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FAO aposta nas crianças e jovens como agentes da mudança da cultura do desperdício

Enquanto milhões de pessoas passam fome extrema, um terço dos alimentos para consumo humano produzidos no planeta são desperdiçados
Silvia Martínez
Prensa Latina

Tradução:

“Façam bem, economizem alimentos ” dá nome à coleção de cadernos dirigidos a ensinar crianças e jovens a evitar o desperdício de comida.

“Eles são os consumidores que poderiam definir o futuro do desperdício de alimentos amanhã” é o argumento da Organização das Nações Unidos para a Agricultura e Alimentação (FAO) e da Coalizão Internacional contra o Desperdício de Alimentos, promotoras dos textos.

Os materiais didáticos “são agora um bem público global”, que serão distribuídos gratuitamente com acesso livre pela internet, destacou na apresentação da série de manuais Kostas Stamoulis, diretor geral assistente do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Social da FAO.

Alcançar as metas na redução do desperdício de alimentos contribuirá significativamente para o cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, assinalou o diretor, ao mesmo tempo em que qualificou que é “pelo menos incorreto” jogar comida no lixo.

“Façam bem, economizem alimentos”, junto a outras iniciativas e a articulação de ações de organismos internacional, do setor privado e da sociedade em suas diferentes formas de organização, têm como bem comum diminuir as perdas de comida e contribuir para mudar a mentalidade do descarte.

Enquanto milhões de pessoas passam fome extrema, um terço dos alimentos para consumo humano produzidos no planeta são desperdiçados

Prefeitura de João Pessoa / PB
Creis da PMJP incentivam o protagonismo infantil e evitam desperdício de alimentos

Razões para somar vontades

Enquanto milhões de pessoas passam fome extrema, um terço dos alimentos para consumo humano produzidos no planeta, equivalente a 1.3 bilhões de toneladas, passam à categoria de desperdícios.

Dados do Programa Mundial de Alimentos (PMA) indicam que as taxas mais altas correspondem a frutas e hortaliças, raízes e tubérculos, entre 40 e 50 por cento da produção; cereais – 30 por cento; carnes, lácteos e produtos marinhos entre 20 e 35 por cento.

Na cadeia de danos, de bens produzidos e não utilizados devidamente, estão também as emissões descontroladas de gases de efeito estufa, as quais por sua vez repercutem no aquecimento global e na mudança climática.

Para José Graziano da Silva, diretor geral da FAO, é transcendental a mitigação das perdas e dos desperdícios de alimentos na redução das emissões de gases de efeito estufa.

“Deve ser uma de nossas maiores prioridades na hora de tratar os impactos da mudança climática”, indicou em referência ao desgaste inútil de recursos naturais como a terra e a água para produzir alimentos que afinal ninguém consome.

Em seu informe “O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo (SOFI 2018)”, a FAO adverte que pelo terceiro ano consecutivo aumentou a fome no mundo, que atinge quase 821 milhões de personas, uma de cada nove dos habitantes do planeta.

Um fenômeno que pode ser atribuído em essência aos estragos causados pelos conflitos e pela violência em muitas partes do mundo, a variação do clima e a exposição a eventos climáticos extremos, entre outros fatores.

Esse incremento dos subalimentados no planeta nos últimos anos constitui “uma advertência importante de que não vamos por bom caminho para erradicar a fome daqui até 2030”, advertiu.

A FAO alerta reiteradamente que no mundo são produzidos alimentos suficientes para dar de comer a todos, mais muitos se perdem na cadeia de fornecimento, desde a produção até o consumo final nos lares.

O organismo internacional sublinha que reduzir a perdas e o desperdício de alimentos é crucial para garantir sistemas alimentares mais produtivos, com uma maior resiliência e um baixo nível de emissões, da mesma forma que impulsionar ações climáticas no setor agrícola.

Onde e por que ocorre o desperdício

Os alimentos se dilapidam em toda a cadeia de produção, distribuição, processamento e consumo, com incidência tanto em países subdesenvolvidos como nas nações industrializadas, durante processos e causas diferentes, mas também comuns.

No primeiros o desperdício acontece basicamente nas etapas iniciais e na fase intermediária da cadeia de fornecimento, marcado tanto por ausência de tecnologia e de conhecimentos, como pelos castigos constantes da mudança climática.

Enquanto isso, nas nações ricas ou de renda elevada, a dilapidação transcorre na última etapa do processo e inclusive em momentos quando os alimentos ainda são adequados para o consumo humano.

Em caso e no outro, igualmente, sucede com certa frequência que o cultivadores e intermediários se abstêm de distribuir a colheita para assegurar preços altos e até para cobrir pelo menos os custos de produção e transporte.

Distribuidores atacadistas e transportadores manejam também com regularidade, à sua vontade, o fluxo de oferta e demanda, que negociam frequentemente com os varejistas.

Isso acontece também quando o local da colheita ou da produção está muito distante do mercado, o que encarece notavelmente as mercadorias e é mais difícil para as pessoas de baixa renda aceder a elas.

Nesse sentido o incremento do papel dos sistemas alimentares locais para encurtar a cadeia de fornecimentos e venda, o chamado Zero Quilômetro, avança em muitos países como uma solução aplicável, de acordo com a disponibilidade de recursos em cada local.

Zero Quilômetro, além de propiciar a venda direta e um contato mais próximo com os consumidores, evita o desperdício, os alimentos são consumidos frescos e, portanto, mais saudáveis; elimina o intermediário, barateia os custos e favorece ganhos mais justos aos produtores diretos.

No âmbito dos lares, os desperdícios se originam também, entre outras razões, pela falta de planejamento no momento de fazer as compras; pelo conhecido “consumir antes de” em referência à data de vencimento, além da atitude de determinadas pessoas que podem dar-se ao luxo de jogar comida no lixo.

Da educação até a sanção

Muitas são as propostas para favorecer um uso mais racional dos alimentos, desde a educação nos diferentes níveis de ensino, até a adoção de medidas contra aqueles que lucram com as perdas, pelo desabastecimento ou o açambarcamento como maneiras de manejar o mercado à sua conveniência.

Na Convenção das Nações Unidos sobre a Mudança Climática (COP 23), a FAO apresentou o estudo Economizar alimentos para melhorar o clima, que aborda a inter relação entre a perda e o desperdício de comida e a mudança climática.

Esse documento aponta os princípios essenciais para reduzir-reutilizar-reciclar, e como principal variável fazer com que a comida fique na própria cadeia alimenta, seja através de doações e inclusive de novos mercados quando for possível.

No caso de os alimentos não cumprirem os requisitos para uso humano, podem ser destinados ao âmbito animal, inclusive reciclados através da compostagem, para devolver ao solo os nutrientes ou recuperar energia, como o biogás a partir de anaeróbios.

Reciclagem ou recuperação são preferíveis à incineração de alimentos não consumidos, enquanto que o descarte é classificado como o último recurso, assinala o texto.

A campanha educativa da FAO para crianças e jovens com a publicação de folhetos educativos e a promoção de seu uso em escolas e outras instituições de ensino, busca desenvolver nas futuras gerações uma cultura de consumo responsável e racional.

No plano imediato as crianças devem aprender desde cedo que desperdiçar comida é negar o alimento a outras pessoas necessitadas, assim como reciclar, aproveitar e compartilhar é contribuir para a sustentabilidade.

*Prensa Latina de Roma, Itália, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Silvia Martínez

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