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O que Gramsci, Adorno e Camus ensinam sobre o poder da revolta no combate ao fascismo

Um jovem revoltado deixa de ser somente um indivíduo consumista, filho do mercado: em seu êxtase, torna-se também cidadão e filho da democracia
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

Antônio Gramsci, prisioneiro da ditadura de Mussolini, destacou algumas das características presentes no fascismo, então vitorioso na Itália nos anos 20 a 40 do século passado: 

“A primeira é que, quando o fascismo se organizou no poder, primeiramente substituiu ou expulsou o velho pessoal dirigente político, sempre na esteira de denúncias contra a corrupção, sendo ele próprio um regime absolutamente corrupto”. 

“A segunda, é que o governo fascista arrasta atrás de si até o fim, uma trupe, um bando de inconscientes, recalcados, aventureiros, corruptos e delinquentes”.

Também frisou em suas cartas, enviadas desde o cárcere, que o fascismo incorpora como nunca a servidão, a mentira e o terror, flagelos que buscam fazer reinar o silêncio entre os homens, obscurecendo-os uns aos outros e impedindo que se reencontrem no único valor que poderia salvá-los: a longa cumplicidade cujo limite é precisamente o poder de revolta dos homens em conflito contra o despotismo e a opressão. 

Logo após a derrota da Alemanha nazista e as denúncias do genocídio de milhões de seres humanos, em 1950, o judeu alemão exilado, Theodor Adorno, pontilhou:

“Após milênios de esclarecimento, o pânico abate-se de novo sobre a humanidade, cuja dominação sobre a natureza, tornada dominação sobre os homens, excede em terror tudo em que quaisquer épocas pudessem temer na natureza”.

“Ela aponta para a decadência de um sistema que virtualmente não necessita mais de seus integrantes”. 

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Na década de 1960, o francês Albert Camus se deteve a analisar a revolta como contraponto da barbárie, na compreensão de que a revolta constitui uma das dimensões essenciais do homem.

“O revoltado é, antes de tudo, aquele que diz não. Mas ao dizê-lo, ele se recusa a renunciar aos seus direitos efetivos, pois o que ele mais deseja é vivenciar uma nova realidade”. 

Portanto, a revolta se legitima quando o ser humano se crê com razão, e através e com ela, ele incorpora os valores da cidadania. Portanto, partindo de uma aparência negativa, o não, a revolta é na sua essência positiva, à medida que revela o que no homem deve ser sempre defendido: a sua liberdade, a possibilidade de ação, ou aquilo que é seu corolário: A vontade ativa e a possibilidade de iniciar algo novo.

Um jovem revoltado deixa de ser somente um indivíduo consumista, filho do mercado: em seu êxtase, torna-se também cidadão e filho da democracia

Mateus Velho Paka – Pixabay

Mesmo na luta antifascista o fim justifica os meios? É possível, mas quem justificará o FIM? A Revolta responde: os Meios!

Existem características que são marcantes num movimento de revolta antifascista e os homens revoltados os expressam muito bem: 

1. A verdadeira revolta não é egoísta, ela é solidária. Quando o revoltado exige para si respeito, o faz na medida em que se identifica com uma comunidade.

2. O homem se revolta tanto contra a mentira quanto contra a opressão. 

3. É na revolta que um homem se transcende no outro, e, desse ponto de vista, a solidariedade humana aflora. Trata-se desse mesmo tipo de solidariedade que nasce nas prisões, nas masmorras, nos campos de extermínio, mas também nas ruas, nos enfrentamentos com as forças repressivas. Solidariedade que somente aqueles que atravessaram momentos da tensão humana maior são capazes de sentir em sua plenitude.

4. E a solidariedade que se fundamenta no movimento de revolta só encontra justificativa numa estreita cumplicidade. É quando o revoltado ganha a consciência do ser coletivo e a aventura passa a ser compartilhada por todos.

A revolta, que retira o homem de sua solidão, fundamenta-se em um valor maior: “eu me revolto, logo, existo, e existo em comunidade!” 

Um jovem revoltado deixa de ser somente um indivíduo consumista, um filho do mercado: em seu êxtase de revolta, ele torna-se também cidadão e filho da democracia!

Nos dias de hoje, o espírito de revolta prolifera em grupos nos quais uma igualdade teórica encobre desigualdades de fato, que jamais na história moderna foram tão aberrantes! 

