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“Dedico este prêmio ao sofrido povo da Venezuela e ao presidente Trump por seu decidido apoio à nossa causa!”, afirma Machado ao receber o Nobel da Paz. (Imagem: Maria Corina Machado / Facebook - Modificado)

Nobel da Paz abraça trajetória espúria de Corina Machado e a consolida como líder do antichavismo

María Corina Machado é uma das figuras da ala mais conservadora e extremista da oposição venezuelana, acumulando pedidos de golpe e intervenção contra a Venezuela e seu próprio povo

Ángel González
La Jornada
Caracas

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A decisão do Comitê Norueguês do Nobel de entregar o galardão da paz à líder venezuelana antichavista, Corina Machado, foi foco de controvérsia. Isso porque sua trajetória, durante a qual por anos solicitou uma intervenção militar em seu país, dista muito dos postulados do Prêmio Nobel da Paz. Segundo o testamento de Alfred Nobel, criador do galardão, este deveria ser concedido “àqueles que durante o ano precedente tenham trabalhado mais ou melhor em favor da fraternidade entre as nações, da abolição ou redução dos exércitos existentes e da celebração e promoção de acordos de paz”.

María Corina Machado Parisca é uma das figuras da ala mais conservadora e extremista da oposição venezuelana, que teve escasso peso dentro das sucessivas coalizões de partidos que tentaram pôr fim à Revolução Bolivariana desde 1999.

Somente em 2024 adquiriu relevância no cenário político venezuelano, diante do vazio e da dispersão deixados pelos partidos opositores, depois do fracasso do plano de impor um “governo paralelo” na figura de Juan Guaidó entre 2019 e 2023.

Emergiu como pré-candidata presidencial para as eleições de julho de 2024, ainda que tivesse perdido seus direitos políticos ao estar inabilitada para exercer cargos públicos pela Controladoria-Geral da República, decisão ratificada pelo Tribunal Supremo de Justiça diante de um recurso interposto por ela mesma. Isso a obrigou a ceder sua candidatura a Edmundo González, um ex-diplomata pouco conhecido que acabou perdendo a eleição para Nicolás Maduro.

Antes e depois do processo eleitoral, o governo do presidente Nicolás Maduro denunciou que o partido Vente Venezuela, com Machado à frente, tentava gerar um ambiente de caos no país mediante ações de sabotagem e terrorismo, que resultaram em manifestações violentas nos dias posteriores aos comícios presidenciais, nas quais foram atacados edifícios públicos e provocados incêndios em várias cidades.

Prêmio como arma

Após o anúncio do Comitê Norueguês do Nobel, Machado expressou em um comunicado que o prêmio é “um firme chamado para que a transição à democracia na Venezuela se concretize de imediato”. Com essa “transição” não se refere a um processo de diálogo político, mas à sua confiança de que o governo dos Estados Unidos concretizará uma agressão militar contra a Venezuela a partir do deslocamento de navios e aviões de guerra estacionados no Caribe Sul desde o mês de agosto.

Isso é confirmado por suas próprias palavras durante uma entrevista ao jornal El País, da Espanha, apenas horas depois do anúncio do Nobel: “Toda a gente que dizia que não havia que construir uma ameaça crível, que não havia que pôr a força à frente, pois vejam tudo o que está acontecendo”.

Promotora de caos e violência

Em 2014, junto a Leopoldo López e Antonio Ledezma, Machado planejou e promoveu as mobilizações violentas que buscavam derrubar o governo de Maduro mediante queimas de ruas e instituições, além de assassinato de pessoas e ataques a regimentos militares. O saldo desse episódio foi de 43 venezuelanos assassinados e centenas de feridos.

Esse tipo de estratégia de violência nas ruas, conhecida na Venezuela como guarimbas, se repetiu em 2017, também sob o impulso de Machado e outros aliados, com um saldo muito superior: cerca de 150 mortes e milhares de pessoas feridas.

Em outubro de 2018, a dirigente invocou a R2P (Responsabilidade de Proteger) à “comunidade internacional”, um princípio doutrinário que se traduz na intervenção militar estrangeira em um país. Essa petição foi retomada em 2019, em meio ao “Plano Guaidó”. Em 12 de fevereiro, Machado pediu à Assembleia Nacional que aprovasse o ingresso de tropas estrangeiras em solo venezuelano: “Fazemos um apelo à Assembleia Nacional para que ative o artigo 187 com o objetivo de autorizar o uso de uma força multinacional, caso persistam os obstáculos à distribuição da ajuda humanitária”.

