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Foto: Congresso do Peru / X

Congresso do Peru aprova lei que prescreve crimes de guerra e lesa humanidade

Parlamentares peruanos têm ainda lançado mão de medidas para garantir privilégios a si mesmos e blindar Dina Boluarte
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A expressão “ideias zumbis” vem ao caso. Foi insertada no léxico político por Ulrich Beck, um sociólogo germano especialista em “sociedades de risco”, termo que usou para definir às que assomam em países ameaçados pelos desníveis derivados da injusta distribuição da riqueza. O especialista alude assim a conceitos sem conteúdo, que tiveram conotação em uma circunstância, mas que se tornaram inúteis por carecer de vínculo com a realidade. Palavras ocas que soam em ouvidos incautos.  

Fala-se de “governabilidade”, “democracia”, “justiça”, “igualdade”, “participação cidadã”, expressões que ocultam o drama de nosso tempo, quando a governabilidade treme, a democracia é ficção, a justiça não existe, a igualdade é inalcançável e a participação cidadã é um mito. Retórica, então, consubstancial aos ventos que hoje sopram. Mas os termos não só ocultam a realidade, mas confundem as pessoas que valoram frivolamente os acontecimentos, e para as quais é importante assistir aos concertos de rock e dançar nas festas pop, quando não usar relógios Rolex ou pulseiras Cartier.

Ocorre isso no Peru, onde a “Maioria Parlamentar” faz o que lhe dá vontade. Molesta-lhe a Junta Nacional de Justiça? Então a dissolve. Quer se perpetuar em suas funções? Aprova a reeleição dos postos congressuais. Deseja ter mais capacidade de decisão? Cria o Senado. Quer contar com mais postos para ter mais possibilidades? Eleva o número de parlamentares. Deseja ganhar mais? Então incrementa seus salários, ou aumenta o montante de suas remunerações indiretas. Não quer pagar impostos? Propõe que os “estudos” que faz tenham o caráter de “tributos”. O Fiscal da Nação os acusa? Destitua-o então. Nessas matérias, não lhes falha uma. Logram a votação de (quase) todos os congressistas. É que, com essa prática, confundem incluso a quem crê que “os caviares” são “o inimigo principal”.  

Assim aprovaram também, e virtualmente sem debate, a lei que prescreve os delitos de Lesa Humanidade e crimes de Guerra, consumados por efetivos militares e policiais antes do 2002. Isto significa dispor a liberdade e o fim de julgamentos e condenações a todos os assassinos, desde Barrios Altos e La Cantuta, até Accomarca, Llocllapampa, Pomatambo, Parcco Alto, Cangallo, Vilcashuamán, Cayara e muitos mais. A lei implica liberar de culpas a Alberto F. e Vladimiro M., mas também a Álvaro Artaza, o Comandante Camión, que já poderá reaparecer; a Thelmo Hurtado, José Valdivia Dueñas, Wilfredo Mori e muitos outros, além dos integrantes de Colina, desde Martín Rivas até seus subalternos. Graças a esta disposição, a Máfia poderá gritar eufórica aos 4 ventos: “Os assassinos estão livres!”.

Assim poderíamos prosseguir até o infinito resenhando uma a uma todas as “iniciativas” que os “Pais da Pátria” tiveram nas últimas semanas. Há pouco aprovaram adicionalmente outro projeto apresentado por Gladys Echaiz, que lhes permite controlar, mais adiante, todas e cada uma das ações que se desenvolvam no plano eleitoral. E “blindaram” a Dina sem escrúpulos.

Asseguraram, ademais, que os candidatos à Presidência possam, em paralelo, postular ao Senado, à Câmara de Deputados; e pouco depois a Governos Regionais e Municípios. Algo agarrarão! E Keiko será senadora. Isso lhes servirá para “se cobrir” porque já restituíram também a imunidade. Super blindados também eles.  

E essa ficção ocorre em todos os planos. Agora, com a cumplicidade do Executivo, encerram os jornalistas para que não lhes façam perguntas, e outorgam “permissões” à suposta “Presidenta” para que vá aonde quiser, ao mesmo tempo que recorre ao Tribunal Constitucional, forjados por eles mesmos, para que lhe resolvem todos os problemas de ordem legal nos que anda se metendo. A “competência”, já não é uma palavra, é um recurso. E com ela, Dina insiste que “um dia destes convidará os jornalistas ao Palácio para conversar”.

E ela não fica atrás. A Promotoria a investiga? Há que lhe proibir. Uma equipe especial a intervêm? O dissolve. Um policial invade sua casa por ordem judicial? O destitui. Um juiz acusa seu irmão? O ataca.  

Acidentes como o ocorrido no aeroporto pintam o cenário que vivemos. Turistas que vinham com programa de visita concreta a nossa capital terminaram em Iquitos; um punhado que partiu de Juliaca para cobrir obrigações urgentes em Lima aterrissou no Chile; chilenas que deviam fazer escala aqui, desembarcaram em Trujillo.

E como se essa bagunça fosse pouca, quando o ministro de Transporte foi interrogado pela imprensa, disse simplesmente que ele “estava muito cansado”, mas que, além disso, “não podia garantir que um fato similar não voltasse a se produzir porque até nas casas há curto-circuitos”.

Bem poderia ir descansar com todos os seus colegas. Dina incluída, que é como dissera Pocho Rospigliosi: “o que pedem as pessoas”.  

As “ideias zumbis” ocultam hoje leis e ações deste “Governo”.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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