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Há 50 anos da Primavera de Praga: uma revolução sufocada

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

A “Primavera de Praga” foi sufocada há 50 anos. As possibilidades de democratizar as “democracias populares” a partir do seu seio reduziram-se drasticamente; mas permanecerá o seu exemplo, como gesto coletivo de audácia e de combatividade, de entrega generosa, que encheu as ruas de Praga e de outras cidades e que levou muito mais longe a vontade de combater o Estalinismo como forma pervertida e enquistada de um poder autoritário e burocrático.

Por João Madeira

A partir de 1948, a Checoslováquia adoptou plenamente o modelo das “democracias populares” tal como haviam sido afeiçoadas e satelizadas pela União Soviética de Estaline após a segunda guerra mundial. Foi um processo de homogeneização económica e social, assente num regime de partido único exercendo um controlo absoluto sobre a sociedade, na submissão incondicional ao PC da União Soviética, na estatização total da economia com mecanização da agricultura e industrialização forçada, segundo um sistema de planificação económica decalcado do soviético, baseado em planos quinquenais.

O processo de desestalinização mitigada ocorrido após o XX Congresso do PCUS não se refletiu significativamente no país e, de forma tardia, é apenas nos anos Sessenta que esse processo de desanuviamento se vai verificar, em cujo contexto Alexander Dubcek ascende a 1º Secretário do PC Eslovaco.

Não há, todavia, uma acção determinada nesse sentido e é pela emergência de velhos problemas calcados pelo autoritarismo estalinista que vão germinando, de modo disperso, núcleos que se rebelam contra o dogmatismo dominante, reclamando novas políticas. São intelectuais pertencentes à União dos Escritores, à Academia das Ciências ou ao Instituto de Ciências Econômicas,que integram diversas comissões e grupos de trabalho junto da Direção do PC Checoslovaco e que se aliam a setores não comunistas.

 

Dubcek, que como secretário do PC Eslovaco integrava a Comissão Política do PC Checoslovaco, constrói uma rede de afinidades e solidariedades políticas dentro do partido, articulando-se com os setores de maior pulsão reformista. É de uma fração que se trata, que lhe permitirá acelerar, a partir de 1967-68 um conjunto de medidas de caráter reformista, no que ficou conhecido como a “Primavera de Praga”, acreditando poder mudar o partido e o regime por dentro

Trava-se uma luta forte e aberta dentro do PC Checoslovaco que conduz à demissão de Antonín Novotny, o principal dirigente que representava o poder estalinista enquistado, sendo substituído por Dubcek, já em 1968.

Em matéria política, o ímpeto reformista manifesta-se contra as restrições às liberdades individuais, expressas através da Censura ou da ação da polícia política, a que se acrescentavam reivindicações de caráter nacional, insurgindo-se contra a concentração do poder nas mãos de uma minoria checa e em defesa dos direitos dos eslovacos. Era contra o que designavam de “centralismo burocrático” de Praga que se levantavam.

Em matéria econômica criticavam a rigidez do regime, reclamando a reforma dos preços, o fim do congelamento salarial e uma maior abertura económica.

Em Abril de 1968 é publicado um Programa de Ação que tem em vista a separação do partido e do estado, a eleição dos dirigentes por voto secreto, o fim da autoridade imposta do partido, a criação de um sistema federal com o reconhecimento das nações checa e eslovaca em igualdade de direitos, uma reforma eleitoral com a possibilidade de escolher entre várias listas e vários candidatos, mais autonomia às empresas, a supressão da censura nos meios de comunicação, a liberdade de reunião.

O Programa de Ação é entusiasticamente recebido pela população num movimento em que convergem correntes  muito diversas, desde nacionalistas a social-democratas e a comunistas em rotura com a herança estalinista.