E ele se insurge contra um mundo fragmentado para reclamar unidade, contrapõe o princípio de justiça que dentro do revoltado existe, ao de injustiça que vê no mundo real. 

Essa revolta, contraponto do fascismo, é como um “fantasma” a assustar também o capitalismo globalizado.

Isto porque o revoltado, ao levantar-se diante do opressor, defende a causa da vida, luta contra a servidão, a mentira e o medo. São estes três flagelos que fazem reinar o silêncio entre os homens, obscurecendo-os e impedindo-os que se reencontrem no único valor que pode salvá-los do niilismo: a longa cumplicidade, cujo limite é precisamente o poder de revolta.

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Historicamente, entretanto, a verdadeira revolta histórica não reivindica uma liberdade total; pelo contrário, ela ataca permanentemente a liberdade total, pois esta nada mais é que o poder ilimitado, que permite ao superior violar a fronteira proibida. A liberdade que o revoltado deseja para si é a mesma que reivindica para o outro. Sua lógica profunda não é a da destruição, mas a da construção.

Se a revolta pudesse criar uma filosofia, esta seria a dos limites, da ignorância calculada e do riso. Pois não há direito sem expressão do direito. Fazer com que o direito emudeça até que a justiça seja estabelecida é emudecê-lo para sempre. É confiar a justiça aos poderosos. 

Mesmo quando a justiça não é realizada, a liberdade preserva o poder de protesto e salva a comunicação.

O mesmo raciocínio aplica-se à violência que surge em protestos, na revolta quando explode. A não violência absoluta funda negativamente a servidão e as violências do poder, enquanto que a violência sistemática destrói a comunidade viva e a existência que dela recebemos. 

Para ser profícua, a violência deve encarar os seus limites.

E o revoltado deve preservar seu caráter provisório de rompimento, sempre ligado, se não puder ser evitado, a uma responsabilidade pessoal, a um risco imediato.

Mesmo na luta antifascista o fim justifica os meios? É possível, mas quem justificará o FIM? A Revolta responde: os Meios! A revolução, após 200 anos de experiências, perdeu seu prestígio de festa e muito produziu sobre o que se refletir.

A sociedade da produção, do “progresso” e do consumo é apenas consumista, não criadora. O mundo de hoje é, em sua realidade uno, mas sua unidade é a do niilismo dos “shopping centers” e da internet. 

A civilização só poderá opor-se à barbárie se, ao renunciar ao niilismo dos princípios formais e ao niilismo sem princípios, auxiliar o mundo a reencontrar o caminho de uma síntese criadora.

Se o espírito revolucionário, se quiser continuar vivo, deve voltar a retemperar-se na revolta, inspirando-se no único pensamento fiel a essas fontes, o pensamento dos limites. 

Porque se a Revolta quer uma revolução nas relações humanas, ela a quer a favor da vida, de baixo para cima. E longe de ser romântica, ela toma o caminho do verdadeiro realismo. 

Será a Comuna contra o Estado, a sociedade concreta contra a absolutista, a liberdade refletida contra a tirania racional e, finalmente, o individualismo altruísta contra a colonização das massas. Essas são as antinomias que traduzem o longo confronto entre a medida e a desmedida. 

“A revolta histórica, a secular vontade de não ceder de que falava Barrès, ainda hoje está na base desse combate. Mãe das formas, fonte da vida verdadeira, ela nos sustenta no movimento selvagem e disforme da história”. 

Mesmo porquê a revolta é o próprio movimento da vida; por isso ou ela é amor e fecundidade ou ela não será nada.

Já a revolta quando se contamina pelo ressentimento, deixa suas origens generosas, nega a vida e corre para a destruição, fazendo sublevar a turba de pequenos escravos que se oferecem aos mercados da servidão e do enriquecimento. 

Para além do niilismo e do conformismo, em meio aos escombros que o fascismo nos impinge, preparemos um Renascimento. Para tanto, no combate antifascista deveremos aprender a viver e a morrer. E aqueles, que virão após nós, serão muito melhores do que nossa geração o foi.

Obs.: Referenciado no existencialismo de Albert Camus, em escritos do cárcere de Antônio Gramsci, e em “Minima Moralia” de Teodor Adorno.

Carlos Russo Junior é colaborador da Diálogos do Sul.



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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