e mais resiliente do que nunca”. Mais tarde, publicou uma segunda mensagem: “Os mercados terão um auge. Acho que isso está indo muito bem”.

Mas esse otimismo não foi compartilhado pelos mercados, pelas empresas e, é claro, pelos parceiros comerciais dos Estados Unidos. Menos de um dia após o anúncio, a montadora Stellantis informou que, devido à imposição de tarifas sobre veículos importados, suspenderia por um mês a produção em sua fábrica de montagem em Toluca, no México, assim como as operações na planta de montagem em Windsor, no Canadá, segundo o Detroit News. Tarifas sobre veículos completos importados de todo o mundo entraram em vigor na manhã de 3 de abril.

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Houve manifestações de apoio de aliados políticos incondicionais do presidente, mas também de alguns grupos empresariais e de vários sindicatos — desde o presidente da câmara baixa, Mike Johnson, até o presidente do sindicato dos trabalhadores da indústria automotiva, UAW, Shawn Fain.

No entanto, diversos legisladores do partido do presidente, embora não tenham se arriscado a criticar diretamente as medidas, demonstraram preocupação com o impacto das tarifas sobre agricultores e pequenos negócios em seus distritos e estados.

Trump é criticado por anular medidas de política industrial impulsionadas pelo governo de Joe Biden (Foto: Casa Branca)

Ainda em 3 de abril, o veterano senador republicano Chuck Grassley, de Iowa, reuniu-se com a senadora democrata Maria Cantwell, de Washington, para apresentar um projeto de lei que limitaria a autoridade presidencial sobre tarifas e transferiria ao Congresso maior controle sobre os assuntos comerciais. Essa proposta, no entanto, tem poucas chances de ser aprovada, devido ao controle que os republicanos exercem na câmara baixa. Ainda assim, sua apresentação indica que, pela primeira vez desde a chegada de Trump à Casa Branca, há republicanos dispostos a se opor ao presidente — neste caso, pelas consequências econômicas de suas políticas.

Impacto no agro

Os agricultores serão particularmente afetados. “O aumento das tarifas ameaça a sobrevivência de agricultores que já vêm acumulando prejuízos com as principais culturas nos últimos três anos”, declarou Zippy Duvall, presidente da American Farm Bureau Federation, que afirma representar dois milhões de fazendas no país. Legisladores democratas preveem que milhares delas fecharão.

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Em geral, o setor empresarial ficou atônito com a escala das tarifas e suas implicações. “Dinamitar o sistema mundial de comércio tem consequências que o presidente não está revelando”, publicou o Wall Street Journal em um editorial.

Zanny Minton Beddoes, editora-chefe da The Economist, acrescentou que “o país que criou e que tanto se beneficiou do sistema de comércio global agora está tentando destruí-lo. A pergunta para os países que estão cambaleando diante desse vandalismo é: como limitar os danos?”

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Mas Trump e seus aliados insistem que o que estão enfrentando é justamente o dano causado ao país por esse sistema comercial internacional. “Deixem que Donald Trump administre a economia global. Ele sabe o que está fazendo. Fala disso há 35 anos”, declarou o secretário de Comércio, Howard Lutnick, à CNN ontem. “Deixem que ele conserte. Está tudo quebrado… Nosso déficit [comercial] de 36 trilhões de dólares vai arruinar a vida dos nossos filhos e netos”, acrescentou.

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Tiro pode sair pela culatra

Para outros, o diagnóstico sobre o sistema de comércio mundial está correto, mas há suspeitas quanto à receita e às verdadeiras motivações de Trump. “O governo merece crédito por reconhecer que precisamos de uma renovação total do nosso sistema comercial e por estar disposto a agir com a convicção de que o status quo é inaceitável”, comentou a advogada Lori Wallach, especialista em comércio internacional e diretora da ReThink Trade, uma organização pró-trabalhador dedicada a desfazer décadas de gestão empresarial.

No entanto, ela apontou que essas tarifas, por si sós, não vão resolver a desigualdade econômica nem a perda de empregos na indústria manufatureira, resultado das políticas de livre comércio das últimas décadas. Mais do que isso, criticou o esforço de Trump de anular medidas de política industrial impulsionadas pelo governo de Joe Biden. Mas ainda não se sabe, disse Wallach a jornalistas, se essas tarifas são uma tática de negociação de curto prazo, uma forma de gerar receita para subsidiar cortes de impostos aos mais ricos, ou realmente uma tentativa de reconstruir o setor manufatureiro dos Estados Unidos.

Fazer a América Grande de Novo ou golpe?

O ex-negociador comercial mexicano Juan Carlos Baker comentou em um fórum do Centro Wilson, em 3 de abril, que na América do Norte “claramente o setor que mais vai sofrer é o automotivo”. Mas Baker, diretor-executivo da Ansley International, acrescentou que o impacto será diferente dependendo das negociações individuais de cada empresa com a Casa Branca. “A pergunta que mais ouvi foi: e agora?”

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Saikat Chakrabarti, um dos fundadores da plataforma de pagamentos Stripe e ex-assessor do senador Bernie Sanders, sugeriu que Trump poderia ter outro motivo, mais obscuro. “Cada vez mais estou convencido de que o verdadeiro objetivo das tarifas é provocar um colapso nos mercados [financeiros], permitindo que Trump e outros por trás disso na administração comprem [as ações quando elas] caírem antes que elas se recuperem novamente.”

Vários progressistas apontam que, quando a bolsa de valores desabou em 2008, milhões de trabalhadores e pessoas da classe média sofreram, mas os mais ricos se dedicaram a comprar ações muito baratas e acabaram muito mais ricos quando a economia se recuperou — subsidiada pelo Tesouro, ou seja, pelos contribuintes.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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