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ToggleA abrupta saída como asilado na Colômbia do ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli (2009-2014), em 10 de maio, após mais de um ano refugiado na embaixada da Nicarágua na Cidade do Panamá, evidenciou um conluio político e acirrou o clima de convulsão social vivido no istmo em razão de uma lei do seguro social e de acordos com os Estados Unidos.
Para vários analistas, a via de escape do ex-governante e líder do partido Realizando Metas — que levou ao poder o atual mandatário José Raúl Mulino —, apesar de ter sido condenado em 2023 a mais de 10 anos de prisão por lavagem de dinheiro no caso New Business, representa mais uma afronta à justiça comum.
Os estudiosos, entre eles a ex-magistrada Ana Matilde Gómez, lembram com frequência que o direito internacional estabelece que um condenado por crimes comuns não pode receber asilo por razões políticas, como fez o presidente colombiano, Gustavo Petro.
Para aumentar ainda mais a temperatura da discórdia e o crescente repúdio popular ao Executivo, Martinelli celebrou sua “libertação” em Bogotá cantando eufórico “El Rey”, de Vicente Fernández, na companhia do embaixador panamenho Mario Boyd, irmão do atual ministro da Saúde, Fernando Boyd.
Em uma conferência de imprensa semanal, Mulino afirmou que repreendeu severamente o diplomata — seu amigo pessoal —, ao mesmo tempo em que considerou o gesto um erro grosseiro, mas sem maiores consequências.
Em sua manifestação, o chefe de Estado declarou ainda, sem que isso conferisse qualquer credibilidade, que sua administração nada teve a ver com essa concessão de asilo.
Mais corrupção
Enquanto isso, para os movimentos populares, a fuga de Martinelli com a cumplicidade do Executivo é mais uma das arbitrariedades enfrentadas nas ruas, como a imposição da Lei 462, sobre reformas na Caixa de Seguro Social (CSS), sem o consenso dos coletivos e estudiosos que apresentam propostas alternativas ao oficialismo para melhorar os serviços de saúde e as aposentadorias.
A isso soma-se o mais recente escândalo de corrupção envolvendo o envio de fundos da CSS para contas do Estado, como parte dos abusos que explicam a profunda insatisfação cidadã com o uso político dessa instituição.
Desde a administração do próprio Martinelli, foram utilizados recursos de outros programas da entidade pública que atende aposentados como uma medida desesperada para evitar o enfrentamento da reforma do sistema de pensões, cuja insustentabilidade ficou evidente após as mudanças insuficientes do ex-presidente Martín Torrijos (2004-2009).
O recente desvio de 400 milhões de dólares durante a gestão do ex-diretor da CSS, Enrique Lau, é apenas o exemplo mais recente de como esse órgão foi tratado como caixa dois para cobrir déficits fiscais.

Outras faces da crise
Completa o complexo panorama panamenho a negativa do chefe de Estado em buscar uma saída política e dialogada com os participantes de uma greve nacional por tempo indeterminado contra a norma da segurança social.
Em sua conversa com a imprensa, Mulino reafirmou que “a qualquer custo” impedirá o bloqueio de estradas como ocorreu na província ocidental de Bocas del Toro, protagonizado por povos originários da etnia Ngäbe Buglé e por integrantes do Sindicato de Trabalhadores da Indústria Bananeira (Sitraibana), que exigem a revogação da norma.
Mulino também atacou duramente os dirigentes e membros do Sindicato Único Nacional de Trabalhadores da Indústria da Construção e Similares (Suntracs), que chamou de “máfia”, e cujas contas nos bancos estatais ordenou fechar em agosto de 2024.
Día 25 de huelga.
La marcha tuvo un destino claro: la Presidencia de la República.
Fuimos a donde se toman decisiones de espaldas al pueblo, a recordarle al poder que el país está en resistencia.#HuelgaNacional #SUNTRACS#SuntracsSomosTodos pic.twitter.com/ckCMnx3UHf— Suntracs Panama ⚒ (@SuntracsPanama) May 24, 2025
“Seu fetiche pela repressão será dizimado pela dignidade e pela resistência popular”, respondeu o Suntracs em sua conta na rede social X, ao mesmo tempo em que reafirmou que os trabalhadores da construção civil seguem em greve.
Às reivindicações somam-se as críticas aos acordos assinados em 9 de abril com os Estados Unidos, já que diversos grupos denunciam que eles autorizam a instalação de bases militares.
A aliança Povo Unido pela Vida apresentou à Assembleia Nacional (AN, parlamento) do Panamá uma denúncia contra Mulino pelo crime contra a personalidade internacional do Estado.
Segundo os advogados, trata-se de ações que atentam contra a soberania e ferem a pátria, ao permitir a assinatura de um memorando de entendimento com Washington, violando normas constitucionais.
Organizações denunciam abusos e uso excessivo da força por parte da Polícia Nacional e de suas unidades antimotins em diversos pontos de manifestação. Segundo dados oficiais, há mais de 190 detidos e prejuízos econômicos, de acordo com os setores empresariais.
Diante desse contexto, a Defensoria do Povo e a Conferência Episcopal instaram à busca pelo diálogo e ao abandono do uso da força e das imposições.