O racismo do brasileiro não fica nada a dever para o racismo estadunidense. Comprova isso o genocídio permanente dos povos originários, dos negros escravizados, genocídio que se repete hoje não só contra os indígenas, mas contra a maioria da população marginalizada. Sessenta mil mortos por assassinatos por ano não deixa de ser genocídio. É um racismo que já penetrou na cultura da Nação.
Os constituintes de 1988, pressionados por forte movimento de massas de uma população cansada de ditadura e violência, tiveram que contemplar na Constituição a Anistia aos perseguidos políticos e os direitos dos povos originários.
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo de competência da Nação demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos seus bens”. (Art. 231).
Maravilha na teoria, a prática é outra. Houve e há avanços, claro, mas se perdem na grandeza do pavoroso avanço das mesmas práticas predatórias e genocidas trazidas pela metrópole colonial.
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Protesto contra municipalização da saúde indígena
Um dos avanços, subproduto da Constituição Cidadã de 1988, foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), criado para universalizar a atenção à saúde. Saúde pública de qualidade para todos.
Subproduto do SUS é o subsistema de saúde indígena, gerido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e, a partir de 1999, para facilitar a ação do Estado, foram criados 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Seis), administrados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que está em crise profunda desde 2006.
Boa parte das políticas públicas favoráveis aos povos originários são produto de muita pressão por parte da sociedade, através de ONG dedicadas à causa, organizações privadas e estatais de outros países e inclusive de organizações multinacionais.
O Conselho Indigenistas Missionário (Cimi), ONG criado em 1972 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, (CNBB), presente em grande parte do território nacional, é quem produz informações confiáveis sobre a situação dos povos originários.
De acordo com o informe de 2012, foram assassinados no país 565 indígenas. E o número voltou a crescer. Em 2012, foram 66 casos contra 51 ocorridos em 2011. O número cresceu particularmente no Mato Grosso do Sul, o estado mais violento contra os indígenas.
Há uns 235 povos indígenas que recebem assistência de saúde através do SUS, ou seja, nos postos de atendimento dos distritos sanitários. Estive em um desses distritos, no Mato Grosso do Sul, em aldeia Guarani Kaiowá, em 1999, quando Zelik Trajber, o doutor Zelique, chegou a Dourados para cuidar da saúde dos indígenas das aldeias Guarani Kaiowá.
Foi forte a impressão deixada nessa visita. Devolveram terras às famílias indígenas já sem uma árvore em pé, degrada por anos de agricultura intensiva, café no início, substituído por soja, cana-de-açúcar e pastos. A pior das tragédias era a desnutrição, que atingia todas as faixas etárias. Debilitados eram facilmente contagiados por gripes, pneumonia, tuberculose e outras enfermidades mortais nessa situação.
Em Mato Grosso do Sul vive hoje uma população em torno de 63 mil indígenas, sendo mais numerosas as etnias Kawová, 34.858; Terena, 23.499; Guarani, 11.4436 e Kadiweu, 1.353. Nas diferentes aldeias de Dourados vivem cerca de 15 mil indígenas de 13 etnias.
Passados vinte anos, voltamos a contatar o doutor Zelique para que nos conte como está a situação nos dias de hoje, depois de anos de desgoverno, abandono, incúria administrativa e, agora, com um novo governo militar que chegou ao poder em janeiro de 2019, através de uma operação de inteligência das Forças Armadas.
Em meados de maio, Bolsonaro, com o decreto 9.795, introduziu mudanças na estrutura da Sesai com o objetivo de municipalizar a gestão da saúde indígena. A responsabilidade, que era da União, passa aos municípios, geralmente administrados por políticos comprometidos com o agronegócio e a exploração predatória da terra.