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Caso Assange detona intenso debate sobre o futuro da liberdade de imprensa e de expressão

Opinião pública europeia se divide entre meios de comunicação que justificam sua prisão e outros que criticam criminalização do trabalho investigativo
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

A prisão e pedido de extradição de Julian Assange detonou, uma vez mais, um intenso debate sobre a liberdade da imprensa nos Estados Unidos e em torno do controvertido fundador de Wikileaks, o que definirá o futuro de uma das supostas liberdades civis sagradas na ordem democrática deste país. 

Talvez o mais surpreendente seja que alguns grandes meios – inclusive o New York Times e o Washington Post (que argumentou que Assange não é um herói da liberdade de imprensa e que merece enfrentar a justiça estadunidense sem necessariamente impactar as liberdades civis)– jornalistas e colunistas influentes e até algumas organizações de defesa de liberdades de expressão deram o benefício da dúvida ao Departamento de Justiça de que sua acusação não era um ataque imediato à liberdade de imprensa. Expressaram alívio de que a acusação criminal formulada contra Assange está centrada apenas em uma conspiração para conseguir uma intrusão ilícita a computadores do Pentágono para obter informação classificada. O seja, não é uma acusação que criminaliza as atividades jornalísticas tradicionais como alguns temiam. 

Mas para outros, a acusação formulada dessa maneira é uma cobertura justamente para evitar denúncias de atropelo à liberdade de expressão, mas que seu objetivo obviamente é nada menos que castigar alguém que se atreveu a obter, publicar e difundir documentos oficiais secretos que implicaram o governo estadunidense em violações de direitos humanos, manobras diplomáticas intervencionistas, e até em possíveis crimes de guerra. 

O regime de Donald Trump, que repetidamente declara que os meios são inimigos do povo, não ocultou seu desejo de perseguir Assange. Em abril de 2017, quando o atual secretário de Estado Mike Pompeo era o chefe da CIA, afirmou: “Temos que reconhecer que já não podemos permitir mais a Assange e aos seus colegas a atitude de usar os valores da livre expressão contra nós… Isso vai acabar agora”, recorda The Intercept.

Opinião pública europeia se divide entre meios de comunicação que justificam sua prisão e outros que criticam criminalização do trabalho investigativo

Mediun
Kristinn Hrafnsson, editor chefe da Wikileaks, informou que Assange passou sua primeira noite na prisão de Belmarsh

Por sua parte, a cúpula democrata, em um exemplo inusual de bipartidarismo, também festejou a prisão de Assange junto com os republicanos já que ainda não perdoa ao fundador de Wikileaks a divulgação dos correios eletrônicos hackeados do Comitê Democrático Nacional durante a contenda de 2016. Hillary Clinton expressou que Assange agora tem que responder pelo que fez e afirmou que as acusações não estavam relacionadas com a liberdade de imprensa, enquanto que o líder da fração democrática do Senado, Chuck Schumer, declarou que espera que Assange logo preste contas por sua intromissão em novas eleições em nome de Putin e do governo russo. 

No entanto, vários jornalistas e defensores de liberdades civis denunciaram que obviamente o objetivo da prisão e extradição é castigar não apenas aos filtradores de informação secreta – o que fez o governo de Barack Obama em escala sem precedentes -, mas agora, com Assange, os jornalistas que difundem e publicam a informação. 

Daniel Ellsberg, o famoso filtrador dos Papéis do Pentágono, considerou que a prisão de Assange é uma tentativa clara para rescindir a liberdade da imprensa. Mostrou que este é o primeiro caso de uma acusação contra um jornalista e editor, e que se tiver êxito, não será a última, comentou em entrevista a The Real News Network. Advertiu que caso isso avance “a liberdade de imprensa não está a salvo, se acaba, e nossa república está em seus últimos dias…”.

A acusação contra Assange implica ameaças graves às liberdades de imprensa, não só nos Estados Unidos, mas sim ao redor do mundo, escreve o jornalista Glenn Greenwald de The Intercept –um dos repórteres que colaborou com Edward Snowden– e advertiu que com isso se busca criminalizar várias atividades no centro do jornalismo investigativo. [https://theintercept.com/2019/04/11/the-u-s-governments-indictment-of-julian-assange-poses-grave-threats-to-press-freedoms/

Conclui que no caso de Assange, figura controvertida nos Estados Unidos já que há um consenso bipartidário contra ele, mais importante que os sentimentos pessoais sobre ele é o enorme passo que esta acusação representa para a meta explicitamente declarada do governo de Trump de criminalizar o jornalismo que inclui reportar sobre informação classificada. Opor-se a essa meta ameaçadora não requer admiração ou afeto para com Assange. Simplesmente requer acreditar na importância crítica de uma imprensa livre em uma democracia.

Matt Taibbim o grande repórter político da Rolling Stone, coincide com Greenwald nesse ponto, e escreveu: “a acusação atual é a extensão de um esforço de anos, antes de Trump, de construir um argumento legal contra alguém que divulgou segredos vergonhosos”.

Bruce Shapiro, diretor do Dart Center for Journalism, escreveu em The Nation que na acusação se afirma que houve uma conspiração para filtrar informação secreta, e sublinha que isso é algo que constantemente fazem os repórteres. Afirma que esta acusação neste contexto é uma perseguição politicamente motivada, que tem sérias implicações sobre a liberdade de expressão constitucional. 

Este é um caso de liberdade de imprensa. Ponto. Assange está sendo castigado por fazer valentemente seu trabalho como um jornalista, agora sujeito de uma das caça às bruxas mais perigosas na história dos Estados Unidos, justamente porque revelou informação que o público estadunidense tinha direito de conhecer sobre crimes de guerra do governo estadunidense, declarou o veterano jornalista Robert Scheer, agora diretor de Truthdig.

Vários ativistas e comentaristas ressaltaram que Assange, Chelsea Manning, e Edward Snowden –como Ellsberg há meio século– revelaram ao público mundial crimes de guerra e violações a direitos civis e humanos pelas autoridades, mas eles é que são acusados de ser criminosos.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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