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A evolução dos direitos LGBTQ+ no mundo e a urgente criminalização da homofobia no Brasil

Muitos países ainda consideram transgêneros e transexuais como portadores de um transtorno mental
Klei Medeiros
Belo Horizonte

Tradução:

Silenciamento, prisões, mortes e patologização. Até 1990, a homossexualidade era considerada uma doença pela Organização Mundial da Saúde. Até hoje, em muitos países ocidentais, ser transgênero é considerado um transtorno mental. Um breve olhar sobre a evolução da situação dos LGBTQ+s revela um enorme atraso das instituições oficiais estatais e internacionais em dar tratamento adequado a estas minorias. Por outro lado, nenhum debate sobre reparação histórica é feito. E, continuamente, as soluções adotadas para a violência contra a comunidade são paliativas, retroativas e sem medidas concretas para minimizar danos. Portanto, a criminalização da LGBTfobia no Brasil é para ontem, mas deve vir com muitos mais avanços.

A emersão da agenda LGBTQ+ relaciona-se de maneira intrínseca às mudanças que ocorreram no Sistema Internacional. A despeito da Guerra Fria ter suscitado uma conjuntura internacional bipolarizada, de meados de 1940 até aproximadamente 1990, houve a ocorrência de diversos movimentos sociais, sobretudo em países ocidentais, que viabilizaram a eclosão de agendas internacionais, tal como foi com a agenda LGBTQ+ como hoje a conhecemos. Destaca-se nesse sentido a articulação social de caráter reivindicatório nos Estados Unidos, a datar da década de 1940 até meados dos anos 1980. A Rebelião de Stonewall, de 1969, que ocorrera nos Estados Unidos, e as mudanças que a nomenclatura ‘homossexual’ perpassou são condicionantes que contribuíram, em certa medida, para a emersão da agenda LGBTQ+. 

Similarmente, estes condicionantes são considerados como propulsores para o advento da agenda na Organização das Nações Unidas (ONU). A partir da inserção das pautas LGBTQ+ na ONU, gerou-se um espaço mais amplo para discussões e debates das pautas reivindicatórios, bem como um caráter mais jurídico passou a ser atribuído a estes. Mas seria possível dizer que o Brasil, enquanto um Estado democrático, tem promovido políticas públicas de inclusão de pautas LGBT? 

Insurgência do ativismo LGBT

A priori, o movimento LGBT não possuía a abrangência política e o caráter identitário que reconhece-se atualmente, sendo conhecido apenas como um ‘movimento homossexual’, com uma identidade que pautava-se em reivindicações por direitos civis e não em classes sociais. Incorporado às reivindicações por direitos civis e fomentado pelo caráter identitário do movimento havia a aspiração em adquirir recursos que promovessem uma mudança estrutural. Ou seja, a busca por mudanças era inerente à identidade do movimento social. Como consequência, o Estado, enquanto instituição reguladora das ações sociais, tornou-se o próprio alvo da mudança estrutural, bem como o provedor dos recursos necessários para que a mudança fosse efetivada. 

Para que um movimento social perpetue-se, entretanto, é necessário que a identidade coletiva seja sustentada, através de novos arranjos e instituições que melhor impulsionem o movimento. O movimento LGBT contemporâneo pode ser considerado como o resultado de um complexo processo que permeia a noção de homossexualidade e identidade de gênero. Apesar da resultante vigente possuir ascendências em movimentos de diversos locais, como Amsterdã, Copenhague, Paris e Grã-Bretanha, foi nos Estados Unidos que em meados das décadas de 1950 e 1960 surgira organizações que proliferaram crenças políticas e práticas catalisadoras da criação de um caráter identitário mais singular ao movimento.

