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Para além do narcotráfico: Escravidão moderna é expressão máxima do crime organizado

A escravidão e a discriminação racial são dois lados da mesma moeda nos EUA, onde o racismo é mais visível sob a bandeira nacionalista da “supremacia branca”
Thalif Deen
IPS
Nova York

Tradução:

Mais de 40 milhões de pessoas vivem em condições de escravidão no mundo, entre elas 25 milhões realizando trabalhos forçados e 15 milhões em matrimônios forçados, 71 por cento das quais são mulheres e meninas, concluiu um exaustivo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

E a situação poderia haver piorado desde que se publicou “Estimativas Mundiais sobre a Escravidão Moderna”, em 2017, realizado em colaboração com a Fundação Walk Free.

A Rede Safe Haven, com sede em Chicago, qualificou o tráfico de pessoas como “a maior atividade criminosa internacional, superior ao narcotráfico e à venda ilegal de armas”. 

Na atualidade, a escravidão e a discriminação racial são dois lados da mesma moeda nos Estados Unidos, onde o racismo se fez mais visível sob a bandeira nacionalista da “supremacia branca”, ressurgida com o demagógico governo de Donald Trump.

Apesar de estar proibida em todas as partes do mundo, a escravidão adotou novas formas como o tráfico de pessoas, o recrutamento de meninos soldados, o matrimônio precoce, a servidão doméstica, tanto no Sul como no Norte do globo. 

Os trabalhadores migrantes, seja em plantações de laranja na Itália ou na construção no Qatar, estão em risco, pontuou Karolin Seitz, oficial de programa para responsabilidade corporativa e direitos humanos do Global Policy Forum, com sede em Bonn, em diálogo com a IPS.

Asseverou que a experiência mostra que os compromissos voluntários das companhias transnacionais não são suficientes.  

Não são suficientes porque países como a Grã-Bretanha com sua Lei contra a Escravidão, Austrália, com sua Lei sobre a Escravidão Moderna, ou a França com sua Lei de Vigilância chegaram à conclusão de que só funcionam as normas vinculantes. 

A escravidão e a discriminação racial são dois lados da mesma moeda nos EUA, onde o racismo é mais visível sob a bandeira nacionalista da “supremacia branca”

IPS / Cortesia ONU
A Red Safe Haven qualificou o tráfico de pessoas como “a maior atividade criminosa internacional, superior ao narcotráfico e à venda ilegal

Um estudo da Organização Mundial da Saúde sobre a saúde dos refugiados e migrantes na Europa concluiu que os trabalhadores migrantes têm mais probabilidades de trabalhar uma quantidade excessiva de horas em empregos arriscados, sem as medidas de segurança adequadas, e sem se queixar. 

As vítimas de tráfico ficam fora do radar das autoridades e não têm acesso à justiça, observou Seitz.

Segundo ela, para eliminar as vantagens competitivas oferecidas pela escravidão moderna, o tráfico de pessoas e a contaminação ambiental, os mecanismos de direitos humanos devem ir além dos limites fronteiriços.

Por sua parte, a secretária geral da Confederação Internacional de Sindicatos (ITUC, em inglês), Sharan Burrow, disse à IPS que a desigualdade e a escravidão moderna vão de mão dadas para milhões de pessoas. Mas é possível terminar com esta última.

“A escravidão moderna está em toda parte, desde o kafala (sistema em que trabalhadores migrantes têm um patrocinador local, responsável por seu visto e seu estado legal) na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, passando pelas fazendas no Paraguai e a pesca na Tailândia e nas Filipinas, até a agricultura na Itália”, observou.

“É uma questão de vontade política gerar mudanças legais e garantir a liberdade de associação que derivará da exposição do escândalo e das campanhas de trabalhadores, consumidores e sindicatos. Os governos devem exercer pressão sobre as corporações, as pessoas reclamam isso”, acrescentou. 