Em uma entrevista à Voz da América, em 3 de maio daquele ano, reiterou: “As democracias ocidentais têm que entender que um regime criminoso só sairá do poder diante da ameaça crível, iminente e severa do uso da força”.

Também em 2018, enviou uma carta a Mauricio Macri, então presidente da Argentina, e a Benjamín Netanyahu, primeiro-ministro de Israel: “Hoje quero pedir a Israel e à Argentina que aportem sua experiência e sua influência para avançar rumo a uma tomada de decisões acertada e urgente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.”

Em 2020, recorreu a outro instrumento: o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), um mecanismo da Guerra Fria. Em junho, publicou um artigo em vários meios internacionais intitulado “Venezuela: o desafio ineludível do Ocidente”. Nele, pedia “a conformação de uma coalizão internacional que desdobre uma Operação de Paz e Estabilização na Venezuela (OPE)” e especificava que “o ideal é que essa operação de paz multifacetada não esteja sob a égide de uma única organização, mas seja composta por uma coalizão de aliados com disposição e legitimidade regional no marco do TIAR”.

Em sintonia com Trump

Desde que Donald Trump assumiu pela segunda vez a presidência dos Estados Unidos, em janeiro de 2025, Machado tem sido a principal promotora da intervenção militar estrangeira na Venezuela. Ela apoiou abertamente o deslocamento militar dos estadunidenses no Caribe.

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Tanto é seu desejo de se alinhar ao ânimo de Donald Trump que, após receber o prêmio, escreveu na rede X: “Dedico este prêmio ao sofrido povo da Venezuela e ao presidente Trump por seu decidido apoio à nossa causa!”.

Respaldo à retórica de invasão

Para o analista político venezuelano Ociel López, o Nobel conferido a María Machado faz “estabilizar” a liderança visível do antichavismo na Venezuela e, além disso, “a transforma em alguém que conseguiu consolidar uma narrativa”.

O especialista chama a atenção para o fato de que, com este galardão, é possível que se esteja tentando recompor um consenso dentro do espaço político estadunidense sobre o deslocamento militar no Caribe. Quando o Congresso aprovou o início de uma “segunda fase” proposta por Trump, ficou evidente que o voto estava dividido, principalmente devido à posição crítica dos democratas.

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Mas agora, “independentemente do que aconteça com o deslocamento no Caribe, há uma face mais amena por trás de tudo em relação à Venezuela, e não é apenas um Trump mandando submarinos nucleares”, afirmou.

Em uma entrevista à Fox News em agosto, Machado assegurou que “o governo de Trump sabe muito bem que Maduro é a cabeça de uma organização criminosa terrorista, que expande o crime organizado por meio da TdA (Tren de Aragua) e de cartéis de narcotráfico como o Cartel dos Soles… E ele é a principal fonte de desestabilização da região e, portanto, uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos”.

Em razão da mobilização militar ordenada por Trump, Corina acrescentou: “Acredito que as coisas vão avançar muito rápido”. Ali mesmo, lançou um alerta aos altos comandos militares venezuelanos, leais a Maduro: “Têm pouco tempo para decidir se se colocam ao lado da justiça, do povo e do mundo democrático, ou se caem com ele”.

Somente em 2024 adquiriu relevância no cenário político venezuelano, diante do vazio e da dispersão deixados pelos partidos opositores, depois do fracasso do plano de impor um “governo paralelo” na figura de Juan Guaidó entre 2019 e 2023. (Imagem: Maria Corina Machado / Facebook – Modificado)

Essa última frase não parece provir de uma pessoa laureada com um prêmio que se supõe tenha sido concebido para aqueles que trabalham pela “celebração e promoção de acordos de paz”.

Mobilização na Venezuela

Na última quarta-feira (8), o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, declarou a ativação do exercício especial “Operação Independência 200” nas Zonas Operativas de Defesa Integral (ZODI) La Guaira e Carabobo, com um pacote de “27 ações territoriais” voltadas à defesa, à resistência e à “ofensiva permanente”.

