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Fomos punidos por greve, diz entregador de aplicativo ao denunciar transnacionais

Membro do movimento “Entregadores Antifascistas”, Tiago Bonini explica que a primeira paralisação mostrou força da categoria e que a uberização se da pandemia para ampliar os lucros
Caê Vasconcelos
Ponte Jornalismo
São Paulo (SP)

Tradução:

O entregador Tiago Camargo Bonini, 28 anos, costuma acordar todos os dias às 8h da manhã. Às 10h ele pega a sua bicicleta e sai de casa, do Jardim Apura, na região da Pedreira, na zona sul da cidade de SP, e pedala por 25 km até a avenida Paulista, região central.

Ele trabalha com entrega de comida por aplicativos e faz parte do movimento “Entregadores Antifascistas”, grupo que participou da mega paralisação nesta quarta-feira (1/7), intitulada de #BrequeDosApps, e que aconteceu em diversas regiões pelo país.

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Mesmo fazendo parte do grupo de risco por ser asmático, Tiago não pode parar de trabalhar mesmo com o risco da pandemia do coronavírus. Com isso, ele manteve a jornada de 12h diárias, mas viu o baixo salário que recebia ser reduzido drasticamente. “Aumentou bastante o número de entregadores, porque muita gente, além de perder o emprego, viu uma oportunidade de ter uma renda extra. E acabou diluindo a demanda de entregas”, disse em entrevista à Ponte.

Há muitos anos ele trabalha com entregas de comida, mas começou a trabalhar para os aplicativos Rappi, iFood e Uber Eats há um ano. “Antes dos aplicativos a gente conseguia trabalhar direto nos restaurantes ou em empresas de entregas, agora não tem mais isso. Os restaurantes também ficam dependentes dos aplicativos, porque se eles não estiverem cadastrados lá acabam ficando sem vender, porque quase todo mundo pede por lá”, lamenta.

Tiago conta que a resposta das empresas de aplicativos a primeira greve dos entregadores foi punição. “A taxa mínima por entrega caiu ainda mais. O que já tava pouco, ficou pior. A gente entende, então, que não vai ser tão fácil conseguirmos o que estamos pedindo”, lamenta.

Membro do movimento “Entregadores Antifascistas”, Tiago Bonini explica que a primeira paralisação mostrou força da categoria e que a uberização se da pandemia para ampliar os lucros

Foto: Guimel Salgado
Tiago Camargo Bonini, 28 anos, trabalha com entregas por aplicativos há um ano; na foto, o jovem estava participando da mobilização antifas

Confira a entrevista:

Ponte – O que é movimento de Entregadores Antifascistas?

Tiago – Somos políticos de rua. Somos pessoas com sonhos, necessidades e queremos melhorar o mundo. Cada um tem um pensamento e todos que estão no grupo são livres para seguir suas ideias. Não temos envolvimento com nenhum partido, estamos aí lutando pelos nossos direitos. Somos a favor da democracia e contra o fascismo. Os aplicativos são um exemplo do fascismo, sendo um poder maior acima de um poder menor. Queremos apenas a melhoria, mostrar para as pessoas que o capitalismo não é tudo.

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Como você entