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Antropóloga Rosenilda Nunes Padilha lança livro com mitos do povo indígena Madja

Em entrevista exclusiva para Pravda.ru, a antropóloga fala sobre a luta do povo e seu processo pessoal de aprendizado da língua, história e cultura Madja
Amyra El Khalili
Diálogos do Sul
Moscou

Tradução:

Atualizado em 07/02/2022 às 13:22

Com o título Ima Bote Madjacca: Mitos Madja, a antropóloga Rosenilda Nunes Padilha (Rose) lançou um livro com mitos do povo Madja (também conhecidos por Kulina).

O livro foi todo escrito em língua Madja e em português. Para tanto, contou com a participação dos próprios Madja: Zuao Kulina, Jacinami Kulina, Macari Kulina, Dsomo Kulina e também com a importantíssima contribuição de Walter Sass, antropólogo missionário que viveu por vários anos com os Madja.

O livro foi publicado pelo Cimi – Conselho Indigenista Missionário, Regional Amazônia Ocidental.

Em clima de muita festa, o lançamento ocorreu na Aldeia Estirão, no Rio Eirú, no município de Eirunepé no Amazonas, durante assembleia do povo. 

Rose, como prefere ser chamada, fez questão de fazer o lançamento na própria aldeia como parte de um projeto que visa valorizar a cultura Madja e promover a autoestima do povo, que passa por uma crise de desestrutura social.

Em entrevista exclusiva para o Pravda.ru, a antropóloga fala sobre a luta do povo e sobre seu trabalho junto ao mesmos.

Em entrevista exclusiva para Pravda.ru, a antropóloga fala sobre a luta do povo e seu processo pessoal de aprendizado da língua, história e cultura Madja

Pradva.ru
Ilustração

Confira a entrevista:

Amyra el Khalili: Qual tem sido seu trabalho junto ao povo Madja?

Rosenilda Nunes Padilha: Nos últimos anos, tenho priorizado viagens ao povo Madja. É nas aldeias que ouço os seus clamores, pedem a retomada de assembleias e reuniões com eles. Pedem uma equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Conselho de Missão entre os Índios (Comin) na região do Médio Juruá, especificamente na região de Eirunepé.

Esse povo passa por dificuldades, apesar de ter em torno de 150 anos de contato com a nossa sociedade, eles nunca assimilaram o capitalismo. São 100% falantes de sua língua materna. Mulheres e crianças não sabem falar português.

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Quando vem à cidade, não se misturam com os “não índios”, ficam acampados no outro lado do rio nas beiras dos barrancos. Argumentam que perambulam na cidade em busca de tirar seus benefícios sociais. Não conseguem ter acesso porque os comerciantes retêm os seus cartões de benefícios e sacam o seu dinheiro. Os Madja não tem muita familiaridade com os números. Na visão Madja, eles contam somente até três.

Eles argumentam que ninguém lhes escuta quando encaminham as suas demandas, preferem ingerir álcool, depois de ingerir tem coragem de colocar corda no pescoço” afirma Tunumam Kulina. Outra denuncia feita por Tunumam, na cidade de Envira (AM), é de que quando estão deitadas no chão, as pessoas urinam em suas cabeças. Dali, é um pulo para o suicídio.

Eu ainda estou aprendendo a trabalhar com os Madja, aprendendo a língua, a história e a cultura desse povo. Entender a organização deles entre si é fundamental. Em cada aldeia que chego dos Madja, aprendo algo novo.

Os admiro pela sua capacidade de não colocar alumínio na cobertura de suas casas. Sempre digo que sou uma privilegiada, por eles permitirem a minha entrada no meio deles. Participar da sua vida, de suas realidades de exclusão, marginalização e sofrimento.

A convivência com eles tem sido um momento de muita escuta, partilha de vida e das esperanças desse povo.

Amyra el Khalili: Como surgiu a ideia de publicar um livro sobre os mitos Madja?

Rosenilda Nunes Padilha: Conversando com Walter Sass, alemão de nascimento, brasileiro de coração. Walter é pastor ligado à igreja luterana. Depois de três papos diretos sobre a situação desse povo, sua espiritualidade, seu ethos Madja, chegamos a conclusão de que era necessário fazer algo, além das assembleias, além das reuniões.

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Era necessário fazer algo que mexesse com a memória coletiva do povo. Quando se fala de Tamaco e Quirá, dois grandes irmãos e seres mitológicos que criou esse povo. Quirá é o mais extrovertido sempre descobrindo algo novo. Nessa espiritualidade aparece Massosso, os Madja tem medo dela. 

Eles têm uma espiritualidade muito forte. Surgiu a ideia de se trabalhar o livro. É uma construção coletiva de vários autores. Eles ficaram contentes com o lançamento do livro na assembleia deles. Vamos lançar em outros momentos também no Rio Purus, como também em São Bernardo no Peru.

Amyra el Khalili: Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos Madja?

Rosenilda Nunes Padilha: O abandono do poder público. Nas aldeias da região de Eirunepé, não há escolas, não há professores contratados, nem material didático, formação de professores, nada.

Alegam que não conseguem ter acesso ao cartório para tirar documentos. Chegam nas repartições públicas, não há um interprete que possa auxiliar. Reclamam também da Sesai, que no quadro de funcionários a maioria nem sabe quem é o povo Madja, o interesse maior é o salário.

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Argumentaram a invasão de seus territórios, no Boca do Igarapé Piranha, afirma Zuila Kulina: “jogam bombas e matam os peixes de todos os tamanhos”. Argumentam também a ausência do Cimi e Comin na região. Antes essas entidades viviam com eles, auxiliando nas suas demandas. “Nós fizemos a auto demarcação de nosso território com apoio do Cimi e Comin”, afirma Mário em tom de desabafo.

Amyra el Khalili: Quais as saídas você vê para que o povo Madja supere essa crise que está vivenciando neste momento?

Rosenilda Nunes Padilha: Alguns passos já estão sendo dados. Em meados de 2021, foi criada uma rede em prol da vida Madja. Faz parte dessa rede muitas entidades, como Ministério Público Federal, Conselho Indigenista Missionário, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e Fundação Nacional do Índio (Funai).

É um espaço de discussão, socialização e aprendizagem. Porém, ainda é muito pouco diante dos problemas deles. É necessário e urgente uma campanha em prol da vida Madja. Uma campanha de cidadania para que eles possam ter acesso aos seus documentos.

Defendo uma equipe composta pelo Cimi e Comin para que possam atuar na região e ajudar os Madja auxiliando em suas demandas, concepção e prática. Sei que é difícil encontrar pessoas e recursos, mas não é impossível, se tem uma região que os indígenas estão bem, caminhando com suas próprias pernas, por questão de justiça social, devemos fortalecer os trabalhos em região de maior vulnerabilidade social.

Amyra el Khalili: O que você diria para a sociedade em geral?

Rosenilda Nunes Padilha: Crescer com as diferenças: “somos responsáveis pelas injustiças sociais que acontecem em nosso meio.” Cada comerciante deve devolver os cartões dos Madja. O poder público tem que atuar, pois, ter acesso à educação, a documentos e à vida, enfim, é um direito do povo.

Amyra el Khalili é colaboradora de Diálogos do Sul em Moscou.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Amyra El Khalili Beduína palestino-brasileira da linhagem de Saladino e do Sheik Mohamed El Khalili. É editora das redes Movimento Mulheres pela P@Z!, e Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras.

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