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Jornalista argentino é morto na Bolívia após denunciar hordas fascistas

Para o governo golpista, apesar das graves contusões em seu corpo, Sebástian Moro faleceu por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC)
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Comprometido em fazer avançar o processo de transformações comandado pelo presidente Evo Morales, o argentino Sebástian Moro vivia desde fevereiro de 2018 na Bolívia, entregando o melhor de si junto à Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB).

Após denunciar a ação das hordas fascistas contra partidários do Movimento Ao Socialismo (MAS), seu corpo de 40 anos, completamente inconsciente, deu entrada numa clínica da capital, La Paz, em 10 de novembro, coberto de contusões, escoriações e arranhões, vindo a falecer seis dias depois.

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Para o governo golpista e suas hordas fascistas que queimaram residências, sequestraram, estupraram e espancaram apoiadores de Evo Morales, Sebástian Moro faleceu por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Conforme o jornalista Ricardo Ragendorfer, do Tempo Argentino, “o diagnóstico: ‘AVC isquêmico’ é uma leitura de seu estado que não contemplava as contusões, escoriações e arranhões (devidamente fotografados), pois tais traumatismos logo foram submetidos a uma análise, garantindo a certeza de uma agressão”. “Ele jamais recuperou a consciência e deu seu último suspiro no sábado, 16 de novembro”, relatou.

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A irmã de Sebástian, Penélope, que foi até a Bolívia para acompanhar o processo de liberação do corpo, denunciou que “os sinais de violência apresentados pelo seu corpo tem golpes e contusões, externas e internas”. “Como os golpes não coincidem necessariamente com um AVC, estamos pedindo para que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (ICDH) intervenha e investigue”, destacou Penélope, recordando que o irmão vinha observando um avanço da violência fascista e “estava muito preocupado pelo que podia passar”.

Não é preciso ler em voz alta as últimas palavras de Sebástian, datadas do sábado, 9 de novembro, e publicadas no jornal argentino, Página 12 no dia seguinte para estabelecer a conexão entre seu ativismo e o crime. “Houve atos de vandalismo e ataques a funcionários, jornalistas e militantes do MAS em diferentes pontos do país. Entre eles, o governador de Oruro teve sua residência incendiada, trabalhadores do canal Bolívia TV e da Rádio Pátria Nova foram sequestrados e privados de seu direito ao trabalho por grupos de choque, e a sede da CSUTCB foi invadida e atacada”, denunciou Sebástian, dando o seu testemunho contundente e fiel das práticas criminosas. Vários outros abusos, como o estupro por bandos de extrema-direita de uma menor de 14 anos filha de uma autoridade, invisibilizados pela mídia local – com várias rádios queimadas, emissoras de televisão silenciadas e jornais ocupados – só vieram a ser conhecidos muito depois.

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Segundo descreveu o jornalista Ricardo Ragendorfer, no Tempo Argentino, Sebástian tinha 40 anos, havia se radicado na Bolívia em fevereiro de 2018, foi editor do semanário Prensa Rural, órgão da CSUTCB, e, ao mesmo tempo, colaborava com vários meios de comunicação da Argentina, tendo coberto para o Página12 o desenvolvimento do complô contra o governo constitucional.

Para o governo golpista, apesar das graves contusões em seu corpo, Sebástian Moro faleceu por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC)

Arquivo
Sebástian Moro em encontro com as Avós da Praça de Maio: na primeira fila do combate pela verdade e a justiça. (Fotos de arquivo)

“Jornalista de raça”

Ricardo lembrou que no dia 22 de outubro ouviu a voz de Sebástian em um áudio de WhatsApp: “Aqui tudo é confuso; as notícias falsas aumentam para instalar o pânico entre a população”. “Era um jornalista de raça”, recordou, que “fez do Prensa Rural, que tinha uma visibilidade muito modesta, um meio chave do processo de transformações”, contribuindo para “quebrar a blindagem informativa da imprensa hegemônica, impondo o peso de sua garra”. “E sua cobertura para o Página12 o revelava como alguém que fazia seus apontamentos desde a primeira linha de combate”, acrescentou.

