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Há 48 anos, Revolução dos Cravos se opunha a guerra, violência e fome em Portugal

Depois de quase meio século de ditadura, Portugal acordou em 25 de abril de 1974 com uma revolução iniciada depois das primeiras notas de uma canção
Glenda Arcia
Prensa Latina
Havana

Tradução:

* Atualizado em 25/04/2022 às 16h05.

“Terra de fraternidade / o povo é quem mais ordena dentro de você / oh cidade” foram os versos ouvidos na madrugada desse dia e os detonadores de um levante sem precedentes, organizado por oficiais descontentes e respaldados por milhares de cidadãos cansados do silêncio, das torturas e da exploração.

Tendo a canção “Grândola, Vila Morena” -de autoria de José Afonso- como hino, a rebelião não só pôs fim ao regime do ditador Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970) e seu sucessor Marcelo Caetano (1906-1980), mas também restaurou a democracia no país e resultou ainda na descolonização de Angola, Guiné Bissau e Moçambique.

Ocorrida há 48 anos, a Revolução dos Cravos devolveu a Portugal e ao mundo a fé em um futuro mais justo e na possibilidade de derrotar, mediante a mobilização popular, governos e defensores de posturas fascistas.

Apesar de ter à Espanha de Francisco Franco como vizinha, os portugueses saíram às ruas pacificamente para acabar de uma vez por todas com uma ditadura fascista e insustentável 

Inicialmente planejado como um levante militar ou golpe de Estado, os acontecimentos de 25 de abril, transformaram-se em uma mobilização cidadã que causou grandes repercussões na história e no futuro de Portugal.

Depois de quase meio século de ditadura, Portugal acordou em 25 de abril de 1974 com uma revolução iniciada depois das primeiras notas de uma canção

Prensa Latina
Ocorrida há 48 anos, a Revolução dos Cravos devolveu a Portugal e ao mundo a fé em um futuro mais justo

Em 1974, Portugal encontrava-se à beira de um abismo devido às políticas defendidas durante o período denominado como Estado Novo, por Salazar, que em 1926 tinha sido nomeado titular das Finanças e desde 1932 era o premiê.

Seu longo período à frente do país caracterizou-se pelo autoritarismo, a repressão e assassinato dos opositores ao seu governo, a proibição do sindicalismo, da militância em partidos de oposição e graves restrições às liberdades fundamentais.

Para isso se apoiou na Polícia Internacional e de Defesa do Estado, encarregada de reprimir qualquer protesto ou tentativa de sublevação.

Desde sua chegada ao poder, Salazar defendeu um regime totalitarista, que mantinha vínculos com a Alemanha nazista e o franquismo espanhol, ao mesmo tempo que também flertava com os Estados Unidos e seus aliados, tendo inclusive ingressado na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1949.

Apesar da rejeição da população portuguesa e da comunidade internacional, fazia questão de manter o colonialismo português e optando pela guerra como via para exterminar movimentos independentistas em países como Guiné Bissau, Angola e Moçambique.

Incapacitado por problemas de saúde, Salazar foi substituído em 1968 por Marcelo Caetano, que deu continuidade às políticas do Estado Novo.

Depois de 48 anos de ditadura, em Portugal predominava a desigualdade social, a pobreza e o descontentamento pelas guerras travadas no continente africano.

De acordo com o pesquisador Miguel Ángel Pérez, além das carências econômicas e das violações aos direitos, a população estava descontente pela implementação de um serviço militar obrigatório por quatro anos, incluídos dois nas colônias. Uma medida imposta a todos os jovens portugueses, independentemente de sua origem social.

Milhares de jovens morreram ou sofreram graves consequências resultantes da insistência do Governo português de manter seu controle sobre outras nações.

Os militares lusos começaram a mostrar sua inconformidade com a situação existente e tomaram consciência de que era necessária uma solução política que fizesse cair à ditadura, explica Pérez.

Nesse contexto, em 25 de abril de 1974, oficiais portugueses agrupados no Movimento das Forças Armadas decidiram pôr fim ao regime iniciado por Salazar e continuado por Caetano, e tomaram as principais ruas e instituições do país.

Apesar da petição realizada aos cidadãos de permanecer em seus lares, milhares deles respaldaram a sublevação militar e o golpe se converteu em Revolução.

Durante as ações desse dia, a jovem Celeste Caeiro presenteou uns tulipas que levavam vários oficiais, que os colocaram em seus fuzis.

O gesto foi repetido por outras pessoas e converteu-se em símbolo das intenções de paz da mobilização.

Seis dias depois, ao redor de quatro milhões de portugueses celebraram no Dia Internacional dos Trabalhadores, livres da ditadura que os oprimiu por tanto tempo.

Os militares, junto aos cidadãos, não só conseguiram a queda do regime e a rendição de Caetano, mas deram o passo para um período de importantes reformas sociais em áreas como a saúde, a educação, a segurança social, os direitos e a igualdade de gênero.

Não obstante, a falta de um programa bem definido e de uma liderança verdadeiramente revolucionária, as divisões e as crises geradas por forças de direita, entre outros elementos, implicaram em uma grande instabilidade que se refletiu na existência de seis governos provisórios em dois anos, a perda do poder popular sobre os bens do país e a volta da burguesia ao poder.

Apesar da sua curta duração, o movimento iniciado em 25 de abril representa, em palavras do político e lutador José Vitoriano (1918-2006), “a conquista da liberdade e a democracia pelo povo de Portugal e reafirma sua vontade inquebrantável de defender esses princípios”.

O ocorrido em abril de 1974 “é uma lição de patriotismo, um exemplo de amor e uma mostra de que os ideais progressistas saberão sempre encontrar forças e homens capazes de as pôr em prática”, assinalou Vitoriano quatro anos após esses acontecimentos.

A Revolução dos Cravos opôs-se à opressão, à violação dos direitos fundamentais, a guerra, o colonialismo, a violência e a fome. Refletiu a negativa dos cidadãos a sacrificar os interesses nacionais e a vida dos jovens somente para satisfazer as aspirações de potências estrangeiras e minorias privilegiadas, sentenciou.

Por sua vez, o dirigente do PCP Jerônimo de Sousa assegurou que o espírito e os valores defendidos naquele tempo continuam vivos nos corações lusos.

Para a deputada comunista Diana Ferreira, os acontecimentos de abril trouxeram liberdade e esperança a Portugal e demonstraram que a luta do povo é imprescindível para uma verdadeira transformação social.

Em sua opinião, a melhor maneira de comemorar essa festa, 48 anos depois, é não esquecer jamais os tenebrosos 48 anos da ditadura fascista que semeou pobreza, fome, miséria, analfabetismo e doença; impôs o trabalho infantil e submeteu às mulheres; instaurou a corrupção política do Estado, censurou, oprimiu e criou o campo de concentração de Tarrafal.

Apesar da passar dos anos, a Revolução dos Cravos continua sendo um exemplo para quem consideram que um país não pode viver amordaçado, nem seu povo oprimido.

Como em 1974, os versos “em cada canto um amigo/ em cada rosto igualdade” retumbam hoje nas ruas portuguesas e recordam o que podem chegar a conseguir os povos quando lutam.


*Jornalista da redação Europa de Prensa Latina.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Glenda Arcia

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