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Peskov: “Resolver as controvérsias é extremamente complexo e envolve muitas nuances” (Foto: Maxim Bogodvid / Kremlin)

Cúpula Putin-Zelensky-Trump: Kremlin explica por que reprova sugestão da Ucrânia

As negociações para o fim da guerra na Ucrânia caminham a passos lentos; para a Rússia, progressos reais exigem “eliminar as causas originais do conflito”

Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Na última terça-feira (3), o Kremlin descartou que possa ser realizada em breve uma cúpula entre os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, com a participação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, argumentando que “esse tipo de encontro só faria sentido quando houver avanços” nas negociações. Até agora, houve dois encontros em Istambul com poucos resultados, exceto pela troca de prisioneiros de guerra.

Kiev propôs a Moscou uma reunião entre os três presidentes no final deste mês, entre 25 e 30 de junho, aproveitando a presença de Trump na cúpula da Otan em Haia. A Ucrânia acredita que apenas os líderes podem fazer as concessões necessárias para desbloquear a busca por uma solução política que ponha fim à guerra.

O porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, em sua coletiva de imprensa diária, reconheceu que “seria um erro esperar decisões ou avanços imediatos”, uma vez que “resolver as controvérsias é extremamente complexo e envolve muitas nuances”. Para a Rússia, é prioritário “eliminar as causas originais do conflito”, sem isso, não haverá paz com a Ucrânia.

Peskov afirmou ainda: “Em Istambul, foram alcançados certos entendimentos que dizem respeito principalmente às pessoas (troca de até 1.200 prisioneiros de guerra de cada lado). Os trabalhos continuam e aguardamos resposta ao nosso memorando”.

Embora as propostas — ou melhor, as condições inegociáveis apresentadas por ambos os países na cidade turca — não indiquem avanços no curto prazo que abram caminho para a paz, nem a Rússia, nem a Ucrânia quiseram, no dia seguinte ao encontro em Istambul, rejeitar ponto a ponto o documento do rival, talvez para não prejudicar a anunciada troca de prisioneiros, segundo analistas.

O chanceler ucraniano Andrii Sybiha adiantou, também na terça-feira, que a Rússia apresentou em Istambul “um compêndio de velhos ultimatos que não contribuem para uma paz verdadeira”, e Zelensky ironizou nas redes sociais que os negociadores russos “são idiotas” porque “pedem dois ou três dias para recolher cadáveres, quando as tréguas servem para o oposto: para que ninguém morra”. Para o Kremlin, “os insultos” do presidente ucraniano à delegação russa “são uma frase infeliz que não condiz com o espírito da negociação”.

A Ucrânia também enviou a Washington Andriy Yermak, chefe do Gabinete da Presidência, o segundo na hierarquia ucraniana, que se reuniu na terça-feira com Keith Kellogg, enviado especial de Trump para Ucrânia e Rússia. O objetivo foi “discutir a situação na linha de frente, os resultados das negociações em Istambul, a importância de aplicar sanções severas contra a Rússia e continuar o apoio militar à defesa da Ucrânia”, escreveu ele mesmo no X sobre os motivos da viagem.

A segunda reunião em Istambul

Em 2 de julho, foi celebrada em Istambul a segunda reunião entre negociadores russos e ucranianos. Mas, como era previsto, não houve avanços em relação a um cessar-fogo. Pelo menos, no entanto, foi acordado realizar uma nova troca de prisioneiros de guerra que, quando as listas forem revisadas, poderá beneficiar até 1.200 militares de cada lado.

Nos briefings oferecidos pelas delegações ao final da reunião, ambas reivindicaram a iniciativa das trocas de “prisioneiros gravemente feridos e soldados menores de 25 anos, sob a fórmula de todos por todos” (nessas duas categorias), assim como de “militares mortos, cujos corpos estejam nos necrotérios”.

Vladimir Medinsky, que chefia o grupo russo, afirmou à televisão de seu país que “será a maior troca de prisioneiros até agora e, de modo preliminar, poderá chegar a até 1.200 soldados para cada lado”. O também assessor do presidente do Kremlin, Vladimir Putin, ofereceu devolver os corpos de seis mil militares ucranianos e propôs cessar as hostilidades “por dois ou três dias em alguns setores da frente para recuperar os cadáveres” que jazem nos campos de batalha.

