O documentário Driblando a Democracia, que em inglês possui o também interessante título Fake America Great Again, do diretor Thomas Huchon, mostra o escandaloso acesso não autorizado aos dados da população na internet e redes sociais e como se dá o processo de manipulação dessas informações para agirem de acordo com a fonte pagadora, seja ela candidato político, governo, empresa ou entidade que busca manipular a democracia.
O documentário demonstra as manipulações por meio da campanha presidencial de Donald Trump e também dá nome aos principais articuladores desta estratégia. O mais atuante também é conhecido no Brasil, pois trabalhou na campanha de Bolsonaro. Trata-se do estadunidense Steve Bannon, um ex-produtor de filmes, executivo de mídia e operador financeiro que foi diretor-executivo da campanha de Trump e estrategista chefe da Casa Branca no início de sua gestão, até ser demitido.
Expoente de ideias ultraconservadoras, Bannon é admirador da cineasta nazista Leni Riefenstahl e declarou que seu livro de cabeceira é o romance racista “Le Camp des Saints”, do escritor Jean Raspail. Bannon responde a processos nos Estados Unidos por financiamento ilegal e contribuições ocultas à Campanha de Trump. Sua atuação foi ocultada financeiramente, numa estratégia similar aos ataques promovidos via Whatsapp e bancados por apoiadores da campanha de Bolsonaro.
Outro personagem, este financeiramente mais importante, é o bilionário estadunidense Robert Mercer, presidente do fundo de investimentos Renaissence Technology, e que apresentou Bannon a Trump. Mercer patrocina várias instituições e ativistas radicais de direita, inclusive alguns ligados à ideia de supremacia branca. Ele era também o homem por trás da empresa Cambridge Analytica, que faliu após a divulgação de sua atuação ilegal no Brexit e na campanha de Trump.
Ilustrações: tt Catalão
Redes ou rédeas sociais? Será que a democracia resistirá ao ataque financiado pela ditadura do capital financeiro?
A metodologia deste processo é detalhada no documentário, e consiste na aplicação de regras, cruzamentos de dados e procedimentos lógicos computacionais (algoritmos) em gigantescas bases de dados sobre a população, que conseguem traçar perfis sobre cada indivíduo, para melhor compreendê-los e manipulá-los, motivando-os a agir no sentido do interesse do contratante.
As bases de dados partem de informações como dados de identificação, endereço, situação financeira, religião, preferência política, etc, e ganham caráter complexo a partir da aplicação dos algoritmos. As empresas de análise estratégica compram estes dados de bancos, empresas de previdência, de crédito e diversas outras nas quais a população registre seus dados, além das empresas digitais, como Facebook, Twitter, Google… Algumas dessas compras são até legais, mas certamente não éticas.
Tais dados também são enriquecidos com respostas aparentemente ingênuas dos usuários a jogos e testes virtuais como “Qual super-herói você é?”, “que filme você é”, “qual personagem do Mágico de Oz você é”, “descubra com qual personalidade pública você se parece”. Há uma sofisticada psicometria por trás destas questões às quais milhões de pessoas respondem diariamente e dão acesso ao seu perfil de rede social.
A partir daí, a Bigdata de cada um de nós é enriquecida com mais perfis psicológicos, como personalidade, motivações, nível de inteligência, sensibilidades, neuroses. Especialistas esclarecem no documentário que, por meio destas análises psicológicas, o sistema consegue conhecer você melhor do que seus amigos e familiares. Ou, quem sabe, do que você mesmo, já que procuram captar o que motiva os comportamentos humanos.
Segundo o documentário, muitas opiniões e ações são moldadas com propagandas na hora e locais certos, muitas vezes com base em fake news, para pessoas com perfis mais influenciáveis. No caso da campanha de Trump, o alvo preferencial foram as pessoas de características mais neuróticas e inquietas, e portanto mais suscetíveis a sensibilizar-se com a carga de ansiedade das mensagens.
Estes métodos psicométricos estão sendo cada vez mais utilizados. Até agora foi reconhecido seu uso nas eleições dos EUA, Brexit, Nigéria, Afganistão, Gana e Ilha São Vicente, no Caribe. Nesta última, por exemplo, houve a estimulação de jovens propensos para que pichassem a cidade porque um candidato possuía uma conhecida proposta contra isto. Ele foi eleito.
O brasileiro, que se caracteriza por ser uma das populações com maior número e atividades em redes sociais e navegação na internet do mundo, não escapa de tais manipulações, ainda que não preste tanta atenção nisso. Recentemente, segundo o jornal The Intercept Brasil, a “Milícia digital bolsonarista resgatou sua máquina de fake news para atacar universitários” em consequência da má repercussão dos cortes na educação divulgados pelo novo governo.
O documentário, que parece ter sucesso em demonstrar o uso da tecnologia para manipular a política e burlar a democracia, com base em mentiras muito bem planejadas e direcionadas, mostra indiretamente muito mais: o quanto cada clique de um usuário pode ser utilizado contra ele. Para quem desejar assisti-lo, está disponível gratuitamente na plataforma Vimeo.