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ToggleIsto não é um jogo de narrativas. Putin disse e reiterou: “Não vamos, não queremos invadir Ucrânia, porém, não se metam. Não aceitamos em hipótese alguma que a Ucrânia integre a Otan”. Kissinger já sabia disso e advertiu a Casa Branca em sua ânsia por ampliar a Otan em direção ao Leste. Biden se fez de surdo. Mandou tropas e armamentos à Ucrânia e mobilizou seus aliados para guerra. “A Ucrânia tem o direito de ingressar na Otan”, desafiou Biden.
O que se poderia esperar de Moscou? Avalie do ponto de vista de qualquer Estado soberano que desde 1946 se vê assediado e cercado por todos os lados por uma Otan hostil, declaradamente disposta a levar a hegemonia por todo o território asiático. Henry Kissinger – não se lhe pode negar experiência – em 2014, criticando a ofensiva desestabilizadora de EUA na Ucrânia, advertia, em artigo publicado no Washington Post, que a Ucrânia não poderia ser uma plataforma militar apontada à Rússia e recomendava que fosse uma ponte entre os dois blocos.
Sem outra alternativa, Moscou esclarece que o bombardeio às bases militares armadas pela Otan tem o objetivo de desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia.
Os fatos
Em Moscou, na última segunda-feira, 21 de fevereiro, reuniu-se o Conselho de Segurança da Federação Russa. Em seguida, o presidente Vladimir Putin, em mensagem à nação, de mais de uma hora, anunciou que reconhecia a soberania dos territórios autônomos de Donetsk e Lugansk e reiterou que não aceita a adesão da Ucrânia à Otan.
Foram oito anos de espera desse povo russo assediado militarmente pelo exército ucraniano e por bandas terroristas nazistas. Agora, tropas russas foram enviadas para garantir a paz e a tranquilidade desse povo.
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A segurança de um país não se pode fazer à custa da segurança de outro, advertiu o chefe de Estado russo ao fazer um histórico de como a Otan, violando todos os acordos, vem avançando em direção ao Leste, estendendo um cerco militar, primeiro à URSS e logo à Federação Russa. Denunciou também que a região de Donbass foi transformada em território ocupado por terroristas armados por países da Otan e Estados Unidos.
Esses que, na Ucrânia, defendem a aliança com a Otan, negam a própria história e até o idioma russo, alvo de ataques, proibido nas escolas. De fato, temos que admitir que o idioma russo e a própria Rússia nasceram na Ucrânia.
O atual governo ucraniano deriva de um golpe de Estado, perpetrado com apoio ianque e que se sustenta com grupos nazistas, os mesmos que se aliaram a Hitler durante a Segunda Guerra.
A Otan tentou se impor na Ucrânia promovendo uma guerra civil em 2011 que custou mais de 10 mil mortos. Em termos militares, como os Estados Unidos e seus aliados da Otan insistem em ocupar a Ucrânia e torná-la membro da Aliança Atlântica – o que significa ter bases e armas nucleares – Moscou tratou de estabelecer um Estado-Tampão, alargando um pouco a fronteira entre a Ucrânia e a Rússia.
Edição – Diálogos do Sul
Paz verdadeira depende unicamente de os EUA desistirem de expandir sua hegemonia para cima da Rússia
Ucrânia continua intacta
A Ucrânia continuava intacta e Moscou mantem embaixada em Kiev, como os demais países. Há, portanto, condições para prosseguir com entendimentos diplomáticos em busca de solução para o conflito. Porém, a paz verdadeira depende unicamente de os Estados Unidos desistirem de expandir sua hegemonia.
Não obstante, o que fizeram EUA e Otan? Mandaram armas, tropas, ampliaram a presença militar nos novos membros da Otan próximos da fronteira russa e declararam guerra midiática e econômica contra a Rússia.