Rússia e Ucrânia trocaram memorandos com suas condições para negociar e deixaram a porta aberta para um terceiro encontro, em data ainda a ser determinada, após cada um analisar o documento da outra parte.

A Ucrânia, segundo explicou ao final da reunião o ministro da Defesa, Rustem Umerov, chefe dos negociadores, entregou à contraparte uma lista das crianças que, segundo Kiev, foram “levadas à força para a Rússia”, exigindo sua imediata devolução.

Medinsky, também por meio da imprensa, respondeu: “De fato, recebemos uma lista com os nomes de 339 crianças. Na realidade, trata-se de algumas dezenas de crianças, e nenhuma foi sequestrada. Há crianças que nossos soldados salvaram, arriscando suas vidas, ao tirá-las da zona de combates. Procuramos seus pais e, se aparecem, as devolveremos”.

Condições duras

Na noite de 1º de junho, a agência britânica Reuters divulgou o que suas fontes anônimas chamaram de texto completo da proposta ucraniana que seria discutido no encontro em Istambul. Já o documento russo não foi entregue com antecedência à Ucrânia e só foi vazado ao final do encontro para as agências de notícias russas TASS e RIA Novosti (e sua versão em espanhol, Sputnik), ambas oficiais, e depois para a imprensa internacional.

Segundo as agências russas, para que a Rússia aceite um cessar-fogo, “a Ucrânia tem que retirar todas as suas tropas das novas regiões russas” (Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia, que já estão incorporadas à Constituição russa, embora não estejam totalmente sob controle de Moscou), no prazo de “30 dias a partir do anúncio da trégua”, assim como “se afastar até uma distância determinada das fronteiras da Federação Russa”.

Moscou também exige que a comunidade internacional reconheça que essas “novas regiões” fazem parte da Rússia, assim como a Crimeia (a China, por exemplo, é contra reconhecer a península como território russo). Propõe que as partes “renunciem a apresentar reclamações por danos causados por ações militares” e que sejam suspensas as sanções contra a Rússia.

A Rússia também impõe, como outra condição para a trégua, que os Estados Unidos e seus aliados deixem de fornecer armamento e dados de inteligência à Ucrânia. Não haverá paz se a Ucrânia não se declarar “país neutro” e renunciar expressamente a possuir armas nucleares, além de aceitar uma drástica redução de seu exército em termos de efetivo e armamento.

Da mesma forma, exige “excluir a presença de soldados de terceiros países na Ucrânia” (não aceita tropas de capacetes azuis) e requer que “os especialistas estrangeiros deixem de participar em ações militares ao lado da Ucrânia”.

E para a assinatura de um tratado de paz, o Kremlin exige que sejam realizadas eleições na Ucrânia, o que coloca Zelensky como presidente “ilegítimo”, enquanto Kiev já declarou que não pode haver eleições de nenhum tipo durante a guerra e sob a vigência da lei marcial.

Para Vladimir Medinsky, “isto não é um ultimato de forma alguma. É uma proposta que realmente permitirá alcançar uma paz real. Ou, pelo menos, um cessar-fogo e um grande passo rumo a uma paz duradoura”.

Na avaliação de observadores, não é necessário esperar a resposta oficial de Kiev ao memorando russo: a maior parte das exigências é inaceitável para a Ucrânia ou contradiz abertamente as demandas que Kiev já havia tornado públicas antes do encontro em Istambul.

De acordo com Rustem Umerov, a Ucrânia chegou ao encontro para defender estas prioridades: um cessar-fogo completo e incondicional por terra, mar e ar como condição indispensável para iniciar negociações; propor a troca de todos os prisioneiros de guerra; exigir a devolução das crianças deportadas à Rússia; e realizar uma cúpula entre os presidentes Zelensky e Putin.

A guerra continua

Enquanto rolam as negociações, parece haver duas realidades paralelas — a formulação de exigências inaceitáveis para o inimigo e o intercâmbio diário de ataques com mísseis e drones — que caracterizam esta guerra, enquanto continuam os rumores de que a Rússia prepara uma grande ofensiva de suas tropas para os próximos meses.

