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“Derrotar o fascismo é uma das etapas para derrotar o racismo no Brasil”, afirma sociólogo

O negacionismo histórico constitui o principal eixo de uma política institucional que utiliza a educação para manter o racismo no Brasil, diz Osvaldo José da Silva
Lola Ferreira
Gênero e número
Brasília (DF)

Tradução:

No momento em que protestos nos EUA e no Brasil levantam as bandeiras do antirracismo e do antifascismo, Osvaldo José da Silva, que pesquisa o ódio ao negro e suas relações com o fascismo, na PUC-SP, destaca a urgência de uma análise histórica do Brasil para superar os dois problemas  

Depois do assassinato de George Floyd, em Minneapolis, e de João Pedro, em São Gonçalo, Estados Unidos e Brasil tomaram as ruas para denunciar as práticas racistas do Estado e de suas instituições.

No Brasil, os protestos foram encampados, para além da bandeira contra o racismo, por pessoas que bradam contra o fascismo, ideologia nascida no século passado e que, para muitos, encontra paralelos no momento atual brasileiro. 

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Em entrevista à Gênero e Número, o pesquisador Osvaldo José da Silva analisa as relações entre o fascismo e o racismo e avalia de que forma o Brasil pode avançar no combate aos dois problemas.

Osvaldo José da Silva é doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP e pesquisa fascismo e racismo | Reprodução: Youtube UNG Universidade Da Silva é mestre em Ciências Sociais pela Unesp e membro dos grupos de pesquisa Relações Raciais: Memória, Identidade e Imaginário, da PUC-SP e do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão. 

Ele também é autor do capítulo “Ódio ao negro à sombra do fascismo”, do livro “Sim, o racismo existe”, organizado por Sarita Amaro e Evaldo Ribeiro Oliveira.

Doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP, atualmente ele pesquisa exatamente esta relação entre “passado e futuro” e como “superar a gênese da sociedade totalitária atual e contribuir para denunciar e anunciar a condição do negro”.

O negacionismo histórico constitui o principal eixo de uma política institucional que utiliza a  educação para manter o racismo no Brasil, diz Osvaldo José da Silva

Foto: Ester Cruz / Mídia NINJA
Em Brasília, como em outras metrópoles, jovens negros tomaram a rua pedindo por justiça e direitos

Leia a entrevista completa.

Lola Ferreira – Muito se tem discutido nas redes sociais a estreita relação entre fascismo e racismo. Como esses dois conceitos, de fato, se relacionam?

Osvaldo José da Silva – A luta contra a ascensão do fascismo está intrinsecamente associada à luta contra o racismo. Entretanto, a discussão nas redes e plataformas sociais da questão fascismo/racismo nem sempre é desprovida de ódio e paixões, e pouca reflexão.

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Os registros factuais, documentos, dados antropológicos científicos e testemunhos da historiografia demonstram que um dos grandes momentos do fascismo na modernidade, a partir dos anos 1920 no contexto europeu e depois expandido aos demais continentes, possui como estrutura a dominação de uma elite rentista branca, que se considera a “raça” eleita para oprimir, escravizar, torturar e matar as pessoas de etnias diferentes.

É necessário voltarmos às fundamentações da razão e da ciência para demonstrar o quanto absurda, falaciosa, mentirosa, irracional, antipolítica e desumana é a prática necropolítica do Estado brasileiro e das instituições que o apoiam e que caminha para o holocausto contra negros e pobres agora no Brasil.

De que forma a política institucional tem contribuído para a manutenção do racismo no Brasil, e como isso interfere no surgimento de um estado com tons anti-democráticos?

O negacionismo constitui o principal eixo da política institucional para a manutenção do racismo no Brasil. A negação de que não teria havido tráfico e escravização dos negros para o Brasil a partir do continente africano.

A falta de reconhecimento de que este evento histórico produziu a exclusão social do negro e o preconceito racial contra os negros no Brasil faz parte da estratégia do Estado antidemocrático, e que possibilitaria aos cidadãos ter direitos.

Também faz parte da estratégia de dominação e poder dos brancos autoritários que, agora, ocupam o poder Executivo no Brasil. O mais grave, entretanto, é a destruição do Estado de direitos a partir da desconstrução das instituições que possibilitaram o mínimo de inserção social que os precarizados ensaiavam ter no acesso ao tecido social.

Povos tradicionais, como quilombolas e indígenas, denunciam há três meses o descaso público com suas questões específicas durante a pandemia. Este é um fato importante ser avaliada nesse contexto?

De fato, a história se repete primeiro como farsa, depois como tragédia; na campanha deste atual governo já era visível que haveria perseguição aos povos das comunidades quilombolas e às comunidades indígenas. O que estamos vivenciando é a mais cruel forma de extermínio desses povos.

E não só, o meio ambiente no qual estes povos geram e preservam suas vidas está sendo destruído, há assassinatos de lideranças e interdição de movimentos da sociedade civil organizada que procuram dar apoio, proteção e solidariedade a essas pessoas.

O descaso fica mais dramático e acentuado com o cenário de abandono das autoridades políticas frente à pandemia, que pode agravar mais ainda a situação de extermínio dos nossos ancestrais, com total desrespeito à dignidade humana.

Porque o Brasil adotou tão fortemente a bandeira do antifascismo, em detrimento do antirracismo, que dominou os protestos nos Estados Unidos?

Para muitos cientistas o Brasil vive o cenário da tempestade perfeita de destruição do tecido social: primeiro, a destruição da saúde pública com o desmantelamento do SUS como política econômica de privatização da saúde no cenário de pandemia; segundo, o aumento da concentração da renda econômica nas mãos de poucos, agravando a situação dos pobres e negros; e terceiro, a consolidação política do Estado fascista autoritário.

Os movimentos sociais estão com a bandeira antifascista em uma das mãos, quando necessitam também na outra mão tremular a bandeira antirracista. Neste quadro, estávamos lutando contra o fascismo quando emergiu nos Estados Unidos a experiência da revolta em reação ao assassinato do cidadão negro George Floyd.

No Brasil, faz parte da nossa história, desde os tempos imemoriais, a luta contra o racismo e denúncia, e combate dos assassinatos de negros. Atualmente, o resgate da cidadania passa pela luta por justiça: justiça antirracista contra o preconceito racial, justiça por liberdade política antifascista e justiça por distribuição equitativa de renda.

Um país livre de ideias fascistas é possível sem analisar o racismo e seus impactos?

Derrotar o fascismo é uma das etapas para derrotar o racismo. O critério de raça para qualificar o ser humano deve ser considerado um critério descartado. Não tem base científica ou antropológica.

Os racistas, assim como os fascistas, são pessoas irracionais, alienadas, ignorantes e idiotas no sentido grego do termo (obcecado pela ganância de ganhos e poder isolado).

Para construirmos um país livre de ideias fascistas e racistas, é necessário um exame esclarecido de suas origens e apresentar para os iludidos a banalidade do mal causado por crenças e ações totalitárias por parte de pessoas ressentidas consigo próprias.

Lola Ferreira é repórter da Gênero e Número


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Lola Ferreira

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