Fracassada a intenção de aprovar a reforma da Previdência, sob o argumento de necessidade de fazer caixa, o governo federal agora tenta emplacar a privatização da Eletrobras.
Conforme apuração da Sportlight, a mudança no critério de escolha da FSB coincide com o início da gestão de Wilson Pinto Ferreira Junior na presidência da estatal. Foto: Marcelo Camargo/ABr“Frustrada aquela tentativa, [o governo] voltou suas metralhadoras para o grupo”, atesta José Antonio Latrônico Filho, representante da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) nas negociações coletivas com a holding e presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas (Abee).Para tanto, aparentemente, vale tudo: conforme divulgado pela Agência Sportlight, a atual gestão da Eletrobras contratou sem licitação assessoria de comunicação por R$1,8 milhão para manchar o nome da empresa e, assim, ganhar a opinião pública para a “urgência” da privatização.Para Latrônico, precisaria ser feita uma revisão do modelo do setor elétrico, o que, por si só, comprovaria que vender a Eletrobras é um mau negócio diante do serviço prestado ao País. “Não há dúvida de que o ideal é que fique nas mãos do Estado, com gestão profissionalizada, sem a costumeira influência política predatória. O Brasil ganha com isso”. A base do governo no Congresso Nacional, contudo, segue o caminho não indicado pelos técnicos: tenta destravar a venda, cuja previsão de arrecadação ao Tesouro é de R$ 12,2 bilhões, ante ativos da estatal que podem chegar, como afirma Latrônico, a R$ 350 bilhões, segundo dados do mercado. A Eletrobras é a maior holding de energia da América Latina e responde por 31% da geração no Brasil e 47% da transmissão. Por isso mesmo, os valores vêm sendo contestados por técnicos, políticos e juristas. A despeito disso, após acordo no Legislativo, a Comissão Mista que analisa a Medida Provisória 814/2017, relativa à inclusão da Eletrobrás e subsidiárias no Programa Nacional de Desestatização (PND) aprovou o parecer do relator, o deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ). A MP tramita em regime de urgência e perde validade em 1º de junho próximo. A expectativa de Lopes é que o texto seja votado em plenário até a próxima semana.Como explica Latrônico, o governo fala em descotização, ou seja, “para aumentar seu capital social venderá suas cotas à iniciativa privada para que essa faça a gestão do negócio”. Ao usar tal eufemismo, busca mascarar o que ele classifica como “entrega” do patrimônio público — e para o capital internacional. O especialista aponta uma das consequências dessa privatização: “O sistema de transmissão brasileiro trouxe um grande avanço tecnológico ao País. É característica nossa a transmissão de energia de longa distância, de corrente contínua. Vamos perder tudo isso, e qualquer avanço tecnológico experimental ficaria com os estrangeiros.”Latronico observa: “Temos aí uma série de condicionantes que devem ser discutidas antes de qualquer decisão governamental sobre a Eletrobras. Vamos apresentar um documento ao Tribunal de Contas da União (TCU) que contém análise técnica sobre a questão.” A contribuição deve se somar a esclarecimentos pedidos pelo Ministério Público, os quais levaram a atrasos na análise do edital de privatização das seis distribuidoras que comporiam o primeiro bloco para leilão, marcado para 21 de maio, pelo plenário do TCU.Aliada nessa batalha está a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Engenharia, Infraestrutura e Desenvolvimento Nacional, que incluiu o tema como prioritário em sua agenda de 2018. “A privatização da Eletrobras não é viável para o nosso país, vai muito além do pequeno valor pelo qual querem vender. É uma questão estratégica”, corrobora seu presidente, o deputado federal Ronaldo Lessa (PDT-AL). Juntamente com outros parlamentares contrários à privatização, ele apresentou em setembro de 2017 o Projeto de Lei 8.564/2017, que retira as distribuidoras de energia do PND.