Inicialmente, a luta centrava-se na consolidação de uma identidade homogênea do grupo, bem como na construção de “uma imagem pública mais respeitável para os homossexuais e na sua plena integração à sociedade”. Apesar das reivindicações por direitos civis ser o pilar identitário do movimento homossexual, ao decorrer das décadas de 1940 e 1950 o movimento não possuía uma identidade homogênea. Isso se deve a dois fatores: o primeiro refere-se diretamente aos indivíduos homossexuais, estes ainda não haviam internalizado um sentimento de pertencimento ao grupo/movimento. O isolamento que indivíduos homossexuais se encontravam dificultou que essa identidade se difundisse e concretizasse de maneira mais categórica. Logo, a segregação dos indivíduos resultou em uma fragmentação interna e em um fraco ativismo.

O segundo fator, que impedira a consolidação identitária do movimento, fora as teorias e estudos biomédicos acerca da homossexualidade. Estes procuravam circunscrever um modelo ideal de sexualidade respaldado na heterossexualidade e adotava a identidade de gênero como correspondente ao sexo biológico do indivíduo. Como consequência, as teorias biomédicas passaram a atribuir um caráter patológico à homossexualidade. Os estudos biomédicos impactaram significativamente o movimento e a imagem dos indivíduos homossexuais, de forma que relatórios produzidos pelo Departamento de Estado, dos Estados Unidos, “[degradaram] o caráter pessoal de gays e lésbicas, e [sustentando] que os homossexuais encarnavam uma ameaça à segurança nacional”.  Isso se deve principalmente ao fato de que Joseph McCarthy, senador norte-americano pelo estado de Wisconsin, de 1947 a 1957, compreendia que indivíduos que não compatibilizavam com a imagem heteronormativa convencional eram potenciais inimigos do Estado. McCarthy promoveu uma forte repressão e caçada a pessoas homossexuais, principalmente a partir da publicação de relatórios elaborados pelo Departamento de Estado que debatiam a questão de pessoas gays atuando em cargo públicos. Portanto, a categorização do homossexual enquanto ameaça partia do pressuposto de que estes indivíduos eram desequilibrados e instáveis, que possuíam forte tendência a se envolverem em atos perversos. À vista disso, o termo homossexualismo foi imposto a homens e mulheres gays por definição médica com caráter patológico.

O turning point para o ativismo gay norte-americano, entretanto, concretizou-se com a “Rebelião de Stonewall’, que por diversas vezes é apontada como um marco histórico no processo de evolução do ativismo norte-americano, bem como uma transformação política do movimento.   Este episódio foi uma série de sucessivas manifestações espontâneas e violentas, por parte de gays e lésbicas, contra uma invasão que a polícia de Nova York fizera no bar Stonewall Inn, no dia 28 de junho de 1969. O episódio da invasão policial e os motins em protesto foram tão importantes que “os protestos de Stonewall passaram a assinalar simbolicamente a emergência de um Poder Gay, e a data passou a ser posteriormente consagrada como o ‘Dia do Orgulho Gay e Lésbico’”.

Após esse episódio, diferentes organizações surgiram nos Estados Unidos com o intuito de viabilizar forças políticas que fomentassem a mobilização do movimento, como por exemplo o Fronte de Libertação Gay, Aliança Ativista Gay, Força Tarefa Nacional Gay e Lobby Nacional dos Direitos Gay . Através da militância desses grupos, em especial do Fronte de Libertação Gay, questões sobre sexualidade e identificação do indivíduo enquanto homossexual foram modeladas de maneira que contribuíram para a definição dos interesses e da identidade do movimento gay, antes turvos e pouco delineados. Com a Revolta de Stonewall, processou-se uma maior convergência de reivindicações dentro do movimento gay. Portanto, “o corolário político dessa concepção essencialista era que o Estado deveria ser pressionado a garantir a igualdade legal formal de lésbicas e homens gays como um povo […]” .

As fortes pressões por reconhecimento jurídico e demandas por direitos civis dos movimentos de gays e lésbicas norte-americanos, resultaram em debates ativos em todas as instâncias governamentais dos Estados Unidos, repercutindo durante a década de 1980, bem como em organismos internacionais. A repercussão desses debates fora tanta que, no final da década de 1980, nos Estados Unidos, surgira uma nova linha de teorização das relações sociais, denominada Queer. Esta compreendida por acadêmicos como uma das mudanças institucionais mais recentes, que permitiu uma consolidação e desenvolvimento dos estudos sobre movimentos gays e lésbicos nas academias, principalmente ao longo da década de 1990. 

Concluiu-se que a institucionalização da teoria Queer representa a relevância que o movimento gay norte-americano, e a agenda na qual pautava-se, apresentou na área acadêmica. A institucionalização de uma abordagem teórica que fundamenta-se em conceitos, questionamentos e debates derivados do ativismo gay representa a magnitude que o assunto adquiriu, atravessando a esfera social e instaurando-se na esfera acadêmica, para então projetar-se internacionalmente. Ligado à esse alastramento da teoria, o segundo ponto refere-se ao fato de que o uso da teoria não restringiu-se aos Estados Unidos. Esta repercussão pode ser interpretada como uma difusão das questões, conceitos e concepção política, inerentes aos movimentos gays preponderantes da época, que tornaram-se características fundamentais da agenda LGBT+, de forma mais ampla.

O advento da agenda LGBTQ+ na organização das Nações Unidas

Desde a eclosão do ativismo de gays e lésbicas nos EUA notou-se que o movimento social não ocorreu como um todo monolítico. Houve a formação de subgrupos que se identificaram com a causa de reivindicação política, porém partiam de uma questão sexual que não condizia com a homossexualidade per se. Ou seja, indivíduos transgêneros, bissexuais e outros que não identificaram-se diretamente com a heteronormatividade social estabelecida encontraram no movimento de gays e lésbicas um meio de recognição. 

A terminologia LGBTQ+, portanto, é utilizada atualmente para designar lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queers. O símbolo “+” possui uma variação no seu significado, podendo representar qualquer pessoa que não identifica-se com uma das letras da sigla ou simbolizar a identificação de simpatizantes pela causa. No que refere-se ao escopo dos direitos humanos, indivíduos LGBTQ+ enfrentam desafios comuns e, também, variáveis conforme sua orientação sexual ou identidade de gênero.

A década de 1990 proporcionou circunstâncias mais otimistas que viabilizaram a criação de um maior espaço de discussão dentro da Organização das nações Unidas sobre a agenda LGBTQ+, especialmente no que concerne aos direitos humanos. O episódio que notoriamente causou maior impacto na agenda LGBTQ+ per se, bem como em outras organizações, foi a remoção da homossexualidade do Código Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde. Alguns aspectos relacionados a homossexualidade não mais eram compreendidos como uma patologia, ligada a uma desordem psicológica, que atingia a condição humana, mas passaram a ser reconhecidos como um um direito vinculado aos direitos humanos elementares. A criação da Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas, em São Francisco (Estado Unidos), bem como o reconhecimento por parte da Anistia Internacional que a criminalização da identificação sexual e de gênero de um indivíduo feriam e violavam direitos humanos elementares corroboraram para que a repercussão e projeção da agenda LGBTQ+ se acentuasse.

À vista desses eventos, ocorreu à alguns Estados e Organizações Não-governamentais (ONGs) a necessidade de elaborar aparatos burocráticos e jurídicos que melhor atendessem às demandas apresentadas pela agenda LGBT+. Assim, ocorreu em Viena, em 2003, a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, havendo à época a elaboração um projeto de resolução sobre “Direitos Humanos & Orientação Sexual”, conhecido como “resolução brasileira”, pois juntamente com Brasil estava o Canadá e outros 18 países da União Europeia. O projeto, entretanto, fora rejeitado pela 59ª sessão da Comissão de Direitos Humanos, em 2004, devido ao bloqueio que alguns opositores ao projeto fizeram.  A despeito da Conferência não ter demonstrado êxito por completo, pode-se atribuir uma relevância ao evento pela tentativa, por parte do Brasil, Canadá e outros 18 países europeus, em articular meios que atendessem as pautas reivindicadas pela agenda LGBTQ+, bem como a atuação Organização das Nações Unidas como espaço de intermediação para as questões em pauta.

Ainda que tenha havido continuidade por parte de agências de direitos humanos das Nações Unidas em articular normas, recomendações políticas e práticas para combater a violência e discriminação contra indivíduos LGBTQ+, a atuação do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC, sigla em inglês), em contrapartida, mostrou-se adversa a das agências. Enquanto órgão que supervisiona e coordena inciativas relacionadas a promoção de Direitos Humanos, também compete ao ECOSOC conceder, ou não, status de membros consultivos às ONGs quando há encontros das agências da ONU. De tal modo, o ECOSOC delegou esse status para poucas ONGs, que explicitamente comprometiam-se com a defesa dos direitos de minorias sexuais e gênero, e algumas ONGs LGBTQ+ tiveram repetidamente negadas os status de membros consultivos.

Algumas das principais reivindicações da agenda LGBTQ+, tais como a despatologização da homossexualidade e reconhecimento dos direitos civis, em um nível menor, foram reconhecidas e endereçadas pela Organização das Nações Unidas, porém faz-se necessário que o órgão, como um todo, crie e promulgue medidas que melhor incluam a sociedade civil e atores não-estatais, a começar pela concessão de status de membro consultivo, pelo ECOSOC, a um maior número de ONGs LGBTQ+.

Dos antecendentes à institucionalização da agenda LGBTQ+ no Brasil

O movimento LGBT+ brasileiro, contextualizado por Simões e Facchini (2009), divide-se em três períodos, conhecidos por “ondas”, com ascendência e institucionalização na convivência igualitária durante o fim dos anos de 1970 (SIMÕES; FACCHINI, 2009). Este impulso decorreu da resistência do próprio grupo à exclusão em sociedade, principalmente durante os anos da repressão do governo militar, que impossibilitaram qualquer movimentação contrária ao autoritarismo. O público LGBT+ brasileiro começou a apresentar suas primeiras e principais reivindicações a partir da década de 1980 e, a partir deste momento, houve, em certa medida, o apoio por parte do governo nos anos seguintes, principalmente na área de saúde pública, no bojo da criação de novas Organizações Não-Governamentais. Faz-se importante retroceder um pouco na história e salientar que, no início do século XIX, a condição de “homossexual” foi removida do Código Penal Brasileiro. Isso se deve ao fato de que, na época, o Brasil sofrera grande influência da Revolução Francesa e adotou parte do Código Penal Francês.

Apesar da descriminalização da homossexualidade à época, por volta de 1900, a homossexualidade passou a ser vinculada à concepções patológicas e de caráter médico-psicológico anormais. Havia uma compreensão de que as pessoas homossexuais não se inseriam ao modelo heteronormativo social de relacionamento. O historiador James Green (2000) aponta que, inicialmente, a transformação das concepções antiquadas sobre homossexualidade não pressupunha motivo políticos como, por exemplo, ocorrera na metade do século XX nos Estados Unidos. A mudança de concepção encontra-se intrínseca nas próprias convivências da comunidade civil, em especial nos grandes centros urbanos, em que a crescente dinâmica de caráter renovador propiciou a trajetória do movimento em defesa da homossexualidade no Brasil. Outro argumento apontado pelo intelectual encontra-se na resistência, entre 1964 e 1985, formalmente, com a privação das liberdades individuais durante a Ditadura Militar, cujas manifestações da comunidade homossexual foram consideradas imorais. Isto posto, pode-se afirmar que, apesar das manifestações de Stonewall terem influenciado a América Latina, a forte repressão do regime militar brasileiro impedira que as reivindicações político-sociais não se expandissem, tal como fora com as reivindicações que ocorriam nos Estados Unidos na década de 1960.

O propósito de desvincular a imagem dos homossexuais de condições pejorativas também tornara-se uma marca da Primeira Onda, muito porque isso ainda associava-se com a imagem de um indivíduo homossexual explicitada principalmente durante a Ditadura Militar. Deste modo, afloraram-se movimentos de caráter político que buscavam visibilidade a indivíduos homossexuais e até mesmo marginalizados. Este foi o caso do Grupo Somos, criado em 1978 e composto por homens e do Grupo de Ação Lésbica-Feminista (GALF), constituído e criado por mulheres em 1981. Ambos os grupos possuíam o objetivo de alterar a estrutura social brasileira através de um processo de contracultura, ou seja, conduzir as relações através do confronto entre todas as opiniões, para que novas perspectivas mais inclusivas pudessem ser difundidas  .

Outra representação efetiva da Primeira Onda fora a difusão de informações acerca de tabus, principalmente no tocante à dificuldade em estabelecer o parâmetro de orientação sexual, problematizando sobre problemas sociais de gays, lésbicas e transexuais no Brasil, bem como em relação à prostituição nas áreas urbanas. Todas as matérias ganharam forma através do jornal Lampião da Esquina (1978-1981), composto principalmente por intelectuais brasileiros que escolheram não se ocultar diante da causa, assim como já havia ocorrido durante a década de 1960, nos Estados Unidos, com o jornal Gay Sunshine.

A Segunda Onda, por sua vez, sucedeu-se com a redemocratização brasileira ao longo dos anos 1980. A causa catalisadora da Segunda Onda, contudo, está ligada a eclosão do vírus HIV. A lentidão governamental em fornecer melhores explicações sobre a doença fez com que se associasse a Aids à chamada “peste gay”, gerando mais intolerância e atos violentos contra homossexuais e travestis em sua maioria. Foi neste momento, então, que os objetivos dos grupos remanescentes (em especial a ação do Grupo Gay da Bahia – GGB), desta vez mais pragmáticos, se direcionaram à saúde pública. O objetivo do GGB, de desassociar a homossexualidade ao vírus da HIV, consistia em remover a homossexualidade per se do Código de Doenças do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), o que posteriormente ocorrera. Mudanças como a adoção da terminologia “orientação sexual” e a intensa militância carioca do Grupo Triângulo Rosa também foram marcas da Segunda Onda, bem como fatores que proporcionaram maior força ao movimento gay brasileiro. A desenvoltura do Grupo de Ação de Lésbicas também tornou-se uma característica notória dos anos 1980. Isso porque o grupo ativamente participou de militâncias feministas e conferências internacionais de mulheres lésbicas, que discutiam sobre pautas relacionadas tanto ao movimento feminista quanto ao movimento lésbico.

O final da Segunda Onda não foi tão promissor quanto se esperava, porém. O final do regime militar e a redemocratização trouxeram sobre a sociedade civil uma espúria sensação de democracia e, com isso, interpretou-se que os direitos humanos individuais e a liberdade sexual expandir-se-iam sem demais problemas. Isso se deve fortemente a dois fatores: primeiro, aos meios de comunicação (rádio e televisão, principalmente), que passaram a divulgar uma imagem dos(as) homossexuais menos pejorativa. Segundo, com uma atividade mais visível do púbico LGBT+, casas noturnas, bares e discotecas, “[sustentaram] uma ilusão de que uma liberdade maior havia sido alcançada e que os gays e lésbicas brasileiro não exigiam organização política” . 

A Terceira Onda ocorreu ao longo dos anos 1990, fortemente marcada por dois aspectos. O primeiro refere-se à Assembleia Constituinte que ocorrera de 1987 a 1988. O intuito da Assembleia era reescrever a Constituição Nacional e, mediante a isto, colocou-se em votação uma medida que descriminalizasse a homossexualidade. Entretanto, a provisão constitucional para proibir a discriminação fracassou devido a pouca quantidade de votos favoráveis. O segundo aspecto, que marcou a Terceira Onda, decorreu da presença institucional e governamental, que através de programas no combate e prevenção à Aids e Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), proporcionou ao Brasil tornar-se um Estado precursor dos direitos humanos direcionados aos LGBT. A interposição do Estado brasileiro na questão da AIDS e a promoção de informação proporcionou um espaço para a junção de grupos de diferentes esferas, resultando na criação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT) e a primeira Parada do Orgulho LGBT, em 1997, que à época ocasionou em uma visibilidade mais numerosa do que as paradas e manifestações LGBT+ norte-americanas.

Nos anos 2000, as iniciativas para a comunidade LGBT+ caminharam na tentativa de romper sua marginalização, através de programas para debater os problemas inerentes ao grupo com o Governo Federal. É possível evidenciar que houve avanços, como a redesignação de transexuais no Sistema Único de Saúde (SUS), entre 2008 e 2010 (mesmo que o processo leve anos na fila de espera), e a possibilidade do nome social ser usado no registro civil, não necessitando a mudança de sexo como condição para tal. 

Houve, recentemente, o marco histórico no judiciário brasileiro da pauta LGBT, ocorrido em 2011, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, além de, em 2013, ser adotada a Resolução nº 175 para o melhor cumprimento deste objetivo através do Conselho Nacional de Justiça. Não obstante, a Constituição Brasileira de 1988 estabelece autonomia dos estados federais em escolherem ou não a agenda como um assunto preocupante, ao “[…] não contemplar a orientação sexual entre as formas de discriminação”.

Como órgão autônomo e consultivo da OEA (Organização dos Estados Americanos), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) possui o papel de monitorar seus membros a respeito dos direitos humanos. Em um relatório com mais de vinte países, o Brasil encontra-se em primeiro lugar na violência contra a comunidade LGBT+, com 336 assassinatos; em seguida, está o México, com 79 execuções; e, em terceiro, está a Colômbia, com 45 vítimas. Após a averiguação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicita à todos os Estados da organização que adotem ações imediatas e eficientes para que a comunidade LGBTI tenha a garantia de suas liberdades, sem temer pelos atos discriminatórios. A Comissão recomenda o combate “[…]a violência, o preconceito e a discriminação predominantes na sociedade em geral e no interior da família”, não somente no âmbito jurídico.

Um balanço dos avanços e caminhos a seguir

Apresentado os fatos acerca da insurgência da agenda LGBTQ+, verifica-se que o ativismo gay norte-americano, que se iniciou por volta da década de 1940 e, com sua expressividade máxima no ano de 1969, exerceu grande influência sobre a internacionalização da agenda, bem como sobre as militâncias na América do Sul, sobretudo no Brasil. Infelizmente, há pouquíssima documentação e exposição de informações que não se centrem: a) na evolução do movimento nos EUA e países do Norte; b) na evolução do movimento exclusivamente por parte de gays e lésbicas. Até hoje, muitos países, inclusive no Ocidente, consideram a(o) transgênero e transexual como portadores de um transtorno mental. Há muito a avançar na inclusão e nos direitos da população transexual, transgênera e travesti.

Entretanto, a despatologização da homossexualidade, na década de 1990, mostrou-se como um episódio importante na conquista de espaço internacional da agenda. Assim como os Estados, as organizações internacionais e as instituições nacionais e internacionais apresentaram resoluções que, em tese, atendem às demandas e reivindicações da agenda, mas não apresentam mecanismos de execução apropriados. 

O Brasil implementou políticas que foram elaboradas a partir das manifestações de resistência e denúncia empreendidos pela comunidade LGBT+ brasileira, bem como promoveu a criação de programas de cunho internacional para o combate à intolerância e à violência e um projeto de resolução de caráter internacional, nomeado de “resolução brasileira”, de Viena, de 2003. Entretanto, os dados mostrados anteriormente nos revelam que sequer o Brasil, bem como outros Estados latino-americanos, estão de fato implementando as políticas de forma eficaz. O avanço no entendimento, na jurisprudência e no tratamento legal tem de vir acompanhado de políticas públicas concretas e efetivas que garantam justiça às minorias sexuais e de gênero. Não é possível que o esclarecimento em relação à causa fique preso ao ambiente acadêmico, aos filósofos e juristas e não resulte em mudança social.

* Klei Medeiros é professor de Relações Internacionais na PUC-Minas; Leticia Aparecida da Silva  é graduanda em Relações Internacionais na PUC-Minas e Marcela Forni Aguiari é Graduanda em Relações Internacionais na PUC-Minas

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Klei Medeiros

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