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Um percurso pelas ideias de Karl Marx, esse gigante da história

Marx seguiu pelo caminho da crítica e criação conceitual e dedicou a vida a transformar o mundo com sua filosofia
João Baptista Pimentel Neto

Tradução:

O que é que a humanidade deve a ele? O que é que os trabalhadores devem a Karl Marx? Muito. Sem suas ideias, sem a pressão desencadeada por essas ideias, os trabalhadores não teriam direitos sociais, nem haveria a esperança de uma nova sociedade socialista, sem exploração do homem pelo homem.
Jorge Rendón Vásquez

Há duzentos anos, Karl Marx nasceu em Trier, uma pequena cidade da Alemanha, às margens do rio Mosel e perto do rio Rhin.

A casa em que veio ao mundo continua de pé tal como era antes. Está na Bucken Strasse, 10. Há em Trier outros locais históricos importantes, como a Porta Nigra, uma construção romana antiga, e alguns palácios, contudo, de longe, todos eles são menos importantes do que a casa da família Marx. Minha esposa e eu a visitamos em agosto de 2016.

A casa foi adquirida pelo Partido Social Democrata Alemão em 1928. Os nazistas a confiscaram e fizeram dela um de seus locais de trabalho. Em 1968, foi integrada ao patrimônio da Fundação Friedrich Ebert e convertida num museu no qual se pode ver a trajetória viva de Karl Marx e uma parte da história do movimento socialista instituído por ele.

Os pais de Karl Marx eram judeus, de famílias muito prósperas e intelectuais. O pai teve que se converter ao protestantismo para poder exercer a advocacia e ampliar as possibilidades a seus filhos, pois os Estados alemães dominados pela religião negavam cidadania aos judeus. Na França, Napoleão Bonaparte já os tinha reconhecido como cidadãos com plenitude de direito. Porém, o mesmo não ocorreu nos outros países europeus em que a cidadania só lhes foi conferida na segunda metade do século 19, com exceção da Rússia.

Aos 17 anos, Karl Marx foi enviado por seu pai à Universidade de Bonn para estudar direito, e de lá foi afastado e levado a Berlim para separá-lo dos amigos boêmios. Daí pra frente, Marx cursou Filosofia, embora não deixasse o Direito para contentar seu pai.

Na época, as ideias de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, morto em novembro de 1831, seguiam reinando na cátedra de filosofia da Universidade de Berlim. Hegel tinha descoberto a dialética como princípio motor das ideias e da história, e com isso a filosofia alcançou um nível muito elevado na Alemanha.

Apesar do texto difícil e complicado de suas obras, principalmente “Ciência da Lógica, Fenomenologia do Espírito e Elementos de Filosofia do Direito”, que os catedráticos repetiam com germânica disciplina autoritária, as ideias eram acompanhadas com devoção e respeito. Diante deles, qualificados como hegelianos de direita, um grupo de estudantes constituiu a tendência denominada hegelianos de esquerda. Um entre eles era Karl Marx.

Daí pra frente, Marx seguiu só pelo caminho da crítica e criação conceitual. Na Universidade de Iena, para onde teve que ir para escapar da animadversão dos catedráticos da Universidade de Berlim, fez doutorado em filosofia em 1841, com uma tese sobre Demócrito e Epicuro. Tinha 23 anos.

Em 1844, publicaram seu primeiro trabalho teórico com o título “Sobre a questão judaica”, uma resposta ao artigo de Bruno Bauer, um hegeliano de esquerda, publicado no ano anterior com o título “A questão judaica”, em que sustentava que os judeus deviam abandonar o judaísmo se quisessem emancipar-se politicamente, ou seja, obter cidadania alemã. Marx comentou: “A emancipação política do judeu, do cristão, do ser religioso em geral, é a emancipação do Estado diante do judaísmo, do cristianismo e em geral da religião.

O Estado, em sua forma própria e característica, enquanto Estado, se emancipa da religião emancipando-se da religião de Estado, ou seja, reconhecendo-se a si mesmo como Estado e não reconhecendo nenhuma religião”.

Marx seguiu pelo caminho da crítica e criação conceitual e dedicou a vida a transformar o mundo com sua filosofia

Pixabay

"É necessário ensinar o povo a espantar-se de si mesmo, para que adquira coragem", Karl Marx

Em 1844 publicou outro longo artigo sobre um tema conexo com a anterior a que titulou como “Para uma crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Introdução”. Com esse trabalho deu outro passo em direção à formatação de uma nova teoria. Começou afirmando: “O fundamento da crítica da religião é: o homem faz a religião, a religião não faz o homem. (…) A religião é o lamento da criatura oprimida, o sentimento de um mundo sem coração e o espírito de uma época privada de espírito. É o ópio do povo”. 

