Os resultados das eleições municipais de 2020 marcaram o retorno de partidos tradicionais e o fim da onda da antipolítica entre o eleitorado brasileiro.
O partido Democratas (DEM) foi um dos partidos que tiveram maior aumento no número de prefeitos eleitos neste ano.
“No primeiro turno das eleições de 2020, o DEM teve um surpreendente crescimento de 74% no número de prefeitos eleitos, passando de 268 a 459”, afirmou o professor e pesquisador do Departamento de Ciência Política e do Centro de Pesquisas em Humanidades da Universidade Federal da Bahia, Wendel Cintra, à Sputnik Brasil.
Apesar do resultado, “o DEM continua atrás de outras agremiações como MDB, que elegeu 775 prefeitos, o PP com 681, o PSD, com 539, e o PSDB, 512”.
No entanto, é necessário considerar que, a partir de 2002, o DEM passou por uma fase de forte retração, desgastado por ter-se mantido na oposição aos governos petistas por 14 anos.
“Esse tempo de vacas magras foi importante para a renovação geracional do DEM”, acredita Cintra. “Os quadros do partido mais propensos ao fisiologismo procuraram outras agremiações, o que se por um lado diminuiu a força política do partido, por outro tornou-o mais coerente do ponto de vista programático.”
Para o professor, “o DEM pode ser definido com um partido ideologicamente identificado com as pautas do liberalismo econômico”, com “bom trânsito entre as elites regionais e empresariais”.
“Sua agenda e atuação legislativa desde então se caracterizou pela defesa de pautas como privatizações, redução do papel do Estado e desregulamentação da economia”, explicou Cintra.
Essa agenda explicaria o apoio que o partido, que se chamava PFL até 2007, selou com a gestão Fernando Henrique Cardoso e o PSDB, na década de 1990.
A ênfase no liberalismo econômico se manifesta atualmente na atuação de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, que apoiou a reforma da previdência e “promove as reformas administrativas e tributária”.
“O êxito do partido nas eleições municipais de 2020 tem a ver com sua capacidade de se organizar nacionalmente, renovar suas lideranças e fazer alianças”, disse Cintra.
O partido foi capaz, por exemplo, de eleger Rodrigo Maia para a presidência da Câmara mesmo ocupando somente 29 cadeiras de um total de 513 na casa.
“A ascensão de novas lideranças, como ACM Neto e Rodrigo Maia, evidencia essa renovação interna e mostra que se trata de uma organização partidária resiliente”, declarou Cintra.
Agência Brasil
Jair Bolsonaro ao lado de Rodrigo Maia durante encontro da equipe de transição, em 2018.
Antônio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador entre 2012 e 2020, fez mandato “bem avaliado pelo eleitor soteropolitano” e elegeu seu sucessor, com facilidade, no primeiro turno, com 64% dos votos.
Atual presidente nacional do DEM, ACM Neto “logrou costurar uma aliança com nada menos que 15 partidos políticos em torno da candidatura de Bruno Reis (DEM)”, relatou Cintra.
Para o pesquisador, as proporções da vitória do partido não devem ser exageradas, “mas mostra que o partido tem força e potencial de crescimento e certamente será um ator importante nas negociações para as eleições presidenciais de 2022”.
Quem tem medo do DEM?
A ascensão do DEM como um partido de direita clássico será um desafio tanto para a esquerda, que poderá ter um adversário pragmático e bem organizado nacionalmente, quanto para a extrema-direita, que pode perder votos do eleitor cansado de agendas mais radicais.
A relação entre o DEM e o bolsonarismo não é de alinhamento, e as chances de o partido integrar uma coalisão de apoio à reeleição do atual presidente, Jair Bolsonaro, são relativamente baixas.
“O DEM faz parte de uma direita tradicional, completamente distinta no seu modo de operar e fazer política da extrema-direita bolsonarista”, disse Cintra.
Para o professor, “a agenda da guerra cultural e o modus operandi da extrema-direita são estranhos ao universo da direita tradicional representada pelo DEM”.
“Na Presidência da Câmara, Rodrigo Maia atua como um poder moderador, exercendo veto à agenda extremista do presidente [Bolsonaro] na área dos costumes e freando medidas autoritárias”, lembrou Cintra.
Apesar das desavenças, a defesa do liberalismo econômico e da diminuição do papel do Estado na economia aproxima essas duas forças políticas.
Na avaliação de Cintra, o DEM deve trabalhar para construir uma candidatura de centro-direita, que deve se opor à candidatura bolsonarista em 2022.
“É de se esperar que […] o DEM desempenhe um papel importante nas negociações em uma eventual chapa antibolsonarista de direita ou centro-direita, não necessariamente com candidato próprio”, disse o professor.
Segundo Cintra, a construção dessa chapa será um desafio, afinal “não é nada fácil” aglutinar tantos candidatos com potencial eleitoral, como João Dória, Sérgio Moro, Luciano Huck, Luiz Henrique Mandetta, Rodrigo Maia ou ACM Neto, em uma só candidatura.
De qualquer forma, Jair Bolsonaro, que ainda está sem partido e viu muitos de seus candidatos à prefeito perderem as eleições neste ano, terá que se preparar para enfrentar uma centro-direita renovada em 2022.
Se pudesse dar um conselho a Bolsonaro, Cintra lhe diria que “os ventos do mundo e do país sopram contra o populismo de extrema-direita”.
“Mas suspeito que, como o escorpião daquela antiga fábula, Bolsonaro termine por picar traiçoeiramente seu sapo conselheiro. E na travessia do rio revolto pronuncie, enquanto se afoga: ‘lamento, mas esse é meu instinto'”, concluiu o professor.
O partido Democratas foi criado com o nome de PFL durante o período de transição democrática, por figuras como José Sarney e Marco Maciel, para se opor à candidatura de Paulo Maluf (PDS) à presidência da República em 1985.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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