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Acre: Comunidades denunciam projeto de compensação de carbono Envira REDD+

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

O Projeto Envira Amazônia é um dos três empreendimentos de compensação de carbono florestal (REDD+) que a empresa estadunidense CarbonCo LLC está desenvolvendo no estado brasileiro do Acre.

Jutta Kill

O projeto abrange quase 40 mil hectares de floresta amazônica e faz parte de uma enorme área de 200 mil hectares, dos quais a empresa JR Agropecuária e Empreendimentos EIRELI alega ser proprietária. Porém, essa propriedade é contestada. Famílias de seringueiros vivem naquelas terras há gerações, mas a maioria não conseguiu obter documentos legais que confirmem seus direitos fundiários.

O projeto de REDD+ ameaça o futuro da comunidade porque impõe restrições ao futuro uso da terra e impede que as famílias voltem a usar terras agrícolas da comunidade não utilizadas na última década.

O principal dono da empresa brasileira envolvida no projeto de REDD+ Envira Amazônia é Duarte José do Couto Neto. Do Couto Neto está ligado a vários empreendimentos[1] e foi candidato pelo partido de extrema-direita Prona, no Acre, nos anos 1990. Ainda em setembro de 2017, manifestou apoio ao atual candidato da extrema-direita à presidência do Brasil e também à ditadura militar, afirmando sentir “saudades e muita do regime militar” (sic)[2].

Como na maior parte da Amazônia brasileira, a situação fundiária dentro da área do projeto é complicada e alvo de disputa, mas essa realidade é ignorada nos documentos do próprio projeto: a alegação de propriedade de inacreditáveis 200 mil hectares é aceita como verdade, e não se menciona qualquer disputa sobre a terra. Os consultores que deram o selo de certificação Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB) também não questionaram como uma pessoa — neste caso, Duarte José do Couto Neto — conseguiu adquirir legalmente uma extensão tão vasta de terras relativamente próxima à fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru.

Os seringueiros vêm usando essa área há gerações e, portanto, têm direitos legais sobre a terra que ocupam, embora muito poucas famílias possuam títulos de propriedade. Cerca de dez famílias de seringueiros que se tornaram agricultores possuem título de suas terras dentro dos quase 40 mil hectares que compõem o projeto de REDD+ Envira Amazônia.

Além disso, cerca de 40 famílias vivem dentro da área circundante, mas fora dessa área de 40 mil hectares do projeto REDD+. De acordo com seus documentos, o projeto de REDD+ afirma proteger todos os 200 mil hectares e sugere que essas comunidades situadas fora da área do projeto também são beneficiadas, mas não explica por que ou como elas seriam envolvidas ou afetadas.

Em 2015, o projeto de REDD+ Envira Amazônia foi certificado segundo o padrão Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB) pelo parceiro brasileiro da Rainforest Alliance, a Imaflora. As avaliações para outra certificação chamada Verified Carbon Standard (VCS – atualmente chamada Verra) foram realizadas pela Environmental Services Inc[3]. As certificadoras emitiram o primeiro lote de créditos de carbono do projeto em 2016, e um segundo lote em novembro de 2017[4]. O banco de dados do VCS mostra que, em 2016/2017, foram vendidos pelo menos 750 mil créditos de carbono do projeto de REDD+ Envira Amazônia[5].

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Quando o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM) visitou famílias que moram dentro dos quase 40 mil hectares do local do projeto de REDD+ Envira Amazônia, em março de 2018, os membros da comunidade não sabiam que o projeto já havia sido “aprovado” e que já estava vendendo créditos de carbono.

Os moradores explicaram que uma grande quantidade de estrangeiros havia visitado a área nos anos anteriores, mas poucos conversaram com eles e muitos pareciam não falar português. Eles haviam realizado estudos e uma pessoa visitava cada família individualmente para convencê-los a apoiar o projeto de carbono.

A maioria das famílias havia assinado um formulário sugerindo apoio ao projeto ou tinha sido fotografada ao receber um kit dental. Esse kit continha um pequeno tubo de pasta de dentes e uma escova e, juntamente com a oferta de uma consulta gratuita a um dentista, é o único benefício tangível que os membros da comunidade receberam até o momento.

 

Promessas (vazias)

 

Embora os moradores não tenham visto nenhum benefício tangível além do kit dental e uma consulta única ao dentista, muitas promessas foram feitas na apresentação do projeto às famílias.

