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Feira Internacional do Livro na Guatemala: Acesso à Cultura e o fantasma de papel

O livro, símbolo do conhecimento e da informação está sendo atacado uma vez mais na Guatemala
Carolina Vásquez Araya

Tradução:

Depois de tantas evidências sobre os alcances da guerra contra a informação e contra o acesso à educação e à cultura, não surpreende que na Guatemala o grupo empresarial organizado tenha encontrado a maneira de entorpecer uma das atividades culturais mais importantes, atacando a Gremial de Editores e pretendendo apoderar-se dos direitos legais que lhe outorgam a propriedade da Feira Internacional do Livro na Guatemala. Deste modo se unem ao concerto orquestrado pelos poderes do Estado contra tudo quanto represente um espaço de liberdade cívica. 

Talvez os editores nunca tenham previsto que pertencer à Câmara de Indústria pusesse em perigo um de seus eventos mais emblemáticos. No entanto, as ações do setor empresarial aglutinado sob a sombra do Cacif já podiam anunciar até onde esse grupo é capaz de chegar para neutralizar toda ação tendente a fortalecer a educação e a cultura. Desse modo garante a continuidade de sua enorme influência em decisões de Estado e cria as condições ideais para submeter a cidadania a um regime de privações intelectuais e, portanto, analíticas, de acordo aos seus interesses.

O livro, símbolo do conhecimento e da informação está sendo atacado uma vez mais na Guatemala

Instagran / Divulgação
A Feira Internacional do Libro na Guatemala, Filgua, tem representado durante 18 anos um centro único de difusão da leitura

A Feira Internacional do Libro na Guatemala, Filgua, tem representado durante 18 anos um centro único de difusão da leitura em um país com baixos índices de escolaridade e fortes limitações para o desenvolvimento intelectual e cultural de sua população. Nesse cenário de encontro entre leitores e autores, entre editores e artistas, têm fluído um crescente interesse do público por estabelecer uma conexão mais íntima com os livros e o que eles oferecem. Por seus salões desfilam milhares de crianças e jovens cujo contato prévio com a literatura tem sido quase inexistente devido aos pobres níveis do sistema educativo, encontrando na Filgua um rico filão de entretenimento e aprendizagem. 

As intenções dos empresários interessados em tirar os direitos da organização da Filgua dos editores que a criaram não podem ser mais transparentes; reverter a influência do evento até anulá-lo completamente. Isto, porque ao setor empresarial organizado inquieta e estorva qualquer iniciativa educativa que escape ao seu controle.  Porque uma sociedade desinformada e muda é muito melhor que uma intelectualmente ativa e atenta às atividades econômicas e políticas de sua nação. Porque após tantos séculos silenciando-a não vão permitir que se expresse livremente. Porque lhes assusta o livro, esse temível fantasma de papel. 

Nós que tivemos algum nível de participação na Feira – como expositores, lançando livros ou simplesmente como compradores – compreendemos bem até que ponto a abertura do conhecimento às faixas mais jovens e menos privilegiadas da população pode incidir em uma cidadania muito mais consciente de seu papel. Esses salões cada vez mais cheios de visitantes refletem um interesse crescente pelo acesso à leitura e um evidente rechaço às limitações impostas por um sistema medieval e caduco de governo, cujas prioridades se afastam cada vez mais das do povo. 

As vozes de protesto por esta manobra ilegítima da Câmara de Indústria da Guatemala devem ser escutadas e acompanhadas por uma defesa ativa deste importante evento cultural. É quase risível que um setor historicamente oposto à educação e ao crescimento cultural de seu país pretenda se apossar dessa iniciativa justo quando ela está alcançando os melhores índices de sucesso, frequência de público e venda de livros. A Filgua é patrimônio cultural e deve continuar a ser. 

*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Cidade da Guatemala

** Revisão e edição: João Baptista Pimentel Neto


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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