Conteúdo da página
ToggleOs homens naturais venceram os letrados artificiais.
O mestiço autóctone venceu o crioulo exótico.
Não já há batalha entre a civilização e a barbárie,
Mas sim entre a falsa erudição e a natureza.
José Martí[1]
Nunca se insistirá bastante no necessário que é Martí na tarefa de construir a América nossa nestes tempos. De sua obra intelectual e política se pode dizer o que disse Rosa Luxemburgo sobre a vigência da de Marx: que sua riqueza a levava a renovar sua vigência à medida em que o desenvolvimento histórico ia propondo problemas novos e mais complexos àqueles que lutavam pela transformação social.
Se nos encontramos diante de “um estancamento em nosso movimento no que diz respeito a todas essas questões teóricas, isso não se deve a que a teoria marxista sobre a qual descansam seja incapaz de desenvolver-se ou esteja permitida”. Pelo contrário, dizia Rosa.
Deve-se a que ainda não aprendemos a utilizar corretamente as armas intelectuais mais importantes que extraímos do arsenal marxistas em virtude de nossas necessidades prementes nas primeiras etapas de nossa luta. Não é certo que, no que se refere à nossa luta prática, Marx esteja deprimido ou que o superamos.
Pelo contrário, Marx, em sua criação científica, nos havia tirado distância como partido de lutadores. Não é certo que Marx já não satisfaz nossas necessidades. Pelo contrário, nossas necessidades ainda não se adequam à utilização das ideias de Marx. [2]
José Martí é mais do que o pai de Cuba, é o herói da libertação de toda América Latina
A partir dessa perspectiva se torna mais fácil compreender, por exemplo, a riqueza política do pensamento martiano na prática de suas expressões: a organização do Partido Revolucionário Cubano Martí e seus companheiros de luta pela independência de Cuba em 1892.
Quem negaria que essa experiência ganha em importância hoje, quando em toda nossa América os povos buscam modelos de organização correspondentes aos problemas de um tempo novo?
Outras afinidades emergem, também, quando o problema é abordado a partir da perspectiva colocada por Antonio Gramsci em relação com a origem e desenvolvimento do marxismo – ou, em seu sentido mais rico, a filosofia da práxis à qual se referia ele.
A esse respeito, dizia, dita filosofia pressupõe todo este passado cultural, o Renascimento e a Reforma, a filosofia alemã e a Revolução francesa, o calvinismo e a economia clássica inglesa, o liberalismo laico e o historicismo que se encontra na base toda a concepção moderna da vida.
A filosofia da práxis é a coroação de todo este movimento de reforma intelectual e moral, cuja dialética é o contraste entre cultura popular e alta cultura. Corresponde ao nexo da Reforma protestante mais Revolução francesa: é uma filosofia que é também política e uma política que é também filosofia.
E advertia então que aquela filosofia – como a práxis martiana hoje – estava “atravessando ainda sua fase popular, folclórica” porquanto “suscitar um grupo de intelectuais independentes […] exige um longo processo, com ações e reações, com adesões e dissoluções e novas formações muito numerosos e complexas”.
José Martí e sua defesa de Nossa América frente aos impérios espanhol e estadunidense
Isto, sobretudo, quando isso devia ser feito a partir da concepção de um grupo social subalterno, sem iniciativa histórica, que se amplia continuamente, mas desorganicamente, sem poder superar um certo grau qualitativo que está sempre mais para cá da possessão do Estado do exercício real da hegemonia sobre toda a sociedade, a única coisa que permite um certo equilíbrio orgânico no desenvolvimento do grupo intelectual.
Prensa Latina
Jose Martí para hoje e amanhã
Referências
A referência às três fontes e três partes integrantes do marxismo a que Lênin fizera referência para facilitar a explicação daquele complexo processo de origem é evidente.
A novidade em Gramsci consiste em sua maneira de ampliar essa referência, para não só incluir correntes culturais mais vastas, em cujo seio foi forjado o pensamento de Marx, mas sim deixar aberto a possibilidade de incorporar novas correntes de pensamento a esse processo.