Os moradores confirmaram que as promessas correspondem àquelas mencionadas no documento do projeto preparado para a certificação do CCB: “JR Agropecuária e Empreendimentos EIRELI também irá implementar inúmeras atividades para ajudar as comunidades locais e atenuar as pressões de desmatamento, tais como: oferecendo cursos de formação de extensão agrícola; começando patrulhas dos potenciais locais de desmatamento nas fases iniciais do projeto; concessão de posse de terra para as comunidades locais; e criação de atividades económicas alternativas, incluindo a comercializar a coleção de plantas medicinais e açaí”[6].

Crédito: Divulgação.

Em 2015/2016, a Imaflora concedeu um certificado CCB “Nível Ouro” ao projeto de REDD+ Envira Amazônia, com base nas promessas feitas à comunidade por quem implementa o projeto. No entanto, nenhuma dessas promessas foi cumprida. Como mencionado acima, os proprietários do projeto parecem nem ter informado a comunidade de que ele havia sido aprovado nas avaliações de certificação nem de que já estava vendendo créditos de carbono.

A propaganda do projeto de REDD+ Envira Amazônia também destaca os benefícios que ele supostamente traria à comunidade. Por exemplo, um anúncio sobre o projeto no site carbonfund.org afirma que a comunidade está se beneficiando dele: “Os projetos sociais e as atividades para mitigar as pressões do desmatamento e beneficiar as comunidades locais incluem, entre outras coisas, cursos de extensão agrícola, patrulhamento em barco de áreas com potencial para desmatamento, melhoria das escolas locais e postos de saúde, e desenvolvimento de infraestrutura local para coletar, transportar e vender açaí, plantas medicinais e borracha de origem local”[7].

Foram incluídas fotografias de crianças em frente à escola comunitária (que não funciona há dois anos e está em mau estado) e uma foto de uma reunião da comunidade dentro do prédio da escola, sugerindo um projeto benéfico para a comunidade local.

 

Realidade de restrições

 

Enquanto os donos de projetos e organismos de certificação criam uma realidade virtual em que o projeto de REDD+ Envira Amazônia beneficia famílias dentro de sua área, a realidade concreta para a comunidade é semelhante àquela enfrentada pelas comunidades afetadas pelos outros dois projetos de REDD+ da CarbonCO LLC no Acre: Purus e Valparaiso/Russas[8]. Um latifundiário com título de propriedade questionável aproveita a situação de insegurança jurídica sobre a posse da terra e a localização isolada da comunidade e utiliza sua posição de poder sobre as famílias para impor restrições ao uso de terra que provavelmente acelerarão o êxodo rural.

O projeto de REDD+ Envira proíbe o uso da floresta por famílias de seringueiros fora dos 150 hectares atualmente disponíveis para cada uma das famílias que vivem dentro da área do projeto. Portanto, os moradores não podem usar novamente pedaços de terra recentemente abandonados que eram usados ​​por famílias de seringueiros até a década de 1990. Isso forçará os jovens que cresceram na área e desejam dar continuidade ao modo de vida de seus pais — como seringueiros e agricultores — a deixar a terra e migrar para as cidades, onde as oportunidades de emprego serão escassas. Em áreas próximas, grandes proprietários de terras continuam desmatando para criar gado, mas se nega às famílias seringueiras e agricultoras a terra usada há gerações para extração de borracha e pequena agricultura.

A realidade virtual de um projeto de REDD+ que proporciona benefícios de “Nível Ouro” à comunidade, criada pelos anúncios no site carbonfund.org e os relatórios de certificação, está em nítido contraste com a realidade das promessas vazias e das futuras restrições ao uso da terra que caracterizam o projeto de REDD+Envira Amazônia.

Jutta Kill é membro do secretariado internacional do WRM

__

Outro lado:

 

A redação da revista virtual Diálogos do Sul entrou em contato com a empresa Carbonfund, citada na matéria, para um posicionamento a respeito das denúncias. Segue a resposta enviada por Brian McFarland, o Diretor de Projetos da Carbonfund.org:

Eu gostaria de agradecer muito pelo seu e-mail. Eu agradeço que você tenha me contatado para a sua história, pois acredito que isso tenha a ver com uma postagem negativa no blog de Tarauacá [não temos conhecimento da postagem a que ele se refere]. Estou feliz em explicar.