Questionamentos
O presidente da ABEE, José Antônio Latrônico FilhoUm dos problemas apontados pela Abee é a transferência das dívidas das distribuidoras federalizadas ao grupo Eletrobras, para torná-las atrativas e viáveis ao investidor estrangeiro. A soma apresentada é de cerca de R$ 11 bilhões, mais encargos que superam os R$ 8,5 bi. “Vamos defender junto ao TCU que se faça uma auditoria da dívida.” Segundo o presidente da Abee, a Eletrobras quer limpar o balanço das distribuidoras, que entrariam no leilão em blocos separados. Depois, viria a cereja do bolo: o grupo e suas quatro grandes subsidiárias (Eletronorte, Eletrosul, Chesf e Furnas).Conforme Latrônico, para além das operações financeiras danosas ao interesse público, é preciso ter clareza que “geração e transmissão são estruturantes ao país”. Ele aponta ainda outras variáveis importantes que precisam ser consideradas. A preservação da soberania nacional na Amazônia depende da presença do Estado — e abrir mão das distribuidoras vai no sentido inverso.Ademais, é necessário levar em conta o conflito de interesses em relação ao uso múltiplo das águas no país e o contínuo déficit hidrológico. “Nos últimos dois anos, houve uma crise hídrica e há um déficit de R$ 6 bilhões judicializados. São centenas de liminares em que haverá necessidade à frente de um ajuste de contas. Esse é mais um entrave para a privatização”. Soma-se, como afirma Latrônico, o contingenciamento que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vem sofrendo em seu orçamento, “impedindo que cumpra com as suas obrigações legais de fiscalizar”. Ele é enfático: “Há necessidade de uma recuperação do órgão regulador para que cumpra integralmente sua missão, o que hoje já não consegue fazer em função do seu déficit interno.”Do ponto de vista tecnológico, o documento da Abee abordará as perdas em relação a programas de pesquisa e desenvolvimento. “1% do faturamento de energia no País vai para um fundo destinado a P&D”, o qual ficará nas mãos do investidor estrangeiro, cita. Perde a engenharia nacional e a sociedade como um todo.
Com a grandeza política que o caracteriza e que demonstrou em quase uma década à frente do país, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, felicitou seu homólogo Gustavo Petro, que em 7 de agosto assumiu como novo mandatário da Colômbia, junto com sua vice-presidenta Francia Márquez, para o período 2022-2026. “É preciso aproveitar esta segunda oportunidade pelo bem, pela paz e pela estabilidade da Colômbia e da Venezuela”, disse Maduro, retomando o discurso de Petro, que começou e terminou com a frase de García Márquez, no romance Cem anos de Solidão: “Tudo o que está escrito neles era irrepetível desde sempre e para sempre porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”.
Em troca, prometeu Petro, “esta segunda oportunidade começa hoje. Nosso futuro não está escrito. Podemos escrevê-lo juntos em paz e unidade”. Por isso, disse que nenhum país deve ser atacado e se pronunciou a favor de uma verdadeira integração latino-americana, baseada na solidariedade e na igualdade de condições.
Uma promessa sobre a qual pende todo o peso da oligarquia, que fechou os espaços de viabilidade política à oposição desde 9 de abril de 1948, com o assassinato do líder liberal Eliécer Gaitán. Desde então, a violência tornou-se estrutural na Colômbia, permeada e renovada pelo jugo do grande capital internacional que estruturou o país como o gendarme estadunidense no continente, a serviço do complexo militar-industrial.
Tanto Petro, que vem da guerrilha e sempre apostou em uma saída pacífica para o conflito, como o presidente do Senado, Roy Barreras, que negociou com as Farc em Cuba em nome do governo de Santos, abordaram o tema em seus discursos inaugurais. Ambos destacaram a necessidade de remover as causas do conflito, que se prolonga desde a década de 1960, começando pela falta de reforma agrária, sempre desprezada, e pelo grande negócio da “segurança” e da “luta contra o narcotráfico” segundo o modelo dos EUA. Uma política fracassada, disse Petro, colocando a implementação dos Acordos de Paz no primeiro lugar de um programa de 10 pontos. No ponto 6, propôs outra visão da “segurança”, baseada na justiça social e não na repressão.
O veto de Iván Duque, que quis deixar sua marca escolhendo quem convidar e quem excluir (Venezuela, Nicarágua e Cuba), como estava entre suas prerrogativas até o último dia da presidência, é no entanto uma ameaça pendente. Lembra aqueles aviões militares que decolaram quando as Farc pronunciaram seu discurso, durante a assinatura dos Acordos de Paz, em Cartagena, em setembro de 2016. E, em dezembro, depois de receber o Prêmio Nobel da Paz, o ex-presidente Manuel Santos solicitou ingresso na Otan, da qual a Colômbia é agora país associado, o único no continente.
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Viu-se qual era a ideia de “paz” de Santos, o ex-ministro da Defesa de Uribe, responsável pelo aumento de execuções extrajudiciais durante sua gestão, com a investigação do governo bolivariano sobre o papel que desempenhou, suportando o magnicídio frustrado contra Maduro, justo antes de passar a presidência a Duque, em agosto de 2018. Por ora, o único sinal importante em relação à Venezuela foi a reunião no estado de Táchira entre o novo chanceler colombiano, Álvaro Leyva, e seu homólogo venezuelano Carlos Farías, com vistas à reabertura das relações diplomáticas e consulares.
