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Colômbia: uma Ucrânia nas Américas para os planos de Washington

Tanto Kiev como Bogotá ´figuram nos mapas sinistros da OTAN, como “imprescindíveis” e “estratégicos” para seus interesses
Aram Aharonian
Estratégia.la
Londres

Tradução:

Não está correndo bem para os estadunidenses e europeus a sua guerra na Ucrânia. Tampouco corre bem para eles o resto do mundo que achavam que era seu e que agora disputam com a China, enquanto Brasil – sobretudo com o presidente Lula -, Rússia, África do Sul e Índia promovem de forma decisiva a “penetração dos BRICS na América Latina”.

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Esta situação preocupa os assessores do presidente estadunidense Joe Biden, que pouco a pouco se inclinam a afastar-se das vias políticas e diplomáticas. Aos europeus, Lula deixou claras suas discrepâncias sobre como acabar com a guerra na Ucrânia, tendo sido criticado por ser considerada tíbia sua posição quanto a Moscou.

Em sua passagem por Madri, no último mês de abril, foi claro: Rússia e Ucrânia têm que negociar a paz e não “adianta nada dizer quem tem razão” na guerra em questão. “Não há ninguém que diga paz, salvo eu, que grito paz como se estivesse sozinho no deserto”, acrescentou.

A guerra na Ucrânia marcou uma mudança histórica, com a escalada de um mundo multipolar, crescimento da China, ampliação dos BRICS, posturas antimperialistas em várias regiões, reestruturação da aliança Europa-EUA, deterioração da hegemonia estadunidense e o fim da Doutrina Monroe, crise do neoliberalismo no sul global. Em outra época, teria sido mais fácil a América Latina subordinar-se às estratégias continentais de segurança nacional dos EUA.

Petro denuncia tentativas de golpe

Acossado de várias frentes movidas pela direita colombiana e uma guerra midiática, não apenas dentro da Colômbia, que ameaça paralisar o Congresso e congelar suas reformas, o presidente colombiano Gustavo Petro já elevou o tom e sinalizou para a multidão que o apoia: “não se atrevam a romper com a democracia porque encontrarão um gigante: o povo da Colômbia nas ruas deste país”.

Petro denuncia que se arma contra ele um golpe de Estado ou golpe brando e advertiu que os setores que atiçam uma crise política a partir de escândalos duvidosos querem “fazer o mesmo que no Peru: levar o presidente para o cárcere, mudar o governo e pôr um novo presidente não eleito. E isso se chama golpe de Estado”.

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O presidente critica os meios de comunicação e os grupos econômicos, acusando-os de exercer pressão para derrotar as reformas sociais (das aposentadorias, trabalhista e da saúde) no Congresso, e disse que há intenções de tirá-lo do poder por meio de investigações na Comissão de Acusações da Câmara de Representantes.

Tanto Kiev como Bogotá ´figuram nos mapas sinistros da OTAN, como “imprescindíveis” e “estratégicos” para seus interesses

CLAE
Na medida em que a Ucrânia não lhes está saindo como esperavam, estão revendo sua estratégia hemisférica, o plano B




Ucrânia, Colômbia

A comparação da Ucrânia com a Colômbia é que ambos os países figuram nos mapas sinistros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), como “imprescindíveis” e “estratégicos” para seus planos guerreiros neste século. Basta olhar para onde apontam as armas da OTAN nos países integrados a este organismo. Para onde apontam as armas acumuladas na fronteira de 2.200 quilômetros da Colômbia com a Venezuela?

Um informe do Observatório de Comunicação e Democracia indica que nunca se obteve uma resposta sobre para que guerra se preparam os Estados Unidos na América Latina e no Caribe com novas bases militares, como as que mantêm na Colômbia, Panamá e Peru. Também em Mount Pleasant – na Ilha Soledad do arquipélago das Malvinas que são argentinas, ocupadas colonialmente pelo Reino Unido desde 1833 -, que está a mais de 14 mil quilômetros de suas costas, e no Forte Aguayo, em Concón, na Região de Valparaíso, no Sul do Chile.

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Acrescenta que o Plano Colômbia, um acordo bilateral constituído entre os governos da Colômbia e dos Estados Unidos em 1999 durante o governo do presidente colombiano Andrés Pastrana, aprofundou a ocupação militar na região para assegurar a recolonização planejada. Junto com a Área de Livre Comércio para as Américas (ALCA) derrotada em 2005 em Mar del Plata, Argentina, formavam a dupla ideal para apropriar-se e recolonizar a América Latina e o Caribe.

