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Em 2017, após Trump ser eleito presidente pela primeira vez, o número de migrantes cruzando a fronteira despencou dramaticamente, mas depois subiu de novo (Foto: Gage Skidmore / Flickr)

Dados apontam que Trump pode deportar menos que Biden até o fim de 2025

Estimativa é de que Trump deporte 500 mil pessoas até o fim do ano; além disso, fluxo de indocumentados em direção aos EUA cresceu 30% em abril

David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Apesar das medidas anti-imigrantes do governo de Donald Trump, o número de mexicanos que tentam entrar nos Estados Unidos sem documentos aumentou quase 30% em abril, o que poderia ser um primeiro indicador de que, após uma pausa, o fluxo de imigrantes indocumentados tentando ingressar pela fronteira estadunidense começará a crescer novamente.

“Suspeito que muito do aumento [entre mexicanos] se deve à temporada. Agora estamos vendo um fluxo migratório historicamente tradicional, majoritariamente mexicano e adulto”, explica Adam Isacson, especialista em migração no Washington Office on Latin America (WOLA), ao jornal La Jornada.

“Por décadas, a população [migratória] cresce de maneira significativa na primavera, então suponho que a mudança de estação seja o fator principal”, diz Isacson.

Durante o governo de Joe Biden, foi registrado um aumento dramático de famílias com crianças tentando cruzar a fronteira para os Estados Unidos, mas o pesquisador afirma que o aumento recente tem sido em grande parte apenas de adultos. Além disso, as pessoas que trabalham na fronteira relatam que outra explicação para o aumento são deportados tentando retornar aos Estados Unidos.

Os novos dados oficiais do governo estadunidense também poderiam ser a primeira indicação de que os esforços do governo Trump para frear o fluxo migratório podem não ser efetivos a longo prazo. Isacson recorda que, em 2017, após Trump ser eleito presidente pela primeira vez, o número de migrantes cruzando a fronteira também despencou dramaticamente antes de começar a subir novamente em maio do mesmo ano. Desta vez, o aumento nas tentativas de cruzar está começando um mês antes.

“Cada medida dura na fronteira reduz a migração de maneira severa. Mas as pessoas que sentem a necessidade absoluta de chegar aos Estados Unidos são dissuadidas apenas por pouco tempo antes que elas e os contrabandistas busquem novas maneiras de entrar novamente”, explicou Isacson. “Não prognosticaria uma onda gigante de migração durante os próximos meses, em grande medida porque o asilo já não existe. Mas penso que já vimos, em março, os números mais baixos que a medida dura de Trump poderia alcançar”.

Muitos migrantes de outros países que estão no México adotaram uma atitude de “esperar para ver” diante das novas medidas de Trump, comenta Isacson. Conforme o especialista informa ao La Jornada, o Instituto Nacional de Migração reportou uma redução das detenções e deportações de estrangeiros de 62% no primeiro bimestre de 2025. Mas ainda há um número enorme de migrantes de outros países no México esperando uma oportunidade para entrar nos Estados Unidos.

E a demanda por mão de obra para aqueles que conseguem cruzar é visível em várias partes dos Estados Unidos. Em uma viagem por Maryland e Pensilvânia no fim de semana passado, o La Jornada observou inúmeros avisos de “precisa-se de ajuda” em várias cidades, com comerciantes, fazendeiros e até funcionários públicos se queixando da falta de trabalhadores. “Uma redução drástica na imigração poderia levar à escassez de mão de obra, especialmente em alguns setores críticos — construção de moradias, cuidado para uma população idosa crescente, em fazendas e em plantas de processamento de carnes”, reportou o portal Axios em maio. Segundo uma pesquisa com executivos da empresa de recrutamento Littler, 75% expressam que as políticas de imigração do governo Trump estão entre suas maiores preocupações pelo impacto potencial sobre seus negócios.

Os meios de comunicação reportam que fazendeiros e outros produtores estão particularmente preocupados com a falta de mão de obra migrante para tudo, desde a colheita de verduras ao cuidado de animais e o manejo de viveiros, entre outros setores agrários.

Enquanto isso, o governo Trump segue batalhando para tentar alcançar sua meta de deportar um milhão de imigrantes este ano. Em maio, a Reuters reportou que o FBI ordenou a seus agentes que dediquem mais tempo à tarefa de deportação e menos à investigação de crimes de “colarinho branco”, incluindo corrupção, subornos no exterior, cleptocracia e influência estrangeira nos Estados Unidos.

Como parte de sua campanha para que o país seja menos hospitaleiro e, de fato, depurá-lo, o governo Trump está avançando com sua proposta de anular o direito constitucional à cidadania por nascimento nos Estados Unidos para filhos de pais indocumentados.

Os democratas ainda não conseguiram frear as medidas anti-imigrantes — algumas foram congeladas nos tribunais. Mas, para piorar, algumas figuras influentes desse partido supostamente de oposição estão cedendo diante da ofensiva anti-imigrante. O governador da Califórnia, Gavin Newsom — que tem aspirações presidenciais — está propondo reduzir o acesso a serviços de saúde para imigrantes indocumentados em seu estado.

Segundo o chefe interino da agência de controle migratório ICE, desde o início do governo Trump foram registradas 9 mortes de imigrantes detidos pela agência.

Fracassa promessa de deportar imigrantes em massa

Defensores e, cada vez mais, juízes estão contestando os esforços trumpistas de deportações em massa por violarem leis e o devido processo legal, e tomaram ações locais para condenar a ofensiva contra as comunidades mais vulneráveis.