Pequim acaba de fazer uma exortação para que os EUA se concentrem no desenvolvimento da cooperação em benefício mútuo, caso contrário, ambas as potências podem evoluir a uma confrontação total.
Como na narrativa ocidental a Rússia invadiu a Ucrânia, apesar das advertências para que não o fizesse, o premiê alemão foi o primeiro a se manifestar. Olaf Scholz, que ainda mal conseguiu esquentar a cadeira como premiê, mandou suspender a certificação do gasoduto Nord Stream 2. Típica atitude suicida. Com a Ucrânia convulsionada, Alemanha, e com ela Europa, correm o risco de ficar sem abastecimento de gás.
França também reagiu, através do ministro das Finanças, Bruno Le Maire, advertindo que serão aplicadas “sansões apropriadas”. Boris Johnson, premiê do Reino Unidos – outro lambe botas dos ianques – determinou sansões contra cinco bancos e três empresas russas. A Polônia reagiu convocando reunião da Organização para Segurança e Cooperação da Europa, o que deve ocorrer nas próximas horas.
Medidas inócuos. A Rússia já demonstrou estar infensa às represálias capitalistas. Já não precisa deles tanto quanto eles precisam da energia e outros insumos russos.
Não é a Terceira Guerra Mundial
Não é a Rússia que quer guerra. São os Estados Unidos e seus aliados da Otan que querem, por todos os meios, impedir o desenvolvimento da Rússia e, de um tempo para cá, também da China. Como não conseguem mais fazê-lo através de sanções econômicas e manobras desestabilizadoras, apelam pela guerra. É a estratégia do caos.
Estados Unidos, nos estertores de uma unipolaridade que julgava eternizada, trava uma guerra em todas as frentes, fundamentalmente na frente psicossocial, cultural, comunicacional e cibernética. É uma guerra mundial, envolvendo os mesmos protagonistas das duas guerras inter-imperialistas do século passado. Tudo é jogo de cena, confronto de narrativas. Mas é de âmbito global.
Não se trata de uma Terceira Guerra Mundial. É a mesma guerra, evoluída para o espaço cibernético. Guerra cultural, comunicacional, cibernética, como demonstramos aqui na Diálogos do Sul em matéria publicada em 2017. Não obstante, ainda não dispensam o armamento convencional.
Os fatos mostram tratar-se da mesma guerra, que não cessou com a Conferência de Ialta. Foi ali na Crimeia, território ucraniano, russo-soviético, que os “vencedores” decidiram o que fazer com os vencidos. Em fevereiro de 1945, Roosevelt, Churchill e Stalin declaram a Europa liberada e o fim da guerra.
A Alemanha se rendeu às tropas soviéticas no dia 8 de maio. Em julho/agosto, os vencedores se reuniram em Potsdam, na Alemanha, para decidir o que fazer e repartir as áreas de ocupação. Vale lembrar que os Estados Unidos entraram em combate estando essa guerra quase que por ser decidida pelas forças de libertação.
Aproveitando-se do caos provocado pela guerra, em uma Europa em frangalhos, os Estados Unidos ocuparam a parte ocidental da Europa, e de lá para cá, tão somente ampliaram sua presença militar e econômica e trataram, por todos os meios, de impedir o desenvolvimento dos países do Leste europeu, libertados pela União Soviética.
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Destruída pelos nazistas, a Rússia teve que dedicar todas suas forças na reconstrução do país. 20 milhões de mortos no que ficou na história como Guerra Mãe. Não há família que não tenha perdido filhos nessa guerra. Povos que sofreram os horrores desse conflito almejam mais do que tudo a paz.
Foi Churchill quem cunhou o termo ao estenderem uma Cortina de Ferro, literalmente uma cortina de bases militares, mais de 100, a cercar as Repúblicas Soviéticas. Armar-se e tornar-se potência militar foi para os soviéticos uma atitude de sobrevivência.
O mundo tornou-se bipolar. Uma mentira, pois ignorava a força dos países em desenvolvimento, organizados a lutar por uma nova ordem econômica mundial e os movimentos de libertação contra o colonialismo.