O triunfo do progressismo com Petro mudou a correlação de forças. Propôs uma “política de submissão” por meio “do diálogo judiciário, para desmantelar pacificamente o narcotráfico”. À presença das dissidências das guerrilhas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e do Exército de Libertação Nacional (ELN) soma-se o Clã do Golfo, organização neoparamilitar dedicada ao narcotráfico, ao contrabando e à extorsão, e outros grupos criminosos sem interesses políticos, que são difíceis de conter por meio de negociação.


Os Estados Unidos e a coca

A intervenção dos Estados Unidos na Colômbia com o Plano Colômbia entre 1998 e 2016 revelou os limites, as oportunidades e os desafios da intervenção no contexto da globalização. O coração desta política é o “nation building”, e mais ainda, o “global empire building”, cuja significação mais profunda se vincula ao desafio da construção de uma ordem global sob a égide dos Estados Unidos.

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A intensificação e transformação da guerra no país se deram em um contexto de aprofundamento da globalização para os países da América Latina. A implementação do modelo econômico neoliberal aprofundou a inserção do país na economia global de maneira tanto lícita quanto ilícita; o impacto da abertura econômica modificou de maneira substancial os acertos institucionais precedentes e as bases da governabilidade que haviam permitido, até princípios da década de 90, uma estabilidade institucional, apesar da persistência do conflito armado.

De uma economia agroexportadora, cujo produto principal era o café, controlada por uma elite crioula, o país transformou-se em exportador de recursos energéticos e minerais sob controle de investidores e multinacionais estrangeiras.  E, de um país processador e comercializador de cocaína, tendo como seguro o mercado consumidor estadunidense, passou a ser um produtor direto com grandes extensões de cultivos, o que modificou o regime de propriedade da terra e as relações sociais vinculadas a ela.

O hoje presidente progressista Gustavo Petro assegurou que a guerra contra as drogas comandada pelos Estados Unidos durante 50 anos – desde o governo de Richard Nixon – e que se irradiou por todo o continente, fracassou e que se deve buscar alternativas para acabar com as chamadas “economias ilícitas” sem afetar o trabalho dos cultivadores. Para isso, propôs que o governo compre folha de coca para produzir fertilizantes, e explicou que as comunidades indígenas poderiam ajudar nesse empenho.

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Em virtude dos conflitos provocados pela economia ilícita morreu um milhão de latino-americanos, em sua maioria colombianos humildes. Petro falou da demonização da folha de coca, que defendeu por seus fins medicinais, mas cujo cultivo ilícito cresceu por falta de um programa de substituição efetivo.

“Não se trata de substituir uma planta que diziam que matava… Pouco fazemos se substituímos a plantação de folha de coca pela de milho, se não há um comprador, se não há uma transformação industrial, se não há meios de transporte, se não há um mercado que compre o milho”, afirmou.

Com a estratégia “Tecido de Paz” o Governo propõe-se, nas regiões de maior produção de folha de coca, usá-la de outra maneira, instalar fábricas para comprar essa folha de coca e transformá-la em fertilizante sem carvão: abono descarbonizado, limpo, insistiu.


Africanizar 

Em Washington, detecta-se uma tentativa de “africanizar” a região latino-americano-caribenha, à imagem e semelhança dos que estão fazendo na Europa com o intuito de deter a influência chinesa. Sem mais ideias, teme-se que os EUA se lance em um dos maiores conflitos dos últimos 20 anos na Colômbia, a porta da América do Sul.

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O panorama regional projeta a atual América Latina mais como uma África subdesenvolvida, do que como uma Europa desenvolvida, como disseram funcionários europeus em cúpula entre a União Europeia e a CELAC. E isso é justamente o que preocupa os presidentes da América Latina e do Caribe, “zona de paz”.

Neste jogo geopolítico, o presidente estadunidense Joe Biden incluiu novamente a Venezuela na proclamação da “Semana das Nações Cativas”, que se “celebra” por uma resolução do Congresso em 1953 durante a Guerra Fria e que posteriormente foi transformada em lei pelo general-presidente Dwight Eisenhower em 1959, com o objetivo de apoiar os países da Europa de Leste contra a União Soviética e fomentar a derrubada dos governos comunistas.

