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Javier Milei (Foto: Benedikt von Loebell / FMI)

Convertibilidade na Argentina: Milei impõe mesmo modelo econômico que levou país ao corralito

Paraíso? Dados mostram que medidas de Milei são uma cópia ruim de políticas que anteriormente levaram o país a crises profundas, endividamento e depressão econômica
Alfredo Serrano Mancilla, Guillermo Oglietti
Celag
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

O debate econômico na Argentina transcorre sem consenso entre os que veem uma novidade nas políticas de Milei, augurando que nos levarão ao paraíso, e aqueles que sustentam que é uma cópia ruim de outros episódios que levaram o país a crises profundas de endividamento e depressão econômica sem que sequer tenham servido para resolver o problema da inflação (que serviu para justificar estas políticas industricidas).

Os que têm a percepção de que estamos vivendo um déjà vu da Convertibilidade deve-se ao fato de que sofremos uma cópia desse programa dirigido por Cavallo, que está levando a uma crise tão previsível que até o FMI a viu chegar (ainda que tarde, como sempre). Como Benjamin Button, ao parir seu esquema econômico Milei gozou da inocência aparente de um recém-nascido, mas queimou etapas e envelheceu rapidamente.

Por isso, nesta nota, analisamos qual é a antiguidade real (não a cronológica) do esquema econômico de Milei, confrontando seus resultados com o Plano de Convertibilidade. Estimamos a idade real do esquema econômico de Milei com base a quanto tardou a Convertibilidade em alcançar os registros que Milei obteve em apenas um ano de mandato.

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Prejuízo para os trabalhadores

Em termos de prejuízo para os trabalhadores, a crise da Convertibilidade demorou 4 anos para reduzir sua participação no PIB a menos de 44%. A mini convertibilidade de Milei conseguiu isso no primeiro ano, baixando-a a 43,2% a partir dos 45,5% de 2023. A predisposição que o Governo Nacional tem para desregulamentar toda a economia — à exceção das pretensões salariais dos trabalhadores nos convênios coletivos — indica que seguirá o mesmo roteiro de queda sem recuperação à vista.

Assim, em termos de distribuição da renda nacional, a mini convertibilidade de Milei conseguiu em um ano o que levou quatro no Plano de Convertibilidade.

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Poder aquisitivo do salário

A queda da participação dos trabalhadores na renda se explica pela derrubada dos salários reais. Durante a Convertibilidade, o salário real não baixou em 6% com relação ao ano do início (1991), enquanto Milei reduziu-o em 6,8% em um único ano. Na realidade, foi preciso esperar a crise de 2002, quando o salário real caiu 24%, para encontrar um registro de queda mais elevado do que o que Milei produziu em apenas um ano. Assim, no sentido dos salários reais, o esquema de Milei em apenas um ano provocou o mesmo prejuízo que a Convertibilidade em 10.

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Desemprego

O grande problema durante a convertibilidade não foi o salário, e sim manter o emprego. Durante os dois primeiros anos da Convertibilidade, apesar das privatizações, o desemprego praticamente se manteve estável e só em 1993 subiu de 6,9% a 9,9%. A partir da Crise de Tequila, petrificou-se a incapacidade do modelo da Convertibilidade de criar empregos, duplicando-se a taxa de desemprego, que se manteve sempre acima dos dois dígitos.

No primeiro ano de Milei, o desemprego subiu 1,2 ponto. O aumento do desemprego na Argentina anda mais rápido que durante a Convertibilidade, que mostrou um aumento superior a um ponto percentual com relação a 1990 (três anos depois de iniciada).

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Exportações e importações

Em 2024, como consequência da crise da economia real, as importações baixaram 17,5% no ano, enquanto as exportações aumentaram 19,4%. Isto se explica pela melhora nas condições climáticas, em contraste com a seca que afetou a colheita de 2023. Durante a Convertibilidade, os anos mais parecidos a 2024 foram 2000 e 2001. Naqueles dois anos acumulados, as exportações cresceram 14% e as importações caíram 20% em consequência da crise de três anos consecutivos que o país já atravessava.

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Saldo do comércio internacional

O saldo do comércio exterior em 2024 acumulou um superávit estimado em US$ 18,9 bilhões. Isso representa 23% das exportações, como consequência da melhora nas exportações primárias graças à colheita e à contração das importações resultante da crise. Durante a Convertibilidade, o primeiro ano superavitário foi 1995 (representou 4% das exportações), o segundo foi 2000 (4% das exportações) e o último, 2001, quando alcançou um superávit idêntico ao atual, equivalente a 23% das exportações. Novamente, a mini convertibilidade de Milei necessita gerar as condições superavitárias de 2000 para evitar a deterioração do nível de reservas.

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Reservas

As reservas internacionais durante a Convertibilidade chegaram a seu teto em 1998 — quando já havia se esgostado o montante dos ingressos por privatizações —, acumulando cerca de 35 bilhões de dólares que, ajustados pela inflação em dólares dos EUA, seriam equivalentes, em poder aquisitivo, a 67 bilhões de dólares da atualidade.[1] A partir de então, mantiveram-se estancadas com algumas oscilações, respondendo a empréstimos financeiros internacionais com o FMI (2000) ou a Blindagem e o Megacanje. Durante o Governo de Milei, a trajetória também parece ter encontrado um teto em torno de 30 bilhões de dólares que alcançou em abril de 2024 (menos da metade do valor atual que teriam as reservas disponíveis durante a Convertibilidade) e, a partir de então, declinou e só pôde recuperar-se graças à lavagem de dinheiro (ainda que atualmente tenha retrocedido até 30 bilhões de dólares).