Nos pontos 8 e 9, Petro incluiu a proteção do território, entendendo por isso principalmente a defesa integral do meio ambiente, começando pelo pulmão verde do planeta, a Amazônia. E, nesse sentido, dirigiu ao mundo e às grandes instituições, como o FMI, a proposta de utilizar a dívida para proteger os bens comuns. A reconstrução de uma sociedade tão desigual – uma das mais injustas do mundo, que faz os mais frágeis suportarem o peso de suas contradições estruturais – deve basear-se não no egoísmo e na opressão, e sim na solidariedade, disse Petro.
Daí o convite para pagar impostos, proporcionalmente à renda, e a focar na redistribuição social da riqueza que, disse, baseia-se no trabalho e na produção nacional. Certamente, não serão os discursos ecumênicos que convencerão os poderes oligárquicos a ceder umas migalhas do bolo, nem um sistema global regido pelo modelo capitalista a subtrair-se de seus vorazes interesses para dar um pouco de ar ao planeta.
No entanto, a mensagem foi dada, provocando a mesma expectativa que o anúncio de Rafael Correa sobre o Parque Nacional Yasuní, na Amazônia equatoriana: não extrairemos o petróleo que necessitamos para melhorar a vida de nosso povo - disse Correa - se o mundo rico compensar a perda com doações voluntárias. Obviamente, tudo ficou encalhado em poucos anos com um ponto morto e o descontentamento dos ecologistas.
Reprodução Instagram Socialismo do século XXI nunca esteve tão presente nos dez pontos do programa de Petro
Quanto ao governo do território, à soberania, e a construção de “um país de paz”, ambicionado por Petro, a Colômbia é muito pior que o Equador de Correa, que conseguiu fechar a base de Manta onde se organizou o bombardeio de um acampamento guerrilheiro na fronteira com a Colômbia, em 2 de março de 2008. O país que Petro herda é hoje uma gigantesca base militar estadunidense, a serviço de uma economia de guerra que tem seu correlato mortal nas políticas de controle social, profusamente financiadas pelos grandes think-tanks de Washington e Israel, começando pela USAID. Não à toa, os EUA enviaram Samantha Power, hoje titular da USAID, uma grande defensora das medidas coercitivas unilaterais, que apoiou e apoia, sob a aparência de “defensora dos direitos humanos”.
Duque também proibira a entrada da espada do Libertador Simón Bolívar, mas nisso Petro não cedeu. Não esqueceu quando a guerrilha de que formava parte, o M-19, roubou o símbolo da independência em 1974, dizendo que só o devolveria quando se restabelecesse a “liberdade do povo”. De fato, a espada, enviada a Cuba em 1980, foi devolvida em 1991, quando o M-19 fechou suas portas e assinou um acordo de paz, em um ato público do qual participou o próprio Petro.
O fato de que Petro não sofresse a imposição do uribismo teve um forte significado simbólico. Ele mandou buscar a espada de Bolívar e fez referência ao Libertador, San Martín, Artigas, Sucre e O’Higgins. “Não se trata de utopia nem de romantismo'', disse. É o caminho que nos tornará mais fortes neste mundo complexo. Hoje devemos estar mais unidos do que nunca. Como disse Simón Bolívar: “A união deve nos salvar, assim como a divisão nos destruirá se conseguirmos nos penetrar”.
E embora tenha pesado muito a ausência do principal governo bolivariano do continente, o de Chávez e Maduro, o Socialismo do século XXI nunca esteve tão presente nos dez pontos do programa de Petro, muitos dos quais a revolução bolivariana leva muito tempo construindo: começando pela igualdade de gênero, um dos pontos mais fortes e prometedores do programa de Petro e Francia Márquez, que vai dirigir o recém criado Ministério para a Igualdade de gênero. O novo presidente evocou inclusive a possibilidade de uma união cívico-militar que, dado o caráter antipopular, tradicionalmente anticomunista e repressor da Força Armada colombiana, implicaria uma verdadeira revolução.
Um projeto que necessita de uma mudança estrutural e não só de uma mudança de governo, por muito “histórico” que seja.
Para isto – outro fato altamente simbólico – houve, como convidados especiais, camponeses, pescadores e trabalhadoras informais, embriões do poder popular.
Geraldina Colotti | Resumen Latinoamericano Tradução: Ana Corbisier.
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