Hoje, no contexto da guerra da Ucrânia e do enfrentamento entre Washington e Pequim, Washington considera que estamos em uma situação de natureza similar à Guerra Fria. Na proclamação, mencionam-se como adversários os governos “autoritários” em geral, mas só se faz referência a países não alinhados aos EUA, deixando de fora governos autoritários que fazem parte de sua órbita.

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Enfocar a situação venezuelana pelo prisma da Guerra Fria afasta qualquer possibilidade de uma solução de consenso. Erro: pensava-se que as tensões eram devidas a desacordos sobre temas como direitos humanos ou interesses petroleiros, mas a definição estabelecida na proclamação situa o conflito no terreno de uma guerra.


Curar-se com saúde

Para os geoestrategistas de Washington, não pode se tratar de um conflito pequeno; deve ter dimensão continental. E daí surge a tese de incentivar e financiar uma guerra civil na Colômbia, de maneira que todo o entorno se veja impactado, o que justificaria o regresso da doutrina de Segurança Nacional e do papel dirigente dos militares na política. E por que não com “apoio” de militares estadunidenses?

Por entorno entendemos não só Equador, Peru, Venezuela, Guiana, Suriname, como também o Brasil, porque um dos vértices é, precisamente, desestabilizar o governo progressista de Lula.

Não se pode deixar de considerar que os EUA mantêm sete bases militares na Colômbia: as aéreas de Palanquero (centro), Apiay (leste) e Malambo (Caribe, norte); os fortes do Exército Três Esquinas (sul) e Tolemaida (centro), e as bases navais de Cartagena (Caribe) e Bahía Málaga (Pacífico, oeste).

Certo é que tudo isso se torna possível graças ao fracasso dos governos “progressistas”, que titubearam em avançar nas mudanças não apenas cosméticas, e sim estruturais de que necessitam nossos países: ganhar eleições não garantem nada, se os “progressistas” não se atrevem a mudar as estruturas, reformar a constituição, limpar o poder judiciário, por os despossuídos como sujeitos (não só objetos) de suas políticas. Nossos governantes ditos “de esquerda” continuam flertando com os funcionários dos Estados Unidos e da União Europeia.

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A ingerência estadunidense na Colômbia está enraizada em toda a sua história. É um país onde existe o maior exército da Doutrina de Segurança Nacional dos EUA e, apesar dos esforços do governo de Gustavo Petro, subsiste outro exército das sombras, integrado por paramilitares, nome usado para englobar mercenários e assassinos que transformaram o território colombiano em um extenso cemitério de túmulos coletivos sob a direção dos EUA e de Israel, entre outros.

Enquanto isso, o presidente Joe Biden, após reunir-se com seu então homólogo colombiano Iván Duque em março de 2022, anunciou que a Colômbia ocupará um novo status como “aliado importante” da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Com a guerra na Ucrânia, o único país latino-americano transformado no “maior aliado” deste organismo é a Colômbia, com uma posição estratégica, como nação bioceânica (Pacífico e Atlântico) e com território continental fronteiriço como na zona marinha: limita-se com Panamá, Brasil, Nicarágua, Venezuela, Peru e Equador.


O plano B

Um passo à frente na política ingerencista de Washington foi a destituição do presidente peruano Pedro Castillo. E agora tentam a destituição de Gustavo Petro, o que sem dúvida precipitaria uma crise grave que desembocaria em uma reativação da guerra. Já está em marcha o libreto da destituição “light”, tratando de impedi-lo de executar seu programa de governo e as reformas previstas, o que também desembocaria na mesma crise, mas em câmara lenta.

Os Estados Unidos e seus seguidores também continuam tentando tirar Andrés Manuel López Obrador do governo do México, abortando sua política soberana. Por ora, a direita cúmplice de Washington não tem força suficiente para destituí-lo: os esforços estão concentrados em enlamear sua popularidade e paralisar seu governo.

Certo é que na medida em que a Ucrânia não lhes está saindo como esperavam, estão revendo sua estratégia hemisférica, o plano B.

Aram Aharonian | Jornalista e comunicólogo uruguaio. Mestre em Integração. Criador e fundador da Telesul. Preside a Fundação para a Integração Latinoamericana (FILA) e dirige o Centro Latinoamericano de Análise Estratégica (CLAE).
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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