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Coletes amarelos se multiplicam, repressão aumenta, mas Macron continua perdendo

No nono dia de manifestações convocado pelos coletes amarelos, milhares de franceses tomaram as ruas das principais cidades da França
Eduardo Febbro
Desacato
Paris

Tradução:

A França continua mergulhada no labirinto amarelo. O nono dia de manifestações convocadas pelo movimento dos coletes amarelos voltou a levar às ruas dezenas de milhares de pessoas e transformá-las, mais uma vez, em um teatro de substanciosos confrontos, tanto em Paris como em outras cidades.

“Desta vez, com tudo o que disseram sobre nós, não pensei que haveria tantas pessoas”, disse um manifestante amarelo ao Pagina|12 nas proximidades do convulsionado Arco do Triunfo. O nono dia de insurreição reuniu, de acordo com a polícia, 85 mil pessoas em todo o país, bem mais que na edição anterior, onde havia 50 mil manifestantes. Para isso, o governo mobilizou 84 mil policiais que prenderam 160 pessoas.

O alcance da resposta a essa convocatória pôde ser medido na pequena cidade de Bourges, no centro da França, onde seis mil pessoas, de um total de 65 mil habitantes, saíram às ruas para se manifestar. Dois dos líderes da revolta, Maxime Nicole, que atende pelo pseudônimo Fly Rider, e Priscilla Ludosky, pediram às pessoas que se reunissem ali porque é “um lugar pouco conhecido pela polícia”. As autoridades proibiram a entrada no centro histórico, mas mesmo assim cerca de 500 pessoas conseguiram chegar ao local.

No nono dia de manifestações convocado pelos coletes amarelos, milhares de franceses tomaram as ruas das principais cidades da França

Wikimedia Commons
Há uma França de amarelo ativa e comprometida e outra impaciente, esperando que essa convulsão social termine logo

Os coletas amarelos se multiplicam por toda a França

Bordeaux, Toulouse, Lille, Estrasburgo, Paris ou Bourges, o espetáculo deste fim de semana repetiu os acontecimentos das jornadas anteriores: trocas de projéteis de todos os tipos e balas de borracha entre a polícia e manifestantes, espessas nuvens de fumaça, jatos de água para dispersar as pessoas e batalhas campais entre forças da segurança e coletes amarelos, destruição de lojas e carros e focos de incêndio generalizados, a guerra urbana provou que, pelo menos o setor mais radicalizado dos coletes amarelos, não perdeu seu rancor contra o sistema. Hoje, as palavras de ordem são diferentes daquelas ouvidas em 17 de novembro, quando ocorreu o primeiro ato dessa rebelião. Agora se exige mais.

Desde o primeiro protesto contra o aumento do preço dos combustíveis até agora, as reivindicações foram se expandindo. O movimento amarelo tomou o rumo de uma demanda ao mesmo tempo política e institucional. Os coletes amarelos exigem que a Constituição seja modificada para introduzir o direito de organizar um Referendo de Iniciativa da Cidadania, o RIC. Sua meta consiste em impugnar, mediante a consulta, as leis “negativas”, assim como revogar o mandato de um político se este não cumprir as promessas ou realizar uma má gestão. Esta medida integra as 42 “diretrizes do povo” expostas há duas semanas pelo movimento.

“Não quero ser rico, nem que aumentem o meu salário, nem ser proprietário, nem que me deem nada de presente. Eu só quero poder viver com o que ganho e não sobreviver como fazemos agora. Neste país, um salário normal não é suficiente para sustentar a família”, disse Pierre, um manifestante do norte da França que caminhava tranquilamente com outro grupo nos arredores do bairro da Ópera. Sua esposa comentava com grande nervosismo que “certamente muitas pessoas que estão aqui sentem o mesmo que eu: o desprezo do rei Macron e sua corte em relação a nós, em relação ao povo, nos motiva cada dia mais”.

Nem o Presidente nem o Executivo foram capazes de adivinhar a fórmula para acalmar essa parte do país que se levantou contra eles. Tudo o que dizem de cima provoca mais raiva e decepção. O ódio contra o macronismo parece uma fortaleza impossível de demolir. No centro de Bourges, os manifestantes brincavam com um boneco inflável de Macron como sinal de seu pouco respeito pela figura do presidente. A intervenção do primeiro-ministro Edouard Philippe, endureceu a posição do ramo mais unido dos coletes. O chefe do Executivo disse que nesta segunda-feira apresentará uma “nova lei” para endurecer as “sanções” contra as pessoas que provocam distúrbios. As disposições incluirão penas mais severas para os atos de vandalismo e as manifestações não autorizadas, como as organizadas pelos coletes amarelos.

Já forte em si, o aparato repressivo se arma mais ainda sem que isso consiga dissuadir os líderes desta insurgência. Basta assistir aos confrontos para entender que a última coisa que vai acalmar os ânimos ou suavizar os coletes são novas armas dissuasivas. Quando as pessoas se ajoelham diante da polícia que aponta para elas no meio de uma imponente nuvem de gás lacrimogêneo, ninguém pode acreditar que mais leis ou policiais podem ter algum efeito. “Macron, você está perdendo a cabeça antes que a decepem”, dizia a frase escrita no colete por um manifestante que participou dos confrontos com a polícia no Arco do Triunfo. “Como pode ver com todas as pessoas que saíram às ruas no país, a rua é nossa. Vamos ao Palácio presidencial para pegar o Macron”, disse outro manifestante.

Ao final deste nono sábado de protestos, começa a se notar uma divisão na sociedade. Há uma França de amarelo ativa e comprometida e outra impaciente, esperando que essa convulsão social termine logo. Polícia contra manifestantes, povo contra elites, trabalhadores contra corruptos, ricos contra pobres, teorias que falam em complôs em todos os lugares, degradações urbanas, violência física, ameaças de morte contra coletes moderados, políticos, deputados, prefeitos e conselheiros municipais, toda a sonata da confrontação atravessa a sociedade sem descanso. Há algo de brutal e obsceno que paira no ar e não se dissipa. A violência inata do capitalismo, sua pecaminosa exibição da desigualdade como filosofia, é um combustível infindável.

Jean-Jacques, um modesto produtor agrícola do oeste da França, dizia, enquanto chutava com raiva a vitrine de uma loja de roupas de luxo: “Olha, veja você, esta bolsa de mulher que está aí custa mais do que os meus dois salários juntos. Você acha que se pode continuar a viver em uma sociedade assim? Certamente não”.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Eduardo Febbro

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