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A liquidez e a loucura. Para onde nos conduzirá, afinal, a sociedade líquida?

O pós-moderno era como uma ponte que levava a humanidade a um lugar sem nome, uma “no Land”. A essa “no Land”, Bauman cognominou sociedade líquida
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

Existiria um modo de sobreviver à liquidez? Se existir, este consiste justamente em perceber que vivemos em uma sociedade líquida que, para ser compreendida e, quem sabe, talvez superada, exige instrumentos totalmente dos diferentes dos tradicionais.

Acontece que a política e grande parte da “inteligência” ainda não perceberam o alcance deste fenômeno universal do século 21, que sucedeu ao assim denominado pós-modernismo. Pois para Bordoni, o pós-modernismo conheceu uma fase pouco percebida de declínio, afinal, vindos da modernidade, atravessamos algo temporário e pelo qual passamos quase sem nem perceber. 

Afinal, o pós-moderno era como uma ponte que levava a humanidade a um lugar sem nome, uma “no Land”. A essa “no Land”, Bauman cognominou sociedade líquida.

E Bauman foi muito longe, ao enxergar a crise de degeneração do Estado. Desaparecia uma entidade que garantia aos indivíduos a perspectiva de solução de seus problemas dentro de uma determinada ordem estabelecida. Um que Estado perdia, além de sua representatividade social, sua própria independência, ajoelhando-se perante os poderes de entidades supranacionais. 

Também descreveu a crise no próprio conceito da comunidade humana. A emersão de um individualismo desenfreado, onde ninguém é companheiro de ninguém e sim, seu antagonista. O próximo é sempre alguém de quem se deve proteger, quando não, atacar.

Este individualismo cada vez mais extremado que terminou por solapar as bases da modernidade e do pós-moderno, deu origem a uma situação em que, na falta de qualquer referencial comunitário, tudo se dissolve, tudo se liquefaz. “A sociedade torna-se líquida”!

Nessa conjuntura social o que resta ao indivíduo é o aparecer a qualquer custo, em todas as mídias sociais possíveis. 

O “aparecer” torna-se um Valor em si! Quando a crise de identidade e de valores a tudo precariza, a única maneira de adquirir reconhecimento social é “mostrar-se”. 

E Sempre o “aparecer” se alia a um consumismo desenfreado e predador.

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Mas, atenção! Trata-se de um consumismo que não visa a posse de objetos de desejo capazes de produzir satisfação, pois quase que imediatamente se tornam obsoletos, levando o indivíduo de um consumo ao outro, em que “tudo que é sólido dissolve-se no ar” (Marx).

Por outro lado, assistimos a uma total fragilização de todos os Partidos Políticos como instrumentos de representação comunitária, de classes ou de agrupamentos sociais. Na sua grande maioria, transformaram-se em partidos de si mesmos, onde os caciques políticos, os mafiosos, os oportunistas, os militares aposentados ou não se encastelam e embarcarão numa ou noutra  jangada que lhes oferecer maiores proveitos financeiros e eleitorais. 

Neste conceito, assinala Bauman, perde-se até mesmo a certeza do Direito. A Justiça é sentida como uma possível inimiga. A balança sempre se flete em função de interesses não comunitários.

O pós-moderno era como uma ponte que levava a humanidade a um lugar sem nome, uma “no Land”. A essa “no Land”, Bauman cognominou sociedade líquida

Unifasc
O individualismo que vivenciamos leva a sociedade a um consumismo desenfreado, expondo a humanidade a pandemias devastadoras.

As ideologias, desde fins do século 20, se esgarçaram. As sociedades vivem um processo contínuo de precarização. Existem, é verdade, movimentos de indignação, a maior parte dos quais sem engajamento político. Bauman nos alerta que estes movimentos sabem o que não querem, mas não o que realmente aspiram! 

Bauman ainda classifica a sociedade líquida como “confessional”, tendo por seus principais instrumentos as redes ditas sociais. E pela primeira vez, em toda a história da humanidade os espionados colaboram com os espiões, nos alerta Eco, facilitando os trabalhos destes, sendo que esta rendição os satisfaz pois os tornam visíveis, visíveis até mesmo como criminosos ou imbecis.

Afinal, onde nos conduzirá, afinal, a sociedade líquida? 

O desastre ecológico, a destruição da antroposfera já nos bateu à porta, prometendo ser devastador! A Covid 19 demonstrou sobejamente como somos frágeis e as mortes se amontoam ao lado das morbidades dos sobreviventes! Ao mesmo tempo a fome assola mais de metade da humanidade!

No trono global, não mais de mil homens trilhardários! 

Onde iremos? 

Isto me recorda Owen: “Todo mundo é louco, exceto você e eu. Pensando bem, tenho dúvidas em relação a você…”

Samuel Bellow disse certa feita que, em épocas de loucura, acreditar que se é imune à loucura é também uma forma de loucura!

Vivemos a sociedade líquida! Onde aportaremos?


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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