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Como jornalista da Hora do Povo estive três vezes este ano no país andino: em janeiro, quando entrevistei ativistas e ministros; em outubro, quando cobri o processo eleitoral, e nos primeiros dias de dezembro, após o golpe, bem mais atento e cuidadoso. Visitei Oruro, entrevistando o novo governador e fotografando as casas queimadas do ex-governador e da irmã de Evo; Cochabamba, ouvindo o relato das vítimas do covarde massacre de Sakaba; El Alto, documentando a dor dos sobreviventes baleados em Senkata; e La Paz, dando voz ao presidente da Câmara dos Deputados, que denunciou os crimes da autoproclamada Jeanine Áñez e o silenciamento a que vêm sendo submetidos os meios de comunicação locais.

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Na mesma data visitava o país uma Delegação Argentina em Solidariedade à Bolívia. Sua presença atraiu os holofotes, a repressão e a provocação para Santa Cruz de la Sierra, por onde entravam. Em Santiago do Chile, minha escala, fiquei sabendo dos problemas que tiveram na chegada com bandos da extrema-direita e policiais – a mando do governo – nas terras de Luis Camacho. As ameaças do “ministro de Governo” de que iria ser sombra dos argentinos facilitou minha chegada, sem sobressaltos, pelo aeroporto internacional de El Alto. “Para os jornalistas que estão fazendo sedição, agiremos de acordo com a lei… O que alguns jornalistas bolivianos ou estrangeiros que estão causando sedição em nosso país fazem, eles têm que responder à lei boliviana”, reforçou a “ministra da Comunicação”.

Estava em terras bolivianas quando a Delegação Argentina difundia seu informe denunciando a perseguição, os ataques e os crimes praticados por bandos fascistas, soldados e policiais, tendo como base uma montanha de documentos, fotos, filmagens e horas de testemunhos de vítimas e familiares. O informe também alertava para os ataques à imprensa e sublinhava “especial gravidade para o caso do jornalista argentino Sebastián Moro”.

“As hordas fascistas já estavam à caça, como sustentava Sebastián no artigo escrito e enviado naquele mesmo sábado [o do espancamento] para Buenos Aires”, relatou Ricardo, lembrando que tudo indica que seu texto se antecipou à imagem do diretor do Prensa Rural, José Aramayo, sequestrado, atado a uma árvore e humilhado por uma turba. Tal imagem, recordou, deu a volta ao mundo e estampou o significado do regime pró Estados Unidos e Israel.

“À noite, próximo das 21 horas, Sebástian falou por telefone com a família. Desde então nada se soube dele até a manhã seguinte, quando foi achado inconsciente em seu apartamento”, escreveu Ricardo.

Quando sua irmã Penélope chegou no dia seguinte a La Paz, Sebástian já estava internado na Clínica Rengel. Na moradia tudo parecia estar em ordem, ainda que faltasse um colete de jornalista, o gravador e o caderno de apontamentos. Ao mesmo tempo, ali se encontrava o telefone, com um pequeno detalhe chamando a atenção: todos os áudios trocados com José Aramayo nos dias anteriores haviam sido apagados.

A investigação, que já seria extremamente complexa, por conta da sabotagem do governo ditatorial, está ainda mais dificultada pelo fato de que Sebástian precisou ser cremado. De outra forma, em meio a um golpe de Estado, por questões diplomáticas entre a Bolívia e Argentina, seu corpo não poderia ter sido retirado do país.

“Com o apoio do advogado Rodolfo Yanzón, a família de Sebastián apresentou uma solicitação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que sua morte seja investigada e outra à Relatoria para a Liberdade de Imprensa do mesmo organismo, uma vez que se enquadra como perseguição a jornalistas”, explicou Ricardo Ragendorfer, para quem “Sebástian merece ser recordado por sua vida e também por tê-la perdido no exercício de sua profissão”.

Sebástian Moro era seu nome, jornalismo e solidariedade seu dia a dia, latino-americanismo seu viver.

*Leonardo Wexell Severo é jornalista do Hora do Povo e colaborador da Diálogos do Sul.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Leonardo Wexell Severo

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