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Dívida pública[2]

Em nenhum ano durante a Convertibilidade a dívida pública cresceu tanto como durante o primeiro ano de Milei (16%). De fato, foi necessário transcorrerem 4 anos para que a Convertibilidade superasse este crescimento de 16% da dívida. Em 1995, afetado pelo Tequila, foi o ano que teve o crescimento da dívida mais similar ao atual (12%) e o único com dois dígitos de crescimento.

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Crescimento

Os primeiros anos da Convertibilidade foram de alto crescimento. A Crise de Tequila produziu a primeira contração do PIB, de 2,8%, significativamente menor que a queda da economia no primeiro ano de Milei, que se estima em 3,5%. O segundo período de contração econômica foram os três últimos anos de vigência da Convertibilidade (1999-2001) quando a economia caiu 2,9% na média anual (-4,4% em 2001). Em termos de queda do PIB, a mini convertibilidade de Milei é mais semelhante aos anos 1995 e 1999-2001, com a ressalva de que esses decréscimos durante a Convertibilidade foram agravados por choques internacionais, enquanto em 2024 a crise foi consequência de decisões autônomas do Governo.

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Investimento

A taxa de investimento do primeiro ano de Milei se situou em 16,8% do PIB. É uma das taxas mais baixas da história, menor do que a que teve nosso país quando a Crise de Tequila afetou a confiança, e equivalente à taxa de investimento de 2000, quando o modelo de Convertibilidade já não podia ser salvo. Assim, a taxa de investimento durante o governo de Milei é similar à que mostrou a economia argentina em 2000.

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A taxa de investimento do primeiro ano de governo de Milei, nos primeiros quatro trimestres, se situa abaixo de 17%, um registro baixo característico de etapas de crise, como durante 1995, após a depois da Crise de Tequila, e nos anos 2000 e 2001.

Atraso do tipo de câmbio real

Não é a primeira vez que a Argentina opta por abrir sua economia e atrasar o tipo de câmbio, isto é, baratear o preço do dólar como instrumento para controlar a inflação. Esta combinação de políticas foi aplicada também durante o Governo de Martínez de Hoz nos anos 1970 e durante a Convertibilidade, 20 anos depois. Em ambos os casos, expuseram a produção nacional à concorrência externa em condições desvantajosas, já que o dólar barato encarece artificialmente a produção argentina, dificultando sua capacidade para competir com o resto do mundo. Desta maneira, contrai-se a produção, destroem-se empregos, dessangram-se as divisas pelos canais do comércio e do turismo e, como se fosse pouco, o êxito anti-inflacionário é só aparente, já que a médio prazo a inflação dispara quando se esgotam as divisas — provocando uma crise de balança de pagamentos —, e o tipo de câmbio se desvaloriza corrigindo pela força dos fatos o desequilíbrio macroeconômico que a vontade do Governo não pode manter.

O tipo de câmbio médio da Convertibilidade foi 2% mais alto que o atual. Isto é, na miniconvertibilidade de Milei, o tipo de câmbio está mais valorizado que durante a Convertibilidade. Desde que começou o Plano de Convertibilidade, o tipo de câmbio começou a se valorizar alcançando o nível atual em fevereiro de 1993, dois anos depois de começado o programa.

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Conclusões

Das 10 variáveis analisadas (tabela 1), deduz-se que a idade média do esquema econômico de Milei é igual a 6,8 anos de transcurso do Plano de Convertibilidade, razão pela qual o percurso do primeiro ano de governo de Milei seria equivalente a 62% dos 11 anos que durou a convertibilidade. Neste ritmo, o esquema econômico atual encontraria os limites que encontrou a Convertibilidade antes que termine 2025. Esse lapso de tempo é mais parecido com a duração da “tabelinha cambiária” de Martínez de Hoz (3 anos) do que com o da Convertibilidade (11 anos).

A intenção desta análise é mostrar a semelhança entre o roteiro econômico de Milei e o da Convertibilidade, que acabou como acabou. Sabemos que este esquema está adiantando etapas e envelhecendo prematuramente, mas isso em diferentes ritmos. A deterioração social cresce rapidamente, ainda que o desemprego vá mais devagar do que a deterioração dos salários. Os intercâmbios com o resto do mundo são os que estão mais envelhecidos, junto aos investimentos, enquanto o tipo de câmbio real — tão valorizado na atualidade como no segundo ano da Convertibilidade — é o fator comum que compartilham tanto o programa de Martínez de Hoz como a Convertibilidade, sendo justamente isso o que explica o fracasso destes dois programas. 

Batizaram de “Convertibilidade” o modelo de Cavallo. O esquema de Milei não tem nome. Mas, ainda que leve ao mesmo destino, não é possível dar-lhe um nome.

[1] Ajustado pela inflação ao consumidor dos EUA (BLS).

[2] Para calcular a dívida total da Administração nacional desde que Milei assumiu, é necessário consolidar a dívida do Tesouro com a do BCRA para capturar a mudança de titularidade da dívida que começou a ocorrer no princípio do Governo de Milei, transferindo a dívida do BCRA para o Tesouro. A dívida total consolidada, Governo central mais BCRA, aumentou em 64 bilhões de pesos entre dezembro de 2023 e 2024: de 402 bilhões de dólares em dezembro de 2023 a 466 bi ao finalizar 2024. Por sua vez, para que estas cifras da dívida sejam comparáveis com a dívida da Convertibilidade, ajustamos os valores nominais da dívida dos anos 90 pelo índice de inflação dos Estados Unidos para trazer estes valores à atualidade (BLS).


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

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