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O que foi a Guerra Fria? Uma guerra cultural e econômica de afirmação da hegemonia do novo imperialismo.
Com o fim da bipolaridade, decretaram o fim da História. Um absurdo que culminou com a imposição de um pensamento único a dominar o poder em todos os Estados sob a hegemonia dos Estados Unidos.
A debacle da URSS
O que tornou a unipolaridade possível foi a hegemonia do capital financeiro e a imposição do pensamento único. Em termos civilizatórios, para o mundo ocidental foi um desastre. Metade da população dos países centrais do capitalismo é hoje analfabeta funcional. A ignorância é vital para manter os povos dominados.
O complexo militar industrial, globalizado, necessita de guerra para sobreviver. Gente sem nenhum preparo para estar num governo ou num comando militar coloca em risco toda a humanidade.
Joe Biden precisa de muita ação, e muita enganação, claro. Caso contrário, perde a eleição para Trump no próximo ano. Para isso, criou o cenário de uma guerra na Ucrânia que pode transformar-se em guerra total.
Putin declara e reitera que não pretende invadir a Ucrânia. O mundo civilizado sabe que não tem condições para invadir. Mas, Biden insiste que a Rússia já marcou dia e hora para a invasão. Putin, que nunca disse que invadiria, foi sustado por Biden.
É a narrativa que vale. Diane Sare, candidata independente ao Senado dos EUA, adverte a população estadunidense – e serve para todo o mundo – para que não caiam nessa… pura propaganda. O perigo real está na ignorância e no possível comportamento intempestivo de funcionários públicos, muitos deles, segundo ela, usuários de drogas.
O pior é que a mídia estadunidense perdeu o senso crítico e a mídia ocidental, como a mídia brasileira, limitam-se a reproduzir as informações e opiniões da mídia ianque. Contudo, mesmo dentro desse contexto, admitiu que a situação de segurança da Otan foi praticamente imposta numa situação de extrema fragilidade russa. E mais, como disse Putin na mensagem, os Estados Unidos cancelam qualquer acordo, não respeitam o pactuado.
Biden não deixou por menos. Num rompante de hipocrisia, disse que não vamos sacrificar os princípios básicos: “Todas as nações têm direito à soberania e à integridade territorial”. Os países têm a liberdade de estabelecer seu próprio caminho e é correto que saibam com quem devem se associar. Nega historicamente esse direito à Cuba, Venezuela, Nicarágua, como negou sempre aos países que tentaram ser livres: Vietnã, Afeganistão, Iraque, Irã e, agora mesmo, Síria.
A ministra de Relações Exteriores do Reino Unido deu outro dia demonstração cabal da ignorância dessa nova classe de dirigentes formada sob a égide do pensamento único. Não sabe a geografia da Europa e afirma que não reconhece que as tropas russas estão soberanamente em território russo.
Pasmem: já circula na internet posts dizendo que Bolsonaro convenceu Putin e pôs fim à guerra na Ucrânia. É a narrativa que vale. Soldados ianques e ingleses, armas, deslocamento de barcos de guerra movimentam a indústria de guerra, fornecem manchetes para os jornais e deixa a população inquieta, com medo. O medo é fundamental para manter a dominação.
Manter a Rússia sob tensão é seguir a política iniciada por Obama (2009-17) e seguida por Trump (2017-21), e antes de Obama, pelo filho de Bush (2001-09), antecedido por Clinton (1994-2001) que sucedeu ao Bush pai (1989-1993) de tratar de impedir o desenvolvimento do país. Nada mudou em política externa e estratégia de expansão da hegemonia.
Mover tropas e bases da Otan em direção à fronteira russa é intencional. Os russos são obrigados a concentrar esforços em defesa, desviando a atenção de questões vitais como o combate à pobreza e o desenvolvimento integral.