A Rússia responsabilizou oficialmente a Ucrânia pelas explosões de pontes em Briansk e Kursk, que causaram a morte de sete pessoas e deixaram 114 feridos após o descarrilamento de dois trens no último fim de semana.

Svetlana Petrenko, porta-voz do Comitê de Instrução da Rússia, afirmou na terça-feira: “É óbvio que os terroristas, cumprindo ordens do regime de Kiev, planejaram tudo nos mínimos detalhes para causar o maior dano possível a centenas de civis”.

Por sua vez, as autoridades ucranianas responsabilizaram a Rússia por “continuar matando civis” durante bombardeios lançados contra várias cidades do país. Em Sumy, por exemplo, no fim de maio, quatro pessoas morreram e 20 ficaram feridas. Em Odessa, muitos edifícios residenciais, infraestruturas civis e veículos foram atingidos por drones e mísseis.

Enquanto a Rússia ainda tenta entender como ocorreu o recente ataque com 117 drones, lançados de caminhões de carga a curta distância de cinco aeroportos militares dentro do território russo — um na Sibéria e outro em Murmansk, fora do alcance da fronteira ucraniana —, o Estado-Maior do Exército de Kiev divulgou na última terça-feira (3) um novo balanço da “Operação Teia de Aranha”:

“Após processar e verificar informações de diversas fontes, informamos que o total de perdas dos ocupantes (russos) chega a 41 aviões, incluindo bombardeiros estratégicos e outras aeronaves”, informou em comunicado. O Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla em ucraniano), que conduziu a operação, afirmou ter destruído mais de um terço dos lançadores de mísseis de cruzeiro estratégicos da Rússia, estimando o prejuízo econômico causado em 7 bilhões de dólares.

O próprio SBU relatou na terça-feira que seus agentes colocaram explosivos nas bases da ponte da Crimeia, nas profundezas do mar, danificando com 1.100 kg de TNT parte das fundações da estrutura que liga a península à região de Krasnodar.

A entidade acompanhou seu comunicado com um vídeo que mostra uma forte explosão sob a ponte, o que gerou debate na mídia ucraniana sobre o uso de mergulhadores ou drones subaquáticos. Durante o dia, o tráfego rodoviário foi interrompido três vezes.

Por fim, o governador da parte da região de Zaporíjia sob controle russo, Yevgueni Balitsky, afirmou em sua conta no Telegram: “um total de 457 localidades da região estão temporariamente sem eletricidade; os cortes afetam mais de 600 mil assinantes”, como consequência de “um ataque massivo” com drones ucranianos contra “instalações elétricas”.

O ataque ucraniano a trens russos

Em 1º de junho, véspera do segundo encontro de negociadores russos e ucranianos em Istambul, a Ucrânia explodiu duas pontes, descarrilhou três trens e atacou com drones os aeroportos militares de cinco regiões da Rússia — ações que o Ministério da Defesa russo e o Comitê de Instrução da Rússia (CIR), responsáveis pelas respectivas investigações, classificaram como “atentados terroristas”.

Ao longo da manhã começaram a chegar as primeiras informações, por meio de blogueiros que apoiam a operação militar especial russa, de que algo grave havia acontecido nas regiões de Briansk e Kursk.

Em Briansk, uma ponte rodoviária desabou devido a uma explosão e caiu sobre vários vagões de um trem de passageiros que se dirigia a Moscou, causando sete mortes e cerca de 50 feridos, muitos hospitalizados em estado crítico, informou o governador dessa região fronteiriça com a Ucrânia, Aleksandr Bogomaz.

Pouco mais tarde, Svetlana Petrenko, porta-voz do CIR, afirmou que a ponte desabou em consequência da detonação dos seus pilares, fato que passou a ser investigado como um “atentado terrorista”.

O governador interino de Kursk, Aleksandr Jinshtein, informou que, após uma explosão, parte de um trem de carga caiu sobre a estrada coberta onde havia uma ponte. A locomotiva pegou fogo, e o maquinista e seu assistente ficaram gravemente feridos. O CIR, por meio de comunicado, também classificou como “atentado terrorista” a explosão que causou o descarrilamento do trem em Kursk.

