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Os ecos da Batalha de Seattle na resistência e rebelião anti-neoliberal na América do Sul

Milhares de pessoas, em uma ação coordenada, ocuparam cruzamentos das ruas com uma arma secreta muito poderosa: música, dança e humor
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Há 20 anos explodiu um carnaval de resistência, batizado depois como a Batalha de Seattle, que foi a maior ação popular já realizada contra a agenda neoliberal do primeiro mundo. Seus ecos continuam ressoando neste país.

Cinco mil delegados de 135 países chegaram a Seattle para a reunião ministerial da Organização Mundial de Comercio (OMC), encarregada de codificar e promover, junto com o FMI/Banco Mundial e os foros empresariais, a nova ordem econômica neoliberal. O presidente Bill Clinton foi o anfitrião (vale recordar que a agenda neoliberal é parte de um consenso bipartidário- com alguns dissidentes notáveis).

Nessa manhã de 30 de novembro de 1999, estava tudo pronto para a grande inauguração, mas ninguém chegou.

Milhares de jovens, sindicalistas, ambientalistas, veteranos de guerra, acadêmicos, anarquistas de todo tipo (incluindo una nova geração de Wobblies – Trabalhadores Industriais do Mundo) e até alguns palhaços haviam ocupado em uma surpreendente ação coordenada todos os cruzamentos das ruas que levavam ao centro de convenções, com uma arma secreta muito poderosa: música, dança e humor.

Milhares de pessoas, em uma ação coordenada, ocuparam cruzamentos das ruas com uma arma secreta muito poderosa: música, dança e humor

Wikipedia
Há 20 anos explodiu um carnaval de resistência, batizado depois como a Batalha de Seattle.

Cada agrupamento de ação do movimento descentralizado havia determinado que musica desejava no cruzamento que lhe correspondia – em um estavam os Rolling Stones, em outro Bob Marley, em outro mais heavy metal ou punk e assim. A dança não parava enquanto brigadas de jovens faziam cordões humanos para não permitir a passagem.

Um mimo caminhava atrás de um delegado muito elegante imitando seu cada passo e gesto à perfeição até que o funcionário enlouqueceu e ameaçou com violência. Aparentemente o poder não tem grande sentido de humor.

Desde uma grua estratosférica de construção, revelou-se uma enorme faixa que simplesmente dizia com um flecha “livre comercio” e com outra flecha em direção oposta “democracia”.

Pouco depois, centenas, talvez milhares, de agremiados se desviaram de uma mega marcha oficial de seus sindicatos nacionais para “apoiar os jovens”. O lendário sindicato de estivadores da costa oeste (ILWU) já havia congelado operações em todos os principais portos da costa oeste em solidariedade com o grande protesto que estava explodindo em Seattle.

Como nos comentou um dos estrategistas dessa mobilização, “isto foi um caos muito organizado”. 

Os representantes das cúpulas do mundo tremeram e o evento inaugural da OMC foi cancelado – os gerentes da ordem mundial foram ordenados a esconder-se em seus hotéis, incluindo o anfitrião. O prefeito declarou um “estado de emergência” ao ordenar a repressão com gases lacrimogênios e centenas de detenções, e só com isso a OMC conseguiu fazer suas sessões, embora a notícia mundial já fosse a rua e não o que acontecia lá dentro.

O festejo de resistência —  com mais de 50 mil participantes- continuou durante mais cinco dias com dança, títeres enormes e novas alianças entre setores sociais inaugurando assim o grande movimento altermundista que continuou expressando-se onde intentavam se reunir os gerentes neoliberais — em reuniões do FMI/Banco Mundial em Washington, nas cúpulas em Praga, Gênova e Quebec.  

Em cada lugar sempre se recordava de onde havia chegado a rebelião altermundista.  “Por fim escutamos a mensagem dos povos do sul” repetiam organizadores estadunidenses e europeus e frequentemente assinalavam que este movimento nasceu no México, com o levantamento dos zapatistas.

Uma vítima dos atentados do 11 de Setembro, este movimento foi silenciado no primeiro mundo (outra história estava ocorrendo na América do Sul) mas reapareceu nas ruas e praças com os Indignados na Europa, Ocupa Wall Street neste país, e hoje está presente na pugna eleitoral sob a bandeira de Bernie Sanders, entre outros.

Agora, enquanto analistas e alguns médios registram e tentam explicar as ondas de protesto em diversos países do mundo, escutam-se os ecos da já longa rebelião anti-neoliberal no sul como também no norte. A 20 anos de Seattle, a nostalgia não é por algo no passado, mas sim algo vivo e presente.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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