Hoje, por exemplo, o eco marxista norte-americano John Bellamy Foster[3] em sua obra mais recente, O Retorno da Natureza, incorpora o que Engels chamou de dialética da natureza a esse movimento cultural maior dentro do qual foi forjada a filosofia da práxis.
Assim, diz Foster, ao criar a possibilidade de incorporar aos seu próprio desenvolvimento o das ciências naturais e sociais, a filosofia da práxis comprovou e ampliou o que seus criadores vinham propondo desde meados da década de 1840.
Saiba quem foi José Martí, herói morto em batalha ao lutar pela Revolução Cubana
A concepção materialista da história a da natureza poderia ser unificada no interior da visão mais ampla de uma forma espiral do desenvolvimento, que incluísse a regressão tanto como o progresso. Tal visão seria plenamente consciente dos perigos inerentes na tentativa de dominar a natureza, tanto como ao de dominar a humanidade. [4]
E isto, por sua vez, permite entender que a própria história não avança em linha reta por etapas sucessivas, mas sim progride em espiral, às vezes mais ampla, às vezes mais estreita, como às vezes descendente ou ascendente, com o que o pensar dos humanos reproduz o movimento de formação das galáxias.
Vigência de Martí
A vigência de Martí pode e deve ser compreendida no mesmo duplo movimento de formação de si mesma – como tanto insistia Cintio Vitier frente aos caçadores de influências -, como em seu aporte à formação de outras correntes do pensar e do fazer em nossa América.
A isso se referiu alguma vez Roberto Fernández Retamar ao observar que em nossa região abundavam pessoas que eram martianas “sem saber”, como resultado desta interação constante – que tanta sanha combateu o neoliberalismo.
As Obras Completas de Martí, em efeito, dão conta das interações constantes entre sua visão e correntes culturais e políticas que iam desde o mundo indígena mesoamericano até o florescimento das ciências e das forças produtivas no mundo Norte atlântico, como desde os conflitos entre o liberalismo oligárquico e o democrática – na nossa América e na outra -, até os que enfrentavam o positivismo spenceriano com o idealismo dialético da intelectualidade liberal progressista na América do Norte e na nossa.
Todas essas correntes – e seus frutos, desde o conflito entre civilização e barbárie de Sarmiento até o socialismo indo-americano, estiveram presentes em cada momento do “conflito social tremendo” das crises em nossa história.
Jose Martí e seu arraigado anti escravagismo
Em cada um desses momentos, esse conflito de fundo entre a falsa erudição e a natureza tem confirmado e enriquecido a transcendência – no tempo como no espaço – do pensar e do fazer martianos. No que nos diz respeito, bem podemos dizer que são bem-aventurados os que sabem aonde vão, porque saberão que caminho tomar.
[1] “Nuestra América”. El Partido Liberal, México, 30 de janeiro de 1891. Obras Completas. Editorial de Ciencias Sociales. La Habana, 1975. VI: 17.
[2] Rosa Luxemburgo, 1903: “Estancamiento y progreso del marxismo”
https://www.marxistsfr.org/espanol/luxem/03Estancamientoyprogresodelmarxismo_0.pdf
[3] Autor de La Ecología de Marx. Materialismo y naturaleza (El Viejo Topo, Madrid, 2008), sua obra más conhecida em espanhol e, mais recentemente de The Return of nature. Socialism and Ecology. (2020) Monthly Review Press. New York.
[4] E agrega mais adiante: para Engels, “a natureza era vista de maneira histórica, com conteúdo, e a história natural diferia da história social unicamente no sentido de que esta última era autoconsciente.” (2020:268).
Guillermo Castro H., colaborador de Diálogos do Sul – Panamá.
Tradução de Beatriz Cannabrava.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Assista na TV Diálogos do Sul
Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.
A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.
Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:
-
PIX CNPJ: 58.726.829/0001-56
- Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
- Boleto: acesse aqui
- Assinatura pelo Paypal: acesse aqui
- Transferência bancária
Nova Sociedade
Banco Itaú
Agência – 0713
Conta Corrente – 24192-5
CNPJ: 58726829/0001-56
Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br