São táticas useiras e vezeiras na execução da estratégia do caos.
Acabou a fase unipolar
É hora de França e Alemanha se libertarem. A Inglaterra não tem opção, é hoje um apêndice dos Estados Unidos a desafiar a Europa. Com França e Alemanha se libertando, os demais países caem como peças de um jogo de dominó. A libertação começa com libertar-se do pensamento único e mover a economia, devolvendo protagonismo à indústria.
Sete frotas navais, onze porta-aviões, cerca de 800 bases militares em 70 países, mais de 100 na Alemanha, outro tanto no Japão, umas 40 na Itália. Para que serve essa parafernália toda? Talvez seja interessante manter o emprego para os 1,3 milhão de soldados mobilizados, com 200 mil espalhados por 130 países.
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Mantêm inclusive algumas bases ilegais, como ocorre na Síria, onde praticam todo tipo de crime, que vai desde o roubo de cargas – trigo e petróleo – transportadas para outros países, à ocupação de poços de petróleo. Ao mesmo tempo em que prestava ajuda aos separatistas em Donbass, Moscou realizou manobras militares em torno da base ianque ilegal em território sírio.
O mundo mudou. A geopolítica do mundo é outra e impõe uma reavaliação dos paradigmas até agora norteando as relações internacionais. O que está a ocorrer aponta para um outro mundo, multipolar, em que se impõe a solução pacífica das controvérsias, cooperação para o desenvolvimento e estratégias comuns para salvar o planeta.
Frente à determinação da Otan de levar bases de mísseis nucleares à Ucrânia, como já fez em outros países, ou a qualquer outro país fronteiriço ou que ameace a segurança da Rússia, Putin advertiu. Nessa guerra não haverá vencedores. Assim de simples. Perdemos todos.
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Outra narrativa equivocada é dizer que a Rússia é a segunda potência nuclear e a China a segunda potência econômica. O poderio militar da Rússia já é maior que o dos EUA, e a China já é a maior potência econômica. É a maior fábrica do mundo e não tem um centavo de dívida. Ainda no campo militar, China e Rússia estão na frente tecnologicamente. A China já anunciou que em breve será também a maior potência espacial.
A união dessas duas potências tem uma força incomparável, indomável. Mas eles não querem se impor pela força.
Washington não se deu conta, ou fez ouvidos moucos dessa nova realidade.
O acordo estratégico firmado entre Putin e Xi Jinping, recentemente, na abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, aponta que realmente os Estados Unidos estão fora de foco e fadados a cada dia mais ao isolamento. Por quanto tempo poderá manter a Europa submissa? Pensa que poderá suprir as necessidades energéticas, de matéria-prima e de comida da Europa?
China e Rússia já tinham firmado acordo estratégico de caráter militar e também vários acordos de todo tipo no marco do projeto de novas rotas e infraestrutura. Entre os mais importantes, está o de abastecimento de gás e petróleo através de dutos. Em fevereiro, firmaram um Acordo Sem Limites na “salvaguarda de seus principais interesses”. É um “chega pra lá” nas intenções expansionistas da Otan.
E isso realmente muda a configuração geopolítica mundial e obriga o mundo a se adaptar a essa nova realidade. Uma realidade fundada na paz, no entendimento, na cooperação entre os povos. E isso sem descuidar de estar preparado para qualquer tentativa externa de desviar seus propósitos.
Respondendo a perguntas sobre como a visita de Bolsonaro à Rússia repercute nesses fatos, digo que é absolutamente irrelevante. É uma visita protocolar de Estado que já estava programada. O resto é propaganda. O que realmente regula as relações com os Estados Unidos, são: primeiro, a presença de um general de estado maior no Comando Sul dos EUA, e, segundo, os gestores da economia tratando de criar as condições para ingressar na OCDE. Significa Brasil Colônia – livre de qualquer obstáculo.
Paulo Cannabrava Filho é jornalista, editor da Diálogos do Sul.
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