Primeiro, observe que o mercado de carbono é uma indústria muito aberta e transparente. Digo isso porque todos os nossos documentos de projeto e todos os relatórios de auditorias são disponibilizados publicamente. Por exemplo, você pode encontrar todos esses documentos de projeto para o Projeto Envira Amazônia aqui:

1.) Banco de Dados do Projeto VCS: http://www.vcsprojectdatabase.org/#/project_details/1382

2.) Registro Ambiental Markit: https://mer.markit.com/br-reg/public/project.jsp?project_id=103000000006782

Em segundo lugar, observe que todos os quatro projetos REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), incluindo o Projeto Envira Amazônia, são auditados de forma independente em relação aos padrões internacionais de certificação para garantir que os projetos apresentem benefícios positivos ao clima, à comunidade, à biodiversidade. Esses benefícios para a comunidade incluem, mas não estão limitados, a: cursos gratuitos de extensão agrícola; conceder títulos às comunidades para fortalecer seus direitos de posse da terra; construção de clínicas de saúde, entrega de suprimentos médicos e facilitação de visitas a médicos e dentistas; e contratar membros da comunidade local para ajudar nas atividades do projeto.

Terceiro, observe que uma das metas essenciais para todos os quatro projetos é melhorar a qualidade de vida das comunidades locais. Nós não estamos tentando, de forma alguma, tornar suas vidas mais difíceis. Eu acho que este é um ponto muito importante e algo que é muitas vezes mal interpretado.

Por exemplo, os projetos não devem restringir os meios de subsistência tradicionais das comunidades, impedindo-os de caçar, pescar e/ ou utilizar as árvores para construir suas casas e barcos. Em vez disso, os projetos estão tentando ensinar às comunidades formas mais sustentáveis ​​de agricultura que levarão a menos desmatamento ao longo do tempo e melhorarão sua qualidade de vida aumentando seus rendimentos agrícolas, aumentando suas rendas e diversificando suas rendas.

Quarto, reconhecemos o papel central que as crianças desempenham em serem administradores dos recursos naturais do mundo. Em nossos projetos, estamos tentando ajudar as crianças: fornecendo suprimentos (por exemplo, quadros-negros, livros, etc.) para as escolas locais; construção de novas escolas; doar suprimentos (por exemplo, bolas de futebol, roupas infantis, etc.); e facilitando a aquisição de um barco de ônibus escolar.

– Brian

[1] Os documentos de certificação incluem uma lista parcial de empresas e propriedades do Acre e do Mato Grosso, que aparentemente são monitoradas como parte da certificação do projeto de REDD+ (para evitar o chamado vazamento, isto é, que o proprietário simplesmente transfira gado a essas outras propriedades). Várias dessas propriedades listadas (por exemplo, a Seringal Canadá) fazem parte da grande propriedade de 200.000 hectares onde está o projeto de REDD+. No entanto, a lista parece estar incompleta e não inclui atividades no estado do Amazonas, mencionadas por vários moradores da região. Pelo menos duas empresas que indicam Couto Neto como seu sócio não constam na lista: Santa Cruz da Amazônia Empreendimentos Ltda e Start Up da Amazônia Projetos de Exploração Sustentável Ltda Me.

[2] Comentário de Duarte José do Couto Neto ao artigo “General do exército bate forte no STF”

[3] Relatórios financeiros da organização sem fins lucrativos Carbonfund.org mostram um pagamento de US$ 136.802 em 2015 à Environmental Services Inc. Os relatórios não explicam se esse foi o custo da validação e da verificação do projeto de REDD+ Envira Amazônia ao padrão de carbono VCS. A CarbonCo LLC é uma subsidiária cuja propriedade total é da Carbonfund.org. O relatório anual da Fundação Carbonfund.org 2016 está disponível aquiaqui.

[4] Veja aqui a longa lista de documentos de certificação de carbono e CCB do Verra/VCS.

[5] Link para o banco de dados do VCS/Verra.

[6] Documento do projeto Envira Amazônia preparado para a certificação do CCB, página 3. Versão em Português

[7] Anúncio da Carbonfund.org para o projeto de REDD+ Envira Amazônia

[8] Para obter informações sobre os impactos desses projetos de REDD+ sobre as comunidades dentro de suas áreas, consulte a publicação do WRM.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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