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Crescimento da China beneficiará Brasil; postura de Bolsonaro sobre o país, não

Com o silêncio cúmplice dos militares, Bolsonaro investe, irresponsável e impunemente, à mais abjeta subserviência aos caprichos de Trump
Roberto Amaral
Diálogos do Sul Global
Recife

Tradução:

Nossa principal parceira comercial, milhões de dólares à frente dos EUA, da Europa e do Mercosul, a China é o maior comprador mundial de soja, a cereja do agronegócio brasileiro, a “salvação da lavoura” de nossa raquítica balança comercial, onde, com o recesso industrial,  pesam as exportações de matérias primas in natura, como alimentos não processados, ou minério de ferro que exportamos para importar trilhos e lingotes de aço.

A China comprou  do Brasil nada menos que 7,25 milhões de toneladas de soja no último setembro, contra 4,79 toneladas no mesmo mês do ano passado, donde um aumento de 51%. Pois é contra esse país (portanto, contra nossos interesses comerciais e estratégicos) que o governo do capitão investe, irresponsável e impunemente, por todos os meios ao alcance de sua demência sub-ideológica, arrastando o país à mais abjeta subserviência aos caprichos de Trump.

Com o silêncio cúmplice dos militares, que já tiveram mais apreço aos brios nacionais. Trata-se, porém, apenas, de um dos muitos itens de seu, e de sua jolda, programa de desconstrução nacional, anunciado em banquete na embaixada brasileira em Washington, ao lado do astrólogo da Virgínia e do desqualificado Steve Bannon, na presença de nosso então embaixador que, pelo que se sabe, embora com demissão já anunciada, e já aposentado, não teve os necessários brios para se levantar, pôr o chapéu na cabeça e voltar para casa pegando o metrô.  

Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional — (consabidamente comprometido com os interesses dos EUA), a China, na companhia da Coreia do Sul e do Vietnã (o que indica, aos que ainda enxergam, para onde se desloca o eixo dinâmico da economia mundial),  terá, ainda neste ano, desempenho econômico superior ao projetado para a média mundial.

Enquanto a retração esperada do PIB global é de -4,4%, e a dos EUA de -4,3%, a previsão para a China é de um crescimento de 1,9%. Em comparação com o mesmo período do ano passado,  o PIB chinês cresceu 4,9% no terceiro trimestre deste ano, em plena pandemia. Só para lembrar: o PIB brasileiro em 2019 ficou em 1,1%; e, para este ano, a média das estimativas sugere uma queda de algo em torno de 6%.

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Palácio do Planalto
Mas quais benefícios podem decorrer da atual política exterior brasileira, criminosa, que renuncia ao usufruto de vantagens óbvias

“Milagres”?

Não se registram milagres (os “milagres econômicos” com seus desfechos dramáticos, ficaram na história dos militares de 1964 e dos lances  de ilusionismo em que primou o ministro Delfim Neto, o “Posto Ipiranga” da ditadura) no caso da China, mas a simples e racional adoção de estratégias corretas, e simples, em franco contraste com o que se faz aqui, contra o país e seu povo, sem provocar cataclismos políticos, nem insurreições. Nem grandes protestos.

Enquanto entre nós aquele posto de gasolina que faliu por falta de combustível insiste numa política que mistura neoliberalismo e recessão, cerceia créditos e investimentos, estimula a desindustrialização e provoca o desemprego, e enquanto o capitão que organiza o assalto à razão investe contra a ciência e favorece a barbárie pandêmica, os chineses estancaram os graves efeitos da Covid-19, aumentaram o crédito, apoiaram suas empresas, investiram em infraestrutura (donde o aumento do emprego e a circulação monetária), apoiaram a produção industrial e as exportações, e, por óbvia consequência, expandiram o mercado interno, com o aumento do consumo e das vendas no varejo.

Enquanto entre nós, neste vale de desesperança, o governo de Bolsonaro e de seus generais, e do enxurro que os cerca, destrói as bases da educação nacional e da ciência, a China investe em educação, ciência,  tecnologia e inovação, devendo ultrapassar os EUA em despesas com pesquisa e desenvolvimento já este ano. Para cada engenheiro brasileiro que sai de nossas escolas a China forma 120; para cada profissional brasileiro em ciências naturais, a China forma 150.

