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Vazio que deixa um trabalhador essencial: na pandemia, quem perde são os indocumentados

Na pandemia, os que mais perderam foram os indocumentados, por estarem mais expostos ao trabalho e não contar com seguro médico
Ilka Oliva Corado
Diálogos do Sul
Nova York

Tradução:

Lembra do senhor que trabalhava aí? Me diz o homem que coloca alfaces e cheiro verde no balcão, montado sobre uma pilha de caixas com gelo; e em uma mão segura uma pá e com a outra me mostra o lugar onde estão os grãos e os chocolates. Estamos conversando um pouco. 

Ontem fui comprar minha comida para a semana e não me surpreendeu nada encontrar várias pessoas que já andam pela vida sem sua máscara, embora o comércio não esteja ativo ainda completamente e há ordem governamental de usar máscara para entrar a qualquer loja.  

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Parece que são os jovens os irresponsáveis, mas não, eu vi pessoas de todas as idade rompendo as normas de salubridade e não são pessoas empobrecidas que se possa dizer que não têm meios para comprar uma máscara de 99 centavos de dólar. 

Na pandemia, os que mais perderam foram os indocumentados, por estarem mais expostos ao trabalho e não contar com seguro médico

Reprodução: Twitter
No Brasil a vigilancia sanitária tem atuado para coibir os serviços tidos como não essenciais.

O ambiente no supermercado mudou, mudou a dinâmica. Hoje na frente dos caixas há uma janela de plástico que seguramente ficará aí para sempre, e sinais postos no chão para manter a distância. 

Há uma caixa de luvas descartáveis na entrada e um vidro de desinfetante para quem quiser usar. Todos os trabalhadores usam máscaras. Vários idosos aposentados e que trabalhavam aí meio período se retiraram por conta própria no início da pandemia e não saíram de suas casas; voltarão ao trabalho só quando se sentirem seguros. 

No lugar deles apareceu um punhado de jovens universitários que estão ganhando um dinheiro extra. Mas isso só para quem tem documentos; os indocumentados estiveram aí trabalhando até em turno dobrado para manter o supermercado funcionando e eles são os que estão colocando os artigos nas prateleiras, puxando os carinhos, fazendo a limpeza, limpando o peixe, descarregando os caminhões. Os que têm documentos tiveram uma ajuda econômica mínima, mas tiveram, por parte do governo; os indocumentados que não foram despedidos tiveram que trabalhar. 

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Durante a pandemia ficou na moda a palavra “essencial”. Trabalhadores essenciais. Essencial: fundamental, substancial, básico, principal, primário, importante, necessário. E então as luzes iluminaram médicos e enfermeiras, mas não as pessoas que limpam os hospitais, por exemplo. É muito raro que um trabalhador indocumentado não seja essencial, seja em tempo de pandemia ou não, porque só outro indocumentado fará o trabalho que ele faz. Os diaristas no campo, as babás, as empregadas domésticas, os jardineiros, gente que põe os produtos nas prateleiras do supermercados são em sua maioria latino-americanos indocumentados. 

Nesta confusão da pandemia os que mais perderam foram os indocumentados, por ser os mais expostos ao trabalho e não contar com seguro médico e por ser também, em tempos de emergência, os últimos da fila. 

A famosa frase “fique em casa”, pode-se dizer na comodidade econômica, mas não na necessidade. Porque quem vive dia por dia tem que sair para trabalhar, porque ou morre pelo vírus ou morre de fome. O indocumentado em qualquer lugar do mundo está abaixo do ser humano, não conta como pessoa, apenas como lombo arrebentado pelo trabalho. 

Eu me viro para a prateleira onde estão os chocolates e os grãos e aí está um jovem de não mais de 18 anos colocando um produto novo. Fico sem palavras. O senhor que estava nesse lugar era um indocumentado, um trabalhador essencial, exposto durante a pandemia como milhões, que arriscou para levar comida para seus filhos. E morreu pelo vírus. 

Os trabalhadores essenciais, operários, diaristas do campo, indocumentados também deixam um vazio em suas famílias, em seu círculo de amigos, entre seus conhecidos nos locais de trabalho, em sua comunidade, mesmo que não sejam reconhecidos e vistos como pessoas, não sejam tratados como seres humanos e tenham seus direitos negados. 

Outra história é a do retorno do corpo de um indocumentado ao seu país de origem, muito mais em tempos de pandemia. 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul 


Tradução: Beatriz Cannabrava 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

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