Criam-se novas organizações, clubes, jornais e nas fábricas constituem-se conselhos operários. O Programa de Ação começa a tornar-se insuficiente, exige-se mais. Cruzam-se várias dinâmicas no sentido de quebrar o monolitismo do Partido Comunista.

O 1º de Maio de 1968 rompeu com o caráter teatralizado das comemorações oficiais e constituiu uma enorme e calorosa manifestação de espontânea alegria e de disposição na construção de uma democracia socialista.

Várias sondagens em Maio e Junho desse ano apontavam para o fim do monopólio político por parte do Partido Comunista. 68% dos membros do partido e 86% da população consideravam desejável a instauração de um regime de pluralismo político.

Os dirigentes soviéticos inquietavam-se, receavam o contágio dessas ideias a outros países de democracia popular, temiam o desmantelamento do Pacto de Varsóvia e acenavam com os perigos da restauração do capitalismo.

No entanto, o grupo de Dubcek não questionava nem a matriz marxista nem o papel do partido, rejeitando unicamente o seu caráter autoritário e concebendo-o como dinamizador das transformações econômicas e sociais.

Mas para o PCUS era o modelo com que haviam satelizado as democracias populares que era posto em causa. É por isso exercida uma pressão fortíssima sobre os dirigentes checoslovacos. Sem resultados, restam as medidas de força, com o plano de invasão a ser decidido pela Comissão Política do PC da União Soviética em 20-21 de Julho e posto em movimento a 16 de Agosto.

Na noite de 20 para 21 de Agosto de 1968, um poderoso exército de 250 mil homens do Pacto de Varsóvia – a maioria da União Soviética, mas também da Bulgária, República Democrática Alemã, Hungria e Polónia invadia a Checoslováquia.

 

Engrossavam enormes manifestações que entoavam canções patrióticas. Os tanques soviéticos eram cercados pela população que tentava convencer os soldados de que haviam sido enganados e que apenas pretendiam tomar em mãos livremente o seu destino.

Na Praça junto ao Museu Nacional havia um grande pano onde se lia “Viva Dubcek! URSS para casa!” e é aí que se registam nos confrontos com o exército os primeiros feridos e mortos. A propósito das paredes do museu cravejadas de balas, inscrevia-se “A arte popular soviética surgiu nas paredes do Museu Nacional”

Aparecem os primeiros tanques pintados com a cruz suástica e são lançados coktails Molotov contra os blindados, incendiando alguns.

O exército invasor havia ocupado a sede do PC Checoslovaco e colocado os principais dirigentes sob prisão, para os levar depois para a União Soviética. Contudo, várias estruturas do partido realizam o XIV Congresso do partido. São 1100 delegados que se reúnem clandestinamente numa grande fábrica nos arredores de Praga, com os operários e milícias populares a assegurarem a defesa da reunião.

No Politika, jornal que o partido passa a editar, sublinha-se como a revolução checoslovaca, que vinha na esteira da revolução bolchevique de 1917, fora brutalmente interrompida pela invasão da União Soviética e dos restantes países do Pacto de Varsóvia.

Em Moscovo os dirigentes checoslovacos, sujeitos a fortíssimas pressões subscrevem um protocolo, redigido pelos soviéticos, segundo o qual é justificada a intervenção armada. Era a consumação da doutrina da “soberania limitada” de Brejnev, segundo a qual os soviéticos se arrogavam a intervir em qualquer país aliado.

A “Primavera de Praga” foi sufocada. As possibilidades de democratizar as “democracias populares” a partir do seu seio reduzem-se drasticamente; mas permanecerá o seu exemplo, como gesto colectivo de audácia e de combatividade, de entrega generosa, que encheu as ruas de Praga e de outras cidades e que levou muito mais longe a vontade de combater o estalinismo como forma pervertida e enquistada de um poder autoritário e burocrático. Sobre a falência desse modelo inscreveu-se e reforçou-se, todavia, no patrimônio da esquerda, a ideia da democracia socialista como alicerce do Socialismo.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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