Em maio, a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, solicitou ao Congresso fundos adicionais para mais que dobrar o número de celas para imigrantes, e a Casa Branca proclama que o governo deportou mais de 139 mil indocumentados nos primeiros três meses do ano. No entanto, especialistas em migração afirmam que o número total é bem menor, entre 80 e 90 mil – com cerca de 50 mil expulsos por via aérea e outros 39 mil enviados ao México.

Embora o governo não tenha divulgado dados oficiais de forma completa, com base nas notificações do Registro Federal e informações seletivas compartilhadas com a imprensa, parece estar em vias de deportar aproximadamente meio milhão de pessoas neste ano – menos que as 685 mil deportações registradas no ano fiscal de 2024 sob o presidente Joe Biden, escrevem os especialistas Muzaffar Chisti e Kathleen Bush-Joseph, do Migration Policy Institute.

Como ocorre com tantas das iniciativas de Trump em diversas áreas, o Congresso fracassou em aprovar novos fundos para financiar esses esforços ambiciosos e, como resultado, em relação às suas medidas migratórias, a Casa Branca tem dependido de fundos emergenciais e do emprego de tropas militares. Vale ressaltar que, embora sua política anti-imigração tenha sido central em sua campanha eleitoral, ela já não conta com o apoio da maioria da população – uma pesquisa recente do Washington Post apontou que 54% desaprovam sua repressão contra os imigrantes.

Ao mesmo tempo, há mais de 143 ações e ordens judiciais que suspenderam, pelo menos temporariamente, várias das medidas anti-imigrantes, incluindo uma decisão que proíbe o uso de uma antiga lei de 1798 para justificar detenções e deportações, e outras que congelam a deportação de diversos indivíduos que o governo acusa de terem criticado sua política conivente com Israel em Gaza.

Há poucas semanas, para reforçar o apoio à repressão contra os migrantes, o Departamento de Segurança Interna divulgou um vídeo no qual a secretária Noem descreve os crimes de diversos criminosos violentos que estão sendo deportados. Essa justificativa está sendo usada para as dramáticas, mas pouco eficazes, operações de prisão e deportações expressas, acusando as vítimas de pertencerem a quadrilhas criminosas no México, na América Central ou na Venezuela – inclusive em casos em que foi comprovado que muitos não têm nenhum histórico criminal. Além disso, imigrantes – especialmente os indocumentados – são menos propensos a cometer crimes violentos do que cidadãos do país, segundo dados oficiais.

Defensores denunciam que muitos – em alguns casos, a maioria – dos detidos em operações do governo federal são trabalhadores, alguns com décadas de residência nos Estados Unidos. Mas o governo, com seu enorme talento para criar espetáculo, continua realizando operações amplamente divulgadas em diversas regiões do país.

Em Washington, agentes à paisana dos serviços de imigração foram vistos visitando restaurantes, onde solicitaram entrevistar trabalhadores nas cozinhas, abordando entregadores e mensageiros nas ruas e exigindo documentos de identidade. Os oficiais foram também fotografados esperando em estações de metrô utilizadas por migrantes. Os estacionamentos das grandes lojas de materiais de construção, onde trabalhadores diários costumam aguardar por oportunidades de emprego, ficam vazios quando surgem notícias sobre possíveis operações .

Diversos donos de restaurantes impediram a entrada dos agentes por falta de mandado judicial, mas ainda assim os oficiais seguem solicitando acesso a informações sobre a legalidade dos empregados.

Esse tipo de operação já foi realizado na Flórida e em Chicago, entre outras localidades, com o efeito desejado de intimidar e aterrorizar as comunidades imigrantes. Em Massachusetts, uma professora entrevistada pelo La Jornada relatou que quase um terço dos alunos de sua turma bilíngue desapareceu em janeiro, pouco depois da posse de Trump.

Na região oeste do estado de Nova York, foi relatado que agentes de imigração subiram em um ônibus repleto de trabalhadores agrícolas que participavam de um esforço de organização da mão de obra naquela área. Enquanto isso, moradores filmaram agentes chegando a casas e apartamentos em várias comunidades, alguns deles invadindo residências ou veículos ilegalmente, inclusive com uso de força. Essas cenas se repetiram em diferentes partes do país.

Embora alguns advogados, juízes e políticos que se opõem a essas medidas anti-imigrantes tenham sofrido ataques por parte do governo Trump – sendo acusados de proteger criminosos e de serem inimigos do país –, e alguns agora evitem processos contra o governo, nem todos estão intimidados.

Moradores em diversas partes do país têm impedido a entrada de agentes e documentado ações e abusos legais cometidos pelas autoridades que chegam para perseguir e deter imigrantes. Escolas continuam se preparando para impedir o ingresso de autoridades migratórias sem autorização judicial, enquanto outros promovem campanhas educativas sobre os direitos civis de todos os habitantes do país.

Recentemente, o prefeito de Newark, Nova Jersey, Ras Baraka, liderou um protesto nos arredores de um novo centro federal de detenção de imigrantes e anunciou que a administração municipal emitirá sanções por violações de códigos de incêndio, entre outras medidas, para aplicar leis locais e fechar a instalação.

Em maio, quando a secretária de Segurança Interna visitou a cidade de Springfield, em Illinois – como parte do espetáculo televisivo que já encenou em diversos lugares, incluindo Nova York, onde se juntou, em trajes camuflados, a uma equipe armada de agentes, com a maquiagem intacta, em frente à famosa prisão de El Salvador –, o deputado federal mexicano-americano Jesús “Chuy” García denunciou imediatamente a visita. “A secretária Noem chegou a Springfield tentando intimidar, dividir e transformar os imigrantes em bodes expiatórios. Mas em Illinois, nossas leis refletem nossos valores. Não temos medo. Estamos organizados. Continuaremos lutando para fortalecer nossa comunidade, educar nossos vizinhos e nos unirmos contra o ódio”, declarou.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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