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Memórias Sombrias: A imprensa que resistiu à ditadura e a que lucrou com o golpe de 1964

Mídia ética, livre e independente não sobreviveu à ditadura militar. Os que aderiram se enriqueceram no pasto do regime, como foi o caso da Rede Globo
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Os jornalões das oligarquias, de maneira geral, eram complacentes com o trabalhismo e, na década de 1960, com o governo de João Goulart. 

A exceção era o “A Tribuna da Imprensa”, do udenista e golpista Carlos Lacerda, um ressentido. Há que cuidar-se dos ressentidos. Furibundo opositor do trabalhismo, fez o impossível para derrubar Getúlio, quis impedir a posse de Juscelino Kubitschek e conspirou o tempo todo contra Goulart.

O jornal Última Hora, de Samuel Wainer, era editado, com o mesmo título, em Recife, Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Santos, Bauru, Campinas, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre. Era um jornal perfilado ao desenvolvimentismo trabalhista e em defesa dos interesses da classe operária. Dava ampla cobertura ao movimento sindical, por isso tinha uma edição nas cidades paulistas de Santos, no litoral, onde era forte o movimento de portuários, estivadores e metalúrgicos e em Bauru, no interior, onde havia um importante entroncamento ferroviário.

Esse jornal desapareceu no dia 1º de abril de 1964. Seu título foi adquirido pelo grupo Folha, família Frias de Oliveira e já não era a mesma coisa.

O Correio da Manhã era editado no Rio de Janeiro. Foi fundado por Edmundo Bittencourt e, com sua morte, a viúva, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, assumiu a direção. Liberal no sentido estrito da palavra, cobriu, por exemplo, a greve geral de 1917, na contramão de todos os jornais oligárquicos.  Foi, sem dúvida, o jornal de maior peso político. Um editorial seu bastava para derrubar um ministro.

Mídia ética, livre e independente não sobreviveu à ditadura militar. Os que aderiram se enriqueceram no pasto do regime, como foi o caso da Rede Globo

Memorial da Resistência
A ditadura civil-militar instaurou a censura, a perseguição, a prisão, a tortura e a morte de jornalistas

Correio da Manhã

No governo de Goulart, o Brasil estava empolgado com as reformas de Base. O Correio da Manhã e a Folha de S. Paulo, pouco depois de ter sido adquirida pela dupla Carlos Caldeira Filho e Octávio Frias de Oliveira (1962), se juntaram e organizaram o 1º Congresso Brasileiro pelas Reformas de Base. 

Para discutir cada tema, como, por exemplo, Reforma Agrária, estavam professores das melhores universidades, empresários relacionados com a agroindústria, sindicalistas e agentes do Ministério da Agricultura com o projeto proposto pelo governo.

Assim foram discutidas as reformas Tributária, Bancária, Urbana, Agrária, Industrial, de Indústria de Base, Infraestrutura. Gente inteligente discutindo o que seria melhor para o Brasil. 

Eu ainda não descobri porque, nos últimos dias do governo Goulart o Correio da Manhã passou a fazer uma ferrenha oposição. Editorial de capa titulado Basta, nos estertores de março, ajudou a parte da opinião pública apoiar o golpe.

Transcorridos aproximadamente três meses do golpe, a direção e os trabalhadores do Correio da Manhã se reuniram para um mea culpa e colocaram todo seu potencial para criticar os erros de um governo inepto e servil, como foi o do general Castelo Branco. 

O general Vernon Walker, adido militar na embaixada ianque, parecia ser um auxiliar do presidente, tamanha a frequência com que era visto no gabinete.

Encurtando a história. O Council of America do Rio de Janeiro, que reúne as grandes empresas com sede nos EUA ou que tenham participação, ou interesse, deu ordem para as agências de publicidade para boicotarem o jornal. Nenhum anúncio deveria ser feito no Correio da Manhã

Niomar, ainda tentou dar fôlego ao jornal, despedindo amigavelmente o time que fazia a parte política. Um grupo de empreiteiros apoiou por um tempo, mas já não era o mesmo jornal, definhou e morreu.

Rádio Marconi

No vazio do Última Hora surgiu, em São Paulo, a Rádio Marconi, com programação diversificada com ênfase em jornalismo, cobrindo política e movimento sindical. 

A rádio foi tirada do ar umas cinco vezes, o proprietário, Dorival de Abreu, era preso, mas ainda havia juízes decentes que davam habeas corpus e então o preso era solto. Mas a situação piorou, a questão foi para a justiça militar e a oposição passou a ser considerada crime contra a segurança nacional. O jornalismo da Rádio Marconi fez história e foi calado irremediavelmente pela ditadura.

A Nação

Outra história que vale a pena ser contada é a de Wallace Simonsen, comerciante de café, dono de indústrias e incorporadoras e da Panair do Brasil, empresa de aviação comercial, a única no Brasil que fazia voos nacionais e internacionais. 

Simonsen resolveu entrar no ramo da comunicação e lançou, em São Paulo, o jornal A Nação e o Canal 9 e, no Rio de Janeiro, o Canal 2.

 Foi o Canal 9 quem fez os primeiros festivais de música popular brasileira e também onde foram inventados o jornalismo na TV e as novelas como se conhecem hoje, com os melhores atores e atrizes do país.

Por ser um desenvolvimentista e apoiar o trabalhismo, colheu o ódio dos militares e dos Estados Unidos, que não admitem que alguém “inferior” concorra com eles no mercado internacional. A Panair era melhor que a Pannan, a maior deles.

Os militares cassaram as licenças de Simonsen e a Varig surgiu em cima do espólio da Panair.  

Globo

O resumo de toda essa história, que seria muito longa, é que a imprensa ética, livre e independente não sobreviveu à ditadura. Os que aderiram se enriqueceram no pasto do regime militar. 

Um só exemplo, A TV Globo foi fundada pela família Luce, da Times. Os milionários gostavam de financiar operações encobertas da CIA.

A empresa surgiu grande sobre o espólio dos canais, 9 em São Paulo e 2 no Rio. Depois, transformou-se em rede nacional como porta-voz dos governos a serviço dos Estados Unidos. 

Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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