Vladimir Dzhabarov, primeiro vice-presidente do comitê de assuntos internacionais, afirmou: “está claro que, por trás desses dois atentados terroristas, estão os serviços secretos da Ucrânia. Simplesmente não há outra possibilidade.” Ele sugeriu que, “com esse tipo de provocação”, a Ucrânia pretendia que a Rússia se recusasse a participar da segunda reunião em Istambul como “protesto pelas ações do regime de Kiev”. E finalizou: “Isso não vai acontecer, e nossa delegação estará lá pronta para negociar”. De fato, a Rússia participou da reunião.

A Direção-Geral de Inteligência Militar ucraniana (GUR, na sigla em ucraniano) reconheceu em 1º/06 apenas um terceiro descarrilamento de um trem russo próximo ao povoado de Yakimovka, distrito de Melitopol, na parte de Zaporíjia sob controle do exército russo.

Segundo o GUR, “a ferrovia, que transportava vagões-tanque com combustível e materiais de uso militar, foi desativada por uma explosão que danificou severamente uma ‘artéria logística chave’ das tropas russas ‘na zona ocupada’ de Zaporíjia e da Crimeia”.

Ataque ucraniano a aeroportos russos

Enquanto ainda se assimilavam as notícias sobre o descarrilamento dos três trens e a queda de duas pontes durante a madrugada, o Ministério da Defesa russo emitiu um comunicado responsabilizando o “regime de Kiev” por cometer “ações terroristas” ao atacar com drones explosivos aeroportos militares nas regiões de Amur, Irkutsk, Ivanovo, Murmansk e Riazan.

De acordo com o ministério, os drones atingiram “algumas aeronaves, que pegaram fogo” em Irkutsk e Murmansk, sendo “neutralizados todos os ataques nas outras três regiões”.

Fontes diversas afirmam que os veículos aéreos não tripulados foram lançados pela primeira vez a partir de caminhões de carga em território russo. O ataque em Irkutsk “foi o primeiro na Sibéria”, escreveu nas redes sociais o governador dessa entidade federal russa, Igor Kobzev, informando ainda que “o local de onde os drones foram lançados — um caminhão de carga — já foi destruído”.

O Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) vazou à imprensa de seu país que os ataques contra aeroportos fizeram parte da “Operação Teia de Aranha”, dirigida pessoalmente pelo diretor do SBU, Vasily Maliuk.

“No momento, o SBU está realizando uma operação especial de grande envergadura para destruir bombardeiros inimigos na retaguarda da Rússia. Os drones do SBU atacam aviões que, todas as noites, bombardeiam cidades da Ucrânia. Até agora, sabemos que os drones atingiram cerca de 40 aeronaves, entre elas A-50, TU-95 e TU-22M3”, assegurou em 1º/06 uma fonte anônima citada pelos meios ucranianos em sua versão online.

Drones: um novo padrão

Os drones já se tornaram os artefatos mais utilizados por ambos os exércitos para atacar com explosivos, esgotar as defesas antiaéreas com simuladores e obter informações sobre as posições inimigas – apenas a quantidade diária costuma variar.

No fim de maio, por exemplo, o comando militar ucraniano informou que a Rússia lançou 112 drones contra o território ucraniano, dos quais 66 foram interceptados, enquanto os outros 46 foram neutralizados por guerra eletrônica.

Por sua vez, o Ministério da Defesa russo informou que seus sistemas antiaéreos derrubaram 48 aeronaves não tripuladas da Ucrânia nas regiões de Belgorod, Orlov, Riazan, Briansk, Tambov e Crimeia.

Segundo o prefeito de Moscou, Serguei Sobianin, três drones tinham como alvo a capital russa, e os fragmentos de um deles atingiram a fachada de um edifício de apartamentos de luxo na avenida Vernadsky. Isso obrigou, mais uma vez, o fechamento de vários aeroportos moscovitas por horas, resultando no cancelamento ou atraso de diversos voos – algo que já se tornou parte da realidade cotidiana da cidade.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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