“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” George Orwell, 1984.
O governo está tentando apagar a história dos Estados Unidos. Através de ameaças, ordens executivas e outras medidas, o regime de Trump está tentando impor uma nova versão da narrativa oficial nas escolas públicas, museus, universidades, centros culturais e até dentro do próprio governo.
Foi dada a instrução de que toda instituição financiada de alguma forma pelo governo federal deve eliminar cursos, exposições, obras e outros materiais que se refiram ao que é qualificado como uma visão “esquerdista” da história nacional. Um dos inimigos é o DEI: diversidade, equidade e inclusão, o termo que descreve programas, iniciativas e medidas adotadas por escolas e universidades, empresas, bibliotecas, equipes esportivas, meios de comunicação e outras instituições, como parte das conquistas dos movimentos de direitos e liberdades civis ao longo de mais de um século. Mas isso não para por aí; estende-se a um processo de censura dentro do próprio governo.
Desde que Trump e sua equipe chegaram à Casa Branca, milhares de páginas (mais de 8 mil nos primeiros 12 dias) de sites do governo foram apagadas ou modificadas, desde informações sobre saúde e vacinas até investigações criminais – incluindo uma base de dados pública sobre investigações judiciais dos participantes da tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 – até informações sobre controle de armas de fogo, crimes de ódio e discriminação contra a comunidade LGBTQ+, tudo sob a orientação de eliminar temas relacionados ao DEI ou ao que chamam de “ideologia de gênero”.
Continua a massiva campanha de desinformação, bem praticada durante o primeiro mandato de Trump, quando foram quebrados recordes históricos sobre o volume de mentiras e enganos; o Washington Post manteve um monitoramento diário que registrou um total de 30.573 declarações falsas ou enganosas, uma média de 21 por dia durante seus quatro anos na Casa Branca. Mas, neste segundo período, isso se combina com o ato de literalmente apagar e destruir parte do histórico ou registro público, substituindo-o por uma versão oficial “limpa” do presente e do passado estadunidense. Historiadores, bibliotecários, cientistas e acadêmicos estão denunciando que isso é nada menos que uma purga sem precedentes da história do país.
“Placas tectônicas estão se movendo, e uma nova versão da verdade está sendo projetada, e isso… é o perigo mais profundo que jamais enfrentamos como nação,” opinou o especialista constitucional e professor emérito Laurence Tribe, da Universidade Harvard, ao New York Times recentemente.
Não estão apenas sendo apagados documentos e sites, mas também existe uma lista oficial de centenas de palavras marcadas como inaceitáveis, que devem ser “limpas” de documentos, programas, bolsas e sites governamentais. A PEN America oferece uma lista de palavras que não devem figurar em narrativas e explicações oficiais. Essa lista inclui aborto, imigrantes, inclusividade, diversidade, antirracismo, ódio, mudança climática, povo indígena, LGBTQ, Golfo do México e mulheres. Ah, sim, também: injustiça e justiça social (link para a lista de palavras proibidas).
Quase não é necessário comentário, ainda mais quando devemos usar todas essas palavras. Defensores da liberdade de expressão afirmam que isso é a maior extensão da censura de livros que a direita tem impulsionado há anos, e que continua até hoje. Como recentemente comentou Keith Richards ao receber um reconhecimento em uma pequena biblioteca pública em Connecticut: “É muito importante manter nossos livros não queimados.”
Não deve surpreender — nem se falar — que, na lista de livros frequentemente censurados historicamente neste país, esteja um livro do passado que, em parte, previu o presente dos Estados Unidos: 1984, de George Orwell.
David Bowie – 1984
La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.