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“Terror neles!”: uma operação de cerco e aniquilamento na favela de Paraisópolis

Desde janeiro, candidatos a ditadores, milicianos e assassinos de plantão falam à vontade do AI-5. Outros, em “ilicitude penal” para policiais e militares
Carlos Russo Jr
Espaço Literário Marcel Proust
São Paulo

Tradução:

“Vai morrer todo mundo”, gritam policiais militares na Operação de Cerco e Aniquilamento empreendida pela Polícia Militar do Governo do Estado de São Paulo na Favela de Heliópolis, no último fim de semana. Outros policiais, bem encarnados na ideologia de verdadeiros terroristas, berram ao atirar bombas e balas de borracha e chumbo: “Terror neles!”

Produzir o terror e aniquilar era realmente o objetivo do Comando da Operação que, para seu desapontamento e do Governador Dória, contou “apenas” com nove assassinatos e mais de uma vintena de feridos. Eles até admitem erro de planejamento, por outros motivos que os expostos. Até o Corpo de Bombeiros jogou pesado para que feridos graves também baixassem à sepultura, evitando o socorro do SAMU.

Os policiais diretamente envolvidos na operação foram afastados da função de rua. Nos “b.os.” realizados na delegacia eles afirmam claramente que os festeiros foram os próprios responsáveis pelas mortes, pois “pisotearam os caídos”. E quais são os nomes desses assassinos fardados? Quem estava no comando da operação além do seu responsável moral e político, o Governador do Estado? Impossível saber: tudo corre em segredo de justiça! 

Desde janeiro, candidatos a ditadores, milicianos e assassinos de plantão falam à vontade do AI-5. Outros, em “ilicitude penal” para policiais e militares

Wikipedia
Desde janeiro, candidatos a ditadores, milicianos e assassinos de plantão falam à vontade do AI-5.

Desde janeiro, candidatos a ditadores, milicianos e assassinos de plantão falam à vontade do AI-5. Outros, em “ilicitude penal” para policiais e militares, para que não sejam nem ao menos importunados por inquéritos dirigidos, os quais jamais trouxeram qualquer condenação para os executores. Massacres como os do Pavilhão 5, da Candelária, da Maré e de tantos e tantos mais. E que jamais trarão qualquer punição nem para aqueles e nem para mais esta ação de total desrespeito humano, tortura e matança indiscriminada.

Mas, afinal, por que tantos esbirros como Paulo Guedes falam do AI-5 como uma ameaça?

Ora, eles sabem que AI-5 é apenas e tão somente um referencial histórico de um passado em que pessoas eram perseguidas por motivos políticos ou, mesmo, motivos sórdidos; então, centenas de pessoas desapareciam, eram assassinadas e milhares, torturadas; um tempo em que, enquanto os melhores cérebros eram aposentados e deixavam o país, as organizações da sociedade civil eram dispersas pelos órgãos repressivos das polícias e das forças armadas. Tempo de repressão, censura em que as artes e as manifestações artísticas eram proibidas, teatros invadidos, artistas espancados, jornais fechados, outros, censurados.

E, principalmente, o AI-5 amordaçava ou aniquilava quem quer que fosse contra ou que denunciasse a corrupção perpetrada a “manu militari”, por exemplo, em Itaipu, na Transamazônica, nas Usinas de Angra, nas grilagens de terras públicas, nas prefeituras de interventores como Paulo Maluf, etc., etc., etc..

Na verdade, quando os filhos do “rei” e o próprio, Guedes “et caeterva” falam do AI-5, eles utilizam tão somente uma cortina de fumaça destinada, primeiro a distrair a plateia enquanto os assassinatos, tortura e estupros já se proliferam impunemente de norte a sul do país e se transformam em uma rotina, e como tal, passam a ser “socialmente” aceitos; em segundo, como um alerta à classe política: “fiquem bonzinhos ou fechamos o Congresso e vocês perdem o emprego”. O mesmo alerta é ouvido por um STF em boa parte, acovardado.

Estas são as táticas e as espertezas, pois com os genocídios praticados nas favelas do Rio, de Paraisópolis, de Heliópolis e da Amazônia- povos e natureza, para que o espírito do Ato 5 termine sua implantação falta censurar a imprensa, ou, quem sabe, cooptá-la, um melhor negócio sempre! Após isto, recomeçaram as prisões políticas e os desaparecimentos.

No entanto, enquanto isto, muitas outras operações de cerco e aniquilamento serão levadas a cabo. Trata-se de uma política de extermínio  e não de um ato tresloucado de um bando de policiais inéptos! 

A população negra, pobre e favelada não interessa ao sistema. Ela apenas provoca custos, cada vez menores, é verdade, em saúde, educação, bolsa família e em celas prisionais. Com excesso de mão de obra desocupada e sem a menor alternativa de empregabilidade, o melhor para a elite é exterminá-la antes que busquem comida nas bocas de fumo ou no tráfico de cocaína, comandado do longe por intocáveis! 

E isto será seguido! Com a benção de muitos Edires Macedo e seus acólitos.

Afinal, bandido bom é bandido morto! E quem define quem é o bandido? A justiça? Ora, os capangas armados do sistema e do para-sistema que já se impõem na Amazônia e no Rio de Janeiro.

Paraisópolis é um marco. A democracia apodreceu, seu espectro tem dias contados. 

Circula nas redes sociais um vídeo em que um policial armado de um porrete de ferro distribui porretadas aleatoriamente na população favelada que tenta fugir em desespero. Em outro, enquanto espanca uma garota, o meganha ri, diverte-se com o sofrimento que causa. Em mais um, um policial mira o olho de uma moça do baile funk, uma das que ficaram cegas. E estas cenas trazem para à memória desse escriba certa passagem do livro de Dostoiévski denominado “Memórias da Casa dos Mortos”.

Ele nos diz: “A natureza do verdugo encontra-se em germe em quase todo homem contemporâneo. Mas as qualidades brutais do homem não se desenvolvem por igual.” O verdugo que age por “dever de ofício”, embora o bater lhe cause algum nível de prazer, não sente nenhum ódio supérfluo contra a vítima. Ele se esmera na destreza do golpe, no conhecimento do ofício, “em seu desejo de destacar-se ante os seus camaradas que esporeiam o amor-próprio”. Já quando Dostoiévski se refere aos verdugos voluntários, ele força nas tintas e os compara a “tigres ávidos de beber sangue humano”. São seres sádicos, psicopatas no melhor estilo do mundo do Marquês de Sade, mas que saem da literatura em busca do mundo real. 

Afinal, “o melhor dos homens pode embrutecer-se e, embora por efeito do hábito, descer ao nível de uma fera enlouquecida”. Nestas feras enlouquecidas os mandantes treinam seus bate-estacas, também eles negros, pobres, quase pretos, pobres.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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