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É preciso defender a Constituição contra o falso moralismo dos usurpadores

Há que se preservar o que ainda nos resta de democracia para acumular forças e fazer a nação entender a realidade dessa ocupação
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Essa ofensiva de falso moralismo que está grassando no país é anticonstitucional, ou seja, fere a Constituição em vigor em vários de seus artigos. Viram como foi fácil derrubar a intenção do prefeito do Rio de Janeiro, o pastor neopentecostal Marcelo Crivella, de censurar a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, um evento de alcance internacional?

A manifesta intenção de exigir de um advogado jurar fidelidade ao neopentecostalismo para ser nomeado Procurador da Nação é um acinte à advocacia e uma dupla violação aos preceitos constitucionais: que desde a 1ª República reitera a laicidade do Estado, e assegura a não discriminação por qualquer motivo para nomear um servidor público. Exigir que para ser nomeado se afirme ser contra o aborto e a homossexualidade é crime de lesa Constituição.

Crivella, ao mandar censurar a Bienal do Livro, deveria ter sido indiciado judicialmente, por ferir a Constituição e também por burlar a Lei Eleitoral, posto que foi uma nítida manobra eleitoreira, para agradar o eleitorado fundamentalista religioso que o segue.

Seguindo os ensinamentos de seu chefe, o ocupante do Palácio do Planalto, Crivella conseguiu o que queria, ou seja, ser manchete em todos os jornais.

Jornalistas, meus caros colegas, por favor, entendam… Tudo o que esse ocupante do Palácio do Planalto fala ou faz, concreta ou virtualmente, é preparado, é pensado criteriosamente dentro dos objetivos da Operação de Inteligência que levou esse grupo ao governo.

Uma Operação de Inteligência arquitetada e operada pelo Estado Maior das Forças Armadas, sem nenhum segredo, dando conta a cada passo perpetrado na conquista do poder. Poder hoje compartilhado por oito generais, um almirante e um brigadeiro nos postos de mais alto escalão e mais de 100 oficiais em diversos cargos de governo.

Nunca na história de um país independente houve tantos militares num governo, façanha somente admissível quando se trata de uma ocupação militar em estado de guerra. Ocupação pretoriana a serviço dos interesses do Império do Norte, é a realidade brasileira.

Há que se preservar o que ainda nos resta de democracia para acumular forças e fazer a nação entender a realidade dessa ocupação

Wikimedia Commons
Promulgação da Constituição de 1988

Distrações, anistia e a justiça de transição

Façam-me um favor, meus caros. Estudem um pouco as histórias de todas as guerras e verão que a única coisa que muda são as técnicas cada dia mais sofisticadas de informação e comunicação. 

Enquanto a população se distraía com as ofensas que o ocupante do Palácio desferiu contra a primeira dama da França, a senhora Brigitte Macron, ou com as diatribes proferidas contra a Alta-Comissária da ONU para os Direitos Humanos, a senhora Michelle Bachelet, filha de ex perseguido político morto pela ditadura de Pinochet, sem alarde estão liquidando com a Justiça de Transição ainda inacabada neste país.

É a Anistia como conceito que está sendo vilipendiada pelos ocupantes do Planalto. A Anistia que foi conquista de toda a sociedade brasileira está consagrada nas disposições transitórias da Constituição de 1988 e regulamentada pela Lei 10.589/2002, é uma questão de Estado, não um ato de um ou outro governo.

Contrariando a Lei e a Constituição, a Comissão que deve julgar os casos dos anistiados e anistiandos está agora ocupada por uma maioria de militares que apoiam os torturadores da ditadura. Militares que negam a história de luta de nosso povo e querem acabar com a Justiça de Transição. Um único representante dos anistiados, por exigir o cumprimento da Lei, está sob fogo cruzado, querem tirá-lo à força da Comissão, o que a desvirtuaria completamente. 

É preciso defender a permanência do advogado Victor Mendonça Neiva na Comissão de Anistia e o próprio conceito de Anistia sem o qual será liquidada a já tão débil Justiça de Transição.

Defesa da Constituição e da Soberania

Há que se preservar o que ainda nos resta de democracia para acumular forças e fazer a nação entender a realidade dessa ocupação. Nossa única garantia é a Constituição ainda vigente.

Faz sentido lançar uma campanha em defesa da Constituição de 1988. Ler a Constituição nas salas de aula de primeiro e segundo grau. Ler e discutir. Promover a leitura e discussão nos Sindicatos e Associações profissionais, nas universidades e demais instituições públicas.

Nunca é demais repassar os principais artigos. Lembrar, por exemplo, que a palavra Soberania aparece oito vezes em artigos vitais da Constituição.

Vamos lembrar que o Ministério Público serve para garantir os direitos da sociedade ante o poder do Estado. O Ministério Público é para ser acionado pela sociedade cada vez que se vê contrariada por um Estado que não cumpre com seu dever constitucional.

Nessa cultura de pensamento único que nos foi e está sendo imposta, e da qual o Poder Judiciário é um dos responsáveis, desvirtuou-se completamente a função do Judiciário e do Ministério Público. Não é aceitável que juízes atuem como acusadores. Não é aceitável que seja o Ministério Público quem se auto-acione e menos aceitável ainda que se mobilize em favor de interesses corporativistas. 

É a sociedade quem deve acionar o Ministério Público cada vez que seus interesses forem contrariados por desobediência às Lei praticadas pelo poder público.

Advogados, jornalistas, professores, vamos ler e discutir a Constituição. Vamos fazer vigília e cada vez que um agente público contrariá-la, reagir.

É isso. Violou a Lei: Constituição Nele.

Em São Paulo já existe um grupo de advogados democratas que acompanham os grupos sociais em suas manifestações para enfrentar com a Lei a repressão. Estão ali para evitar que os agentes da repressão violem a Lei, para garantir o direito a liberdade de expressão e de manifestação.

É isso… vamos seguir esse exemplo.

“Constituição Neles”.

*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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