“Do que se trata é de não deixar nenhum momento de resignação ou de ilusão diante de si mesmos. (…) É necessário ensinar o povo a espantar-se de si mesmo, para que adquira coragem. (…) A luta contra o presente político alemão é a luta dos povos modernos contra seu passado”.

Para Marx, essa era uma tarefa da Filosofia. Por isso dizia: “a crítica da filosofia alemã do Estado e do Direito, filosofia que em Hegel alcançou sua versão mais consequente, rica e definitiva, é ambas as coisas: por um lado é análise crítica do Estado moderno junto com a realidade que este comporta; por outro lado, é também a negação decidida de todo o arquétipo anterior de consciência política e jurídica na Alemanha”. “É verdade que a arma da crítica não pode substituir a crítica pelas armas; a violência material só pode ser derrotada com violência material. Porém, também a teoria se converte em força material, quando se apodera das massas”.

Em seguida, o jovem Marx se perguntava: “Onde reside, portanto, a possibilidade positiva da emancipação alemã?” E respondia, finalizando: “Na Alemanha, não se pode liquidar com nenhum tipo de escravidão, sem acabar com todas as classes de escravidão. A sisuda  Alemanha não pode fazer a revolução sem que seja com o mesmo fundamento. A emancipação do alemão é a emancipação do homem. O cérebro dessa emancipação é a Filosofia, e seu coração é o proletariado.”

O passo seguinte em sua marcha em direção a uma nova concepção filosófica foi seu comentário às ideias de outro hegeliano de esquerda: Ludwig Feuerbach, que, embora materialista, não tinha um pensamento coerente com a dialética de Hegel. Sobre isso escreveu em 1845 suas onze teses, na última das quais asseverou: “Os filósofos não fizeram mais que interpretar de diversas formas o mundo, porém, do que se trata, é de transformar o mundo”. Marx, finalmente, tinha encontrado o destino de sua filosofia.

Daí pra frente, dedicaria sua vida a transformar o mundo com sua filosofia. Essa filosofia teve como fundamento a dialética que Hegel tinha descoberto no mundo das ideias como uma luta de termos contrários, um dos quais surgia do outro. Contrário a isso, Marx situou esse processo na realidade material, ou seja, na natureza e na sociedade que se reproduzem na consciência como ideias. Como ele disse no posfácio à segunda edição alemã de O Capital, em Hegel a dialética estava invertida; precisava colocá-la em pé.

Essa obra maior, cuja elaboração lhe exigiu 25 anos numa cadeira da biblioteca do British Museum de Londres, é uma análise dialética da economia que é a base material da sociedade capitalista, integrada basicamente por dois fenômenos contrários: a classe capitalista e a classe operária, em luta constante, cujo epílogo terá de ser desta sobre aquela, a partir da qual a sociedade capitalista será sucedida por uma sociedade socialista.

Karl Marx faleceu em 14 de março de 1883, em Londres, no cemitério de Highgate. Ao lado de sua tumba há uma escultura de seu busto com uns dois metros de altura, e embaixo, uma inscrição com a expressão que encerra o Manifesto Comunista: “Proletários de todo o mundo, uni-vos”.

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O que é que a humanidade deve a ele? O que é que os trabalhadores devem a Karl Marx? Muito.

Sem suas ideias, sem a pressão desencadeada por essas ideias, os trabalhadores não teriam direitos sociais, nem haveria a esperança de uma nova sociedade socialista, sem exploração do homem pelo homem. 

A sociedade socialista, que Lenin e seus camaradas criaram com a revolução de novembro de 1917 deixou de existir por suas contradições internas, que os burocratas do regime stalinista negaram, tratando de ocultar com essa atitude o processo dialética de sua sociedade.

Essa revolução suscitou a revolução alemã de novembro de 1918, que levou à Constituição de Weimar, a um pacto entre a Socialdemocracia e uma parte da burguesia alemã, em oposição à uma mudança revolucionária como a que ocorreu na Rússia, mas que deu ao mundo a perspectiva de uma evolução com democracia e direitos sociais, materializada depois da Segunda Guerra Mundial, como se vê hoje na sociedade contemporânea.

A evolução da sociedade capitalista não está ainda concluída, nem mais nem menos. Sua trajetória continuará sendo determinada pela luta de classes dentro dela, como o processo dialético que Marx vislumbrava e cujo desenlace, cedo ou tarde, haverá de chegar. Epílogo transitório que com certeza não será um retorno ao socialismo repressor da União Soviética e dos países com regime semelhante.

Não é possível, historicamente, lutar por um tipo de socialismo já extinto ou em fase de extinção. Um novo socialista está por construir-se a partir da evolução da sociedade capitalista contemporânea. E, como desejava e fez Marx, essa será uma tarefa da Filosofia.

Jorge Rendón Vásquez é colaborador da Diálogos do Sul (Paris, 5/5/2018)
Publicado originalmente com o título “Karl Marx, esse gigante da história”


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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João Baptista Pimentel Neto

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