O desenlace já estava escrito e não houve surpresas. O Conselho Constitucional chileno, dominado sem contrapeso pelas direitas, aprovou por 33 votos a favor e 17 contra um projeto de constituição ultraconservadora, que não só reafirma a institucionalidade neoliberal vigente, mas a enraíza ainda mais pela via de complicar as possibilidades de reformá-la.
O “das direitas” se refere àquela que, se bem agora evita dizê-lo, apoiou a ditadura de Augusto Pinochet. A outra mais radical, escondida daquela e aglutinada no Partido Republicano, não oculta sua idolatria por aquele nem seu fundamentalismo religioso.
“Não” à constituinte da ultradireita é iminente e futuro do Chile é seguir preso à Pinochet
Este texto retrógrado nos valores, apoiador do livre mercado econômico e que deixa para o Estado subsidiar aquilo que, por pouco rentável, não interessa como negócio aos privados, irá a referendo em 17 de dezembro, quando obrigatoriamente 15 milhões deverão votar “a favor” ou “contra”.
Desde que em maio de 2023 foram eleitos os 50 conselheiros – 22 republicanos, 11 da direita “tradicional” e 17 da centro esquerda – a cargo de elaborar o texto, a somatória dos conservadores impôs normas segundo sua vontade, geralmente iniciativas dos republicanos, que modificaram substancialmente o anteprojeto consensual por uma “comissão especialista”, e sistematicamente rechaçando as propostas dos progressistas.
As pesquisas dizem que o texto fracassará em dezembro. Uma sondagem divulgada recentemente marca que a intenção de voto é de 51% para o “contra” e 34% “a favor”, mas com uma subida de 13 pontos em uma semana.
Javier Castro
Partido Republicano, que exerceu grande poder no novo texto, não oculta sua idolatria por Pinochet
Nada está resolvido
De modo que nada está resolvido, a direita adiantou sua campanha sob o lema da “constituição das liberdades”, insistindo em questões supersensíveis na população: dureza contra a delinquência, expulsão imediata dos migrantes ilegais; o caráter privado e que não pode ser expropriado das poupanças da previdência, tornando quase impossível um sistema de solidariedade intergeracional, e inclusive suprimindo o imposto territorial pago pelo 1% mais rico.
Estabelecendo também um fundamentalismo religioso ao constitucionalizar o “direito à vida do nascituro” – abalando a lei do aborto por três fundamentos (estupro, inviabilidade do feto e risco de morte para a mãe) agora em vigor; ou a “objecção de consciência” que as organizações e os profissionais de saúde poderiam eventualmente argumentar.
“A direita chilena, dotada de maioria circunstancial, não conseguiu compreender que uma boa constituição é aquela que permite a expressão da diversidade. Optou por impor um texto excludente, dogmático, retrógrado e polarizador que representa um risco de instabilidade política e social. Não deixamos espaço para outras ideias democráticas e isso só favorece os empresários e os poderosos, os sempre privilegiados. Não estamos disponíveis para aprovar a privação de direitos conquistados como a interrupção da gravidez por três motivos”, argumentou o delegado socialista Alejandro Köhler.
Caso este segundo processo também fracasse – o primeiro naufragou em setembro de 2022, quando um texto escrito por uma convenção dominada pela centro-esquerda, independentes e indígenas foi rejeitado por 60% – 58% discordam de uma terceira tentativa.
Aldo Anfossi | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Assista na TV Diálogos do Sul