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Distopia, ficção e documentário: Cinco filmes e séries para entender o Brasil nos dias atuais

Nessa lista todos os filmes e séries são deste ano e fáceis de encontrar – quase todas estão na Netflix ou outros sites de streaming
Tatiana Lima
Saiba Mais
São Paulo (SP)

Tradução:

O Brasil de 2019 vive um roteiro assustador, surpreendente, por vezes até hilário e cada vez mais imprevisível. Mas alguns documentários ajudam a explicá-lo. E algumas distopias da ficção ou roteiros de época parecem mostrar de onde viemos e aonde chegaremos.

Nessa lista todos os filmes e séries são deste ano (ou com temporadas sendo transmitidas agora) e fáceis de encontrar – quase todas estão na Netflix ou outros sites de streaming.

Aproveite o final de semana e se esbalde nessas indicações:

Nessa lista todos os filmes e séries são deste ano e fáceis de encontrar – quase todas estão na Netflix ou outros sites de streaming

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As ruas falam

Coisa Mais Linda

A produção original da Netflix se passa no Brasil de 1959, quando uma jovem mãe da elite paulistana se muda para o Rio para viver com o marido e… Descobre que foi abandonada por ele. Sorte a dela que o imóvel que seria de um restaurante a ser administrado pelos dois estava em seu nome. A partir da daí, Maria Luíza vai ter que batalhar muito para ser independente, criar o filho sozinha e ter um negócio próprio.

Coisa Mais Linda tem uma trama novelesca, com furos no roteiro, mas vale muito a pena pelo enfoque da realidade de quatro mulheres na virada dos anos 1950 para a década seguinte. Tem a negra empregada doméstica que não sabe ler, a dondoca que apanha do marido, a jornalista à frente do seu tempo e a patricinha que resolve montar um bar. Elas são mulheres que vemos todos os dias, condensadas em quatro personagens, vivendo o Rio da Bossa Nova. Os homens também encarnam figuras que vemos todos os dias por aí e notar como pouco se evoluiu em termos de preconceitos sociais e raciais em 60 anos é impactante.

Bandidos na TV

Outra produção original Netflix, Bandidos na TV conta a trajetória de Wallace Souza, jornalista de um programa policial de TV em Manaus, que teve uma carreira meteórica na política – foi o deputado estadual mais votado da história do Amazonas – até se descobrir que seu programa forjava assassinatos para que fosse o primeiro a chegar nas cenas dos crimes e se tornar campeão de audiência.

Bandidos na TV retrata uma Manaus que poderia ser Natal, Campo Grande ou São Paulo. Com suas periferias dominadas pelo tráfico e seus políticos querendo lucrar com o combate ao crime utilizando o crime como meio. É chocante por parecer ficção e ser real. E ainda revela o quanto não há bem contra o mal no combate à criminalidade urbana: há interesses escusos na polícia, no judiciário, na política.

Democracia em Vertigem

O documentário de Petra Costa é apresentado como o retrato de um dos períodos mais dramáticos da história do Brasil pela Netflix, plataforma que o lançou.  A diretora brasileira aborda, neste documentário, o trecho da história do país que começa na redemocratização e vai até depois do falso processo de impeachment que retirou a presidente Dilma Rousseff do poder.

Seu foco, nesse recorte, é a evolução da democracia brasileira, e o tom que ela utiliza confere ao seu relato concretude e identificação. A diretora não só demarca, como fazia Eduardo Coutinho, o lugar do entrevistador e contador da história. Ela é personagem, e faz questão de mostrar de onde fala. É um documentário didático e obrigatório para quem deseja entender melhor nossa evolução política. E o que se critica nele, o tom particular, é a sua fortaleza. Ver e ouvir essa história contada por uma mulher também é uma afronta, na nossa frágil democracia.

Privacidade Hackeada

O documentário sobre a empresa Cambridge Analytica, que em 2018 foi alvo de uma investigação jornalística do The Guardian e do New York Times que revelou que dados pessoais de até 50 milhões de norte americanos tinham sido obtidos irregularmente do Facebook e utilizados de modo indevido para fins eleitorais, conta os métodos da empresa e como ela desmoronou após o escândalo.

A Cambridge utilizava dados do Facebook para mapear perfis, promover conteúdo para essas pessoas e gerar, com isso, campanhas e movimentos manipulados. Seus serviços foram vendidos para governos e partidos políticos, influenciaram eleições como a dos Estados Unidos e o plebiscito do Brexit, e há indícios de que seus métodos tenham sido utilizados nas eleições brasileiras em 2018. Depois de assistir a esse documentário, dificilmente você acreditará em um evento do Facebook convocando protestos na sua cidade.

O Conto da Aia

Chegamos ao final da lista com o retrato mais assustador do que pode se tornar uma democracia, quando sequestrada por fundamentalistas religiosos. A primeira temporada de O Conto da Aia, inspirada no livro de Margaret Atwood, foi lançada em 2017 pelo canal de streaming pago Hulu. Em sua terceira temporada, a série se aprofunda nas relações exteriores entre Gilead e outros países, conta mais sobre como foram os anos preparatórios para a chegada ao poder da teocracia, mostra como vivem seus poderosos dirigentes em Washington e muito lentamente desenvolve o arco da revolução sonhada pelas aias.

O Conto da Aia, o livro, foi escrito com inspiração no Puritanismo e no fundamentalismo religioso, que viola direitos civis em muitos países. Pode-se pensar no islamismo, mas as questões que a série propõe tangem mais vezes a política, e menos a religião. Escrevi mais detidamente sobre a série em outro texto que pode ser acessado aqui. Mas cabe dizer, em 2019, que assisti-la no Brasil de Bolsonaro é um chamado à ação: a ficção está muito perto de se tornar realidade por aqui.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Tatiana Lima

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