Segundo o Instituto Nacional de Política de Ciência e Tecnologia do Japão  a China liderou o ranking de publicação de artigos acadêmicos no campo das ciências naturais no período 2016-2018, com 305.927 artigos, seguida dos EUA, com 281.487, e a Alemanha com 67.041. Por outro lado, a proposta orçamentária do capitão e do Sr. Guedes para 2021 pretende cortar R$ 1 bilhão dos recursos destinados às universidades federais brasileiras.

Em entrevista ao Estadão (25/10/2020) Graham Alisson, autor de A caminho da guerra, nos traz dados sobre o novo mundo que se está construindo, cuja realidade os atuais governantes (até quando?) se negam conhecer.

“A participação dos EUA no PIB global – diz Alisson – diminuiu de metade em 1950 para um quarto no fim da guerra fria em 1991; é um sétimo hoje e está em trajetória para ser um décimo em meados do século”. Complementarmente, estudos da agência de classificação de risco Austin Rating, encomendados pelo Broadcast/Estadão (“Pandemia deve reforçar poder chinês na economia”, Estadão, 25/10/2020,) estimam que até 2028, a China será a maior economia do mundo, superando a centenária liderança dos EUA.

Rivalidade

A rivalidade China (emergente) versus EUA (em descenso mais ainda e por muito tempo poderosíssimo) acirrará a guerra comercial que já patrocinam, e o mundo se dê por muito satisfeito se esse for o limite da rivalidade. Enquanto esses forem os termos, há muito a ganhar com a hipótese de duas locomotivas econômicas.

O crescimento da China não interessa apenas ao entorno asiático onde aprofunda sua influência, mas chegará a todo o mundo, beneficiará países exportadores de commodities, como o Brasil (se este adotar uma política comercial digna do nome), e igualmente beneficiará países industrializados como a Alemanha, de onde importa máquinas agrícolas.

Mas quais benefícios podem decorrer da atual política exterior brasileira, criminosa, que renuncia ao usufruto de vantagens óbvias, para tornar-nos satélite irrelevante, subalterno, capacho, sem voz e sem vez, de uma das economias em conflito, e exatamente aquela que menos nos favorece? Fossem outras as nossas instituições – a grande mídia, o poder legislativo, o poder judiciário – e esse governo já teria sido defenestrado, pelos seus reiterados crimes de lesa-pátria.

Qualquer que seja o resultado das próximas eleições nos EUA, poucas serão as alterações de nossa política externa: continuaremos caudatários dos interesses dos EUA, que jamais rejeitarão a oportunidade, ensejada pela traição dos daqui de dentro, de auferir o máximo de vantagens numa relação econômica e moralmente assimétrica.

A capitulação cívica pode ter vida longa, pois,  entre nossos generais impera, sem análise crítica, a adesão à  doutrina americana do “destino manifesto” de disseminar seus valores (e por óbvio seus interesses) por todo o mundo. O resto são consequências.


Lula – Nosso abraço fraterno ao presidente Lula. O Brasil ainda muito espera de sua liderança. Vida longa, companheiro.

Arriba Chile! — No desdobramento das manifestações de rua que há dois anos vêm vivificando o país, o povo chileno, pela sua esmagadora maioria, deu domingo último  um grande passo que pode ser decisivo para a revogação do entulho fascista deixado pela ditadura  Pinochet, corrupta tanto quanto sanguinária. Estão criadas as condições para a verdadeira e  decisiva reconstrução nacional, livrando-se o Chile, de um passado tenebroso.   Decidiu o povo chileno, em plebiscito, revogar a  constituição negociada com os militares e convocar uma constituinte, exclusiva (o que não logramos) para redigir o estatuto da democracia. Fundada no neoliberalismo econômico mais canhestro, a constituição de Pinochet é a mãe de todas as desigualdades sociais que vêm flagelando o grande povo andino. O espírito que levou ao plebiscito, deve conservar-se na elaboração da nova Carta, que nascerá legitimada pela vontade popular. Será que o nosso continente começa a despertar?

Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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