Pesquisar
Pesquisar
Vladimir Putin, Volodymyr Zelensky e Donald Trump (Fotos: Kremlin / Presidência da Ucrânia - Flickr / Casa Branca - Flickr)

Colonizada e com presidente ilegítimo, Ucrânia tem papel nulo em negociação de paz

O mais certo seria uma negociação de paz exclusivamente entre Ucrânia e Rússia. Mas o mundo não é justo. O mundo é a luta das grandes potências imperialistas pela dominação
Eduardo Vasco
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Na semana passada, o presidente Lula defendeu a participação da Ucrânia nos diálogos que estão sendo iniciados entre Donald Trump e Vladimir Putin para o possível fim do conflito no Donbass.

Ao lado do primeiro-ministro de Portugal (país membro da Otan), Lula ainda recordou que EUA e Europa buscaram durante muito tempo engatar pretensas conversações de paz, mas “só chamavam o lado da Ucrânia, e aqui nós cansávamos de dizer: ‘não tem paz se não chamar os dois e colocá-los à mesa.’ Não tem paz só de um lado”.

Assim, o presidente procurou manter a coerência da diplomacia brasileira sobre a questão. A coisa mais natural do mundo seria, logicamente, a participação da Ucrânia em uma negociação sobre a guerra… na Ucrânia! Assim como seria natural a participação da Rússia – negada até a poucas semanas pelos membros da Otan –, já que a guerra verdadeira é travada em um território que declarou independência da Ucrânia em 2014 e, em referendo, decidiu se integrar à Rússia.

Ucrânia e a neutralidade do Brasil: o que explica munição brasileira em área do conflito?

O mais certo seria uma negociação de paz exclusivamente entre ucranianos e russos. Estados Unidos e União Europeia não tinham de ter nada a ver com a história. Mas o mundo não é justo. O mundo é a luta das grandes potências imperialistas pela dominação. E a Ucrânia não passa de um palco onde essas potências – EUA e Europa – implementam uma guerra para enfraquecer e dobrar a Rússia, maior faixa de terra do planeta com riquezas naturais invejáveis e um mercado de trabalho e de consumo de 140 milhões de pessoas.

Claro que a dominação da Ucrânia também é importante, afinal ela é o maior país da Europa (com exceção da própria Rússia), com importantes recursos naturais e uma posição geográfica estratégica. Tanto é assim que o país foi depenado desde o golpe de Estado de 2013, com privatizações de empresas estatais para companhias ocidentais, venda de terras a empresas estrangeiras, controle de grande parte da imprensa por organizações dos EUA e uma dívida que passou de 49% do PIB em 2021 para 95% em 2024, com participação especial do JP Morgan, Goldman Sachs e BlackRock.

Dotado de um faro particular para negócios, Trump conseguiu encontrar um novo jeito de espoliar a Ucrânia: quer uma “compensação” de até 500 bilhões de dólares em recursos minerais pelo apoio já prestado a Zelensky, e as companhias americanas poderiam ainda ficar com a metade dos depósitos ucranianos de terras raras. O comediante que hoje veste a fantasia de presidente em Kiev contou uma boa piada, finalmente: “não posso vender nosso Estado.”

3 anos de guerra na Ucrânia: maior dívida de Zelensky será cobrada pelo povo

Com algumas modificações da proposta original, porém, os ucranianos parecem ter concordado com o novo saque que se aproxima. Mas, aparentemente, não receberão nenhuma garantia importante de “proteção” americana. Antes, Zelensky havia cogitado aceitar integralmente o espólio, contanto que a Ucrânia fosse integrada oficialmente à Otan (como se isso fosse algum contrapeso, e não a outra face do espólio).

Em condições como essa, de colonização de fato do país, não faz tanta diferença o governo ucraniano participar ou não das negociações de paz. Só faria sentido achar que a Ucrânia participaria como uma terceira e soberana parte se o povo ucraniano se rebelasse e derrubasse o regime fascista-bonapartista. Os russos têm pressionado Zelensky ao afirmarem que agora – que o capacho de Kiev está ficando sem pai nem mãe – só aceitam negociar com uma liderança legítima, porque o mandato de Zelensky venceu no meio do ano passado e não foram realizadas eleições. Trump tem endossado essa pressão psicológica russa. É bem possível que haja, assim, um golpe interno para afastar Zelensky e um grupo que sabe que tudo está prestes a ser perdido assuma para ficar com alguma coisa ao negociar com americanos e russos. Mas também serão autoridades ilegítimas, como é Zelensky, como foi Poroshenko e como são todas as autoridades que arrebataram o poder em 2013.

Se a política de Trump se consolidar, os Estados Unidos poderão abandonar o regime fantoche ucraniano como abandonaram o regime fantoche de Saigon ao serem expulsos do Vietnã pelo Vietcong e o general Giap. A União Europeia pouco poderá fazer para sustentar a guerra contra a Rússia por muito tempo. Ainda que Ucrânia, UE e outros países entrem nas negociações – como parte ou como observadores –, como quer a diplomacia brasileira, não serão eles que darão as cartas. O poder real é que prevalecerá, como de costume.

Além da Ucrânia: EUA aparelham ex-repúblicas soviéticas para criar cinturão anti-Rússia


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Eduardo Vasco Jornalista, trabalhou como enviado especial no início da intervenção russa na guerra da Ucrânia e escreveu o livro "O povo esquecido: uma história de genocídio e resistência no Donbass".

LEIA tAMBÉM

Trump fecha Departamento de Educação para implodir autonomia das universidades
EUA: Trump fecha Departamento de Educação para implodir autonomia das universidades
Guerra na Ucrânia trégua mediada por Trump exclui pontos cruciais para paz
Guerra na Ucrânia: trégua mediada por Trump exclui pontos cruciais para paz
China vai além de robôs e DeepSeek e busca liderança global em IA até 2030 (1)
China vai além de robôs e DeepSeek e busca liderança global em IA até 2030
Trump, passado e futuro do inferno que vivem as pessoas trans nos Estados Unidos
Embora minoria, população trans vira grande alvo da cruzada reacionária de Trump