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Áñez já está atrás das grades, e sem dúvida Boluarte seguirá esse mesmo caminho. As duas encarnam o mesmo perfil de ditadoras, surgidas à luz do modelo neoliberal que nos oprime (Foto: Presidência do Peru / Flickr)

Dina Boluarte: uma ditadora nata entra para o rol de algozes da América Latina

Figuras como Dina Boluarte não distinguem o bem do mal, não demonstram empatia, carecem totalmente de escrúpulos e valores e são indiferentes aos danos que causam

Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Quando um governante acumula Poder excessivo e o usa com fins protervos, reprováveis ou pessoais, diz-se que estamos diante de um Ditador.

A história do Peru nos brindou com numerosos casos desse tipo de gente, de Leguía a Fujimori, passando certamente por Sánchez Cerro, Benavides, Odría e alguns mais. Mas o cenário continental tem sido ainda mais notório: Batista, Trujillo, Somoza, Pérez Jiménez, Rojas Pinilla e até Javier Milei, em nossos dias.

Todos eles tiveram um traço distintivo, independentemente de sua origem como mandatários: exerceram o cargo de maneira impositiva, caprichosa e arbitrária, abusando de sua função governativa para impor sua vontade às grandes maiorias. Além disso, tinham a tendência de se ensanhar particularmente com seus inimigos pessoais.

Todos eles também tinham outro elemento em comum: eram homens, e agiram de maneira “machista”, como forma de confirmar sua audácia e sua capacidade de decisão. Em outras palavras, não conhecemos no passado o caso de mulheres com esse perfil.

Embora Keiko Fujimori desenhe essa imagem com alucinante nitidez, é Dina Boluarte quem a encarna e a ostenta em sua condição de mandatária. É uma ditadora nata. Com ela, o caso ocorre pela primeira vez.

As pessoas desse tipo apresentam traços psicopáticos: não distinguem o bem do mal, não se importam com a opinião alheia, não demonstram a menor empatia, carecem totalmente de escrúpulos, mas também de valores, e mostram absoluta indiferença diante do dano que causam.

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Sentem uma avidez desmedida por dinheiro e são propensas a ceder às tentações do luxo e da ostentação. Agem por capricho — que alguns confundem com tenacidade. A riqueza as obnubila. Mas, além disso, guardam rancores. Alimentam ódios profundos por aqueles que “obstruem” seus desejos ou que “fazem sombra” a elas.

Além disso, não se importam com as consequências de suas ações e não se sentem no dever de justificar sua conduta. No fundo, são indiferentes ao julgamento que sua conduta possa gerar. Costumam usar o ataque como “melhor defesa” e prontamente passam à ofensiva para evitar questionamentos alheios.

Para os peruanos, o caso de Boluarte é singular porque é a primeira mulher a exercer tão alta função. E ela não a reconhece como fruto de uma casualidade histórica, mas como um reconhecimento expresso de suas supostas qualidades pessoais. Como se tivesse sido escolhida para cumprir uma determinada missão que o destino lhe reserva.

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Na América Latina, e também em outros continentes, tivemos mulheres que exerceram funções similares, mas o fizeram de outra forma. Michelle Bachelet, no Chile, Cristina Kirchner, na Argentina, ou Dilma Rousseff, no Brasil, desempenharam suas funções com simplicidade e dignidade, como atualmente vêm fazendo a presidenta do México, Claudia Sheinbaum, ou a mandatária de Honduras, Xiomara Castro.

Todas honraram sua condição de mulheres, como também ocorreu antes com Angela Merkel, a chanceler alemã que manteve por 16 anos as rédeas do poder em suas mãos.

Em contraste, nossa região apresentou dois casos que merecem atenção. Jeanine Áñez, na Bolívia, constitui o antecedente mais imediato de Dina Boluarte. Ambas foram o corolário de um confuso Golpe Brando, concretizado para derrubar governos considerados populares ou mesmo de esquerda: Evo Morales e Pedro Castillo.

Áñez já está atrás das grades, e sem dúvida Boluarte seguirá esse mesmo caminho. As duas encarnam o mesmo perfil de ditadoras, surgidas à luz do modelo neoliberal que nos oprime.

Que nada lhe importa — isso fica claro na figura da precária inquilina do Palácio, quando evoca sem constrangimento a herança da velha escola: a letra com sangue entra.

É com base nessa ideia que ousou explicar por que diminuiu a violência nas recentes mobilizações de massa promovidas pela população. Os peruanos — disse — “aprenderam a lição”. Se fizerem distúrbios, nós os matamos, pareceu acrescentar. O fato é que, como antes, a letra com sangue entra. Que o digam mais de 60 mortos.

Esse “ensino”, para que ninguém o esqueça, foi atualizado e recobrou vigência com o assassinato de Alexander Checa Montalvo, morto em Chala com um tiro no rosto, quando protestava ao lado dos mineiros.

É claro que agora as “autoridades” dirão duas coisas: que foi ele quem provocou a própria morte, e que quem atirou o fez “em defesa da própria vida”. Afinal, a lei o ampara. Ela afirma que a polícia tem o direito de usar armas letais quando considerar que sua segurança está em risco.

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Por ora, quem já adiantou isso foi o ministro do Interior, que assegurou que o morto estava “entre os manifestantes” e que agia de forma agressiva “contra as forças da ordem”. Bem morto está, então.

Como se não bastasse, essa ideia acaba de ser “renovada” quando, em Iquitos, trabalhadores que empunhavam bandeiras da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP) foram atacados a tiros. Essas manifestações de repúdio, realizadas pela população amazônica por ocasião da presença da espúria mandatária na cidade, deixaram 19 feridos.

Algum pesar pelo ocorrido? Algum lamento, acaso? Não. Nada. Para a senhora, talvez tenha sido apenas como uma tênue chuva numa região do país onde chove com frequência.

É claro que nem sequer perguntou pelo estado de saúde dos feridos, nem se preocupou com a angústia de seus familiares, nem lhe importou saber se poderiam ser atendidos em algum posto de saúde ou hospital.

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Nada disso. Para ela, o importante aconteceu: ela esteve onde havia se proposto a estar.

Nos últimos dias, vimos os vexames sofridos por Betsy Chávez Chino, indevidamente encarcerada há dois anos no Presídio de Chorrillos. Ela é odiada desde antes, inclusive durante o governo de Castillo. Hoje, é detestada. Isso explica o tratamento que recebe.

E esse tratamento também se estende ao médico Cabani, que ela considerava algo como seu “wayki”, mas que agora abomina. É muito temperamental. Incuba ódios.

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Coincidindo com as Festas Pátrias, as organizações sociais e políticas representativas da sociedade peruana programaram diversas mobilizações e protestos. Estão previstos uma paralisação no setor de Transporte, reivindicações dos mineiros, ações regionais orientadas a expressar a vontade cidadã: marchas e comícios.

O aparato repressivo do Estado estará pronto para servir aos desígnios de quem manda. E a ditadora dirá, sem rubor: “é que ainda há quem não aprendeu a lição”.

No fundo, o que ocorre é que o sangue derramado não é o dela — é o do povo. Por isso, não lhe importa.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

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