A diretora da sede no Meio Oriente e África do Norte da Igualdade Já, Dima Dabbous, disse a IPS que a OIT estima que haja 1,6 milhões de mulheres migrantes na região vivendo sob o kafala.

Nos países do Golfo, as trabalhadoras migrantes se encontram em uma situação vulnerável, pois trabalham no âmbito doméstico, sujeitas a um empregador, sem poder renunciar nem mudar de emprego, nem ir embora do país sem o consentimento de seu patrocinador, que pode ameaçá-las com a deportação no caso de protestarem pelas condições de trabalho, precisou.

Nessas condições, abusos como restrição de movimento, retenção do pagamento e agressão física e sexual são moeda corrente. E em casos extremos, causaram a morte de alguma mulher, indicou Dabbous, ex-diretora do Instituto de Estudos de Mulheres no Mundo Árabe.

No Líbano foram conseguidas certas melhoras nos tipos de contratos que regulam o trabalho de mulheres migrantes que realizam tarefas domésticas, como descanso semanal, pagamento em dia do salário e a possibilidade de recorrer às autoridades quando sofrem abusos. 

Mas não se conseguiu uma grande mudança porque os contratos não estão escritos em uma língua falada pelas empregadas migrantes, nem as autoridades velam pelo seu cumprimento. 

“Os empregadores continuaram confiscando os passaportes, as empregadas ainda não têm um dia de descanso semanal e têm muito pouca possibilidade de se queixar perante as autoridades ou de denunciar um abuso”, lamentou-se Dabbous.

A OIT e outras organizações não governamentais internacionais devem seguir denunciando o sistema de kafala que faz com que as mulheres migrantes fiquem sujeitas aos seus empregadores como se fossem escravas, sublinhou. 

Além disso, a comunidade internacional deve ajudar as organizações locais a abolir ou substituir esse sistema. 

As leis, embora tenham falhas e apresentem dificuldades em sua implementação, obrigam as grandes companhias a realizar declarações precisando o risco de escravidão em sua cadeia de fornecimento, assim como as ações tomadas para evitá-lo, destacou Seitz, da Global Policy Forum.

Outros países, em câmbio, ainda creem em medidas voluntárias. O Plano de Ação Nacional da Alemanha para a implementação dos Princípios Guia das Nações Unidos sobre Empresas e Direitos Humanos carece de responsabilidade, em parte também pela grande pressão das empresas. 

Afim de fixar padrões comuns e sólidos em escala mundial, os Estados devem apoiar o processo atual no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para criar um tratado vinculante que regule as empresas transnacionais em questões de direitos humanos.

O documento que deveria requerer que os Estados estabeleçam a obrigatoriedade da diligência devida em matéria de direitos humanos, que as companhias se façam responsáveis por rompê-la em casos de violação e que eliminem os impedimentos que têm as vítimas para aceder à justiça, precisou Seitz.

O trabalho é mais inseguro no mundo, com o predomínio de contratos de curto prazo, que  aumentam o trabalho informal e a escravidão moderna, pontuou Burrow, de ITUC.

A desigualdade de renda faz com que as pessoas aceitem empregos em condições de exploração, o que impede que os trabalhadores exerçam seus direitos. 

“Quando os salários são baixos e não há um emprego decente, quando não há sindicatos que representem e defendam os direitos dos trabalhadores, criam-se as condições que levam à escravidão moderna”, apontou. 

A devida diligência e a transparência são fundamentais para pôr fim à escravidão moderna na cadeia de fornecimento, sublinhou. 

Quando as corporações assumem sua responsabilidade com a devida diligência e, como consequência, dão transparência à sua cadeia de fornecimento, é possível criar procedimentos de reclamação que podem facilitar uma solução às violações no trabalho, desde o trabalho forçado a um salário menor que o salário mínimo. 

Uma lei sobre a devida diligência com novo mandato está por ser adotada na França, e outros países como a Alemanha e a Holanda se preparam para seguir o mesmo caminho, apontou. 

IPS de Nações Unidas especial para Diálogos do Sul

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Thalif Deen

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