O mandatário explicou que a ativação, a partir das 00:00 de quinta-feira (9), teve como objetivo testar a reação de comandos civis e militares e a coordenação de todos os planos de proteção de infraestrutura crítica, com ênfase em aeroportos, portos e aduanas.

“Começou o exercício de ativação integral de todos os planos de defesa”, destacou ao divulgar o início da operação, sublinhando se tratar de uma modalidade por ZODI, com participação da Força Armada Nacional Bolivariana da Venezuela (FANB), da Milícia e de forças sociais.

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A ordem presidencial se concretizou horas depois na costa central, onde o governo reforçou a presença militar e policial no Aeroporto Internacional de Maiquetía (La Guaira), nos portos, na aduana e nas unidades militares, dentro de um esquema que inclui redes de vigilância e drones, segundo informaram porta-vozes do Executivo. O dispositivo se insere em uma hipótese de “agressão militar” por parte dos Estados Unidos e diante da “irracionalidade” no comportamento de Washington no Caribe.

Desde a Casa Guipuzcoana (La Guaira), o ministro das Relações Interiores, capitão Diosdado Cabello, liderou a ativação operacional por volta das 04:52 da madrugada, informando que os Órgãos de Direção para a Defesa Integral (ODDI) executam um plano de monitoramento que envolve a FANB, a Milícia, governos estaduais, prefeituras e corpos policiais e de proteção civil. Cabello destacou que a ênfase territorial está nos Quadrantes de Paz (distribuição de forças de segurança por zonas dentro das cidades) e na proteção de serviços e instalações estratégicas.

Em paralelo, o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, explicou que os exercícios preparam o país “para a hipótese de uma agressão militar estrangeira” e chamou a população a estar organizada e preparada, sem “alarmismos”, mas com “realismo” diante da conjuntura. Em seu balanço, enfatizou a necessidade de manter as forças “dois ou três passos à frente” de qualquer tentativa de desestabilização e adiantou uma reorganização dinâmica da Milícia como parte da estrutura territorial.

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De acordo com os relatórios divulgados pelas autoridades, o desdobramento em La Guaira — principal porta aérea e portuária do país — e em Carabobo — nó industrial e logístico do centro — compreende patrulhamento, estabelecimento de pontos de controle e proteção de instalações de energia, hidrocarbonetos e telecomunicações. O governo ressalta que o objetivo é assegurar a continuidade operacional de serviços e cadeias de suprimentos em caso de perturbações. Em La Guaira, o plano foca em aeroportos, portos, aduanas, unidades militares e emissoras comunitárias, com a Milícia e redes comunitárias integradas à resposta.

A orientação do Executivo acrescenta um componente comunicacional: sistemas de alerta e contra-ruídos para evitar pânico social e fortalecer a coesão em bairros e centros de trabalho. Segundo o governo, o uso de drones e redes de vigilância complementa a supervisão presencial das áreas sensíveis em ambas as ZODI, em coordenação com os Quadrantes de Paz.

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A lógica desse esquema busca neutralizar uma eventual tentativa de paralisia estratégica — por sabotagem, bloqueio físico ou ciberataques — e garantir a continuidade de serviços e operações críticas (energia, combustíveis, comunicações e transporte). Os exercícios também visam aperfeiçoar as cadeias de comando e reduzir os tempos de reação, algo que as autoridades consideram decisivo caso a tensão com os Estados Unidos se prolongue ou escale.

A curto prazo, o Ministério da Defesa prevê manter ativo o desdobramento e estender as tarefas a outras regiões, com uma combinação de controle interno, proteção de instalações estratégicas, patrulhamento fronteiriço e garantia de hospitais e eixos viários. A chave — segundo o discurso oficial — é multiplicar os mecanismos de alerta precoce e mobilização flexível para dissuadir e, se necessário, responder a qualquer incursão ou ação hostil.

O governo bolivariano sustenta que a presença militar dos Estados Unidos no Caribe é uma “ameaça direta” e que sua postura defensiva não busca escalada, mas sim proteger a continuidade do Estado e a normalidade civil.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Ángel González Correspondente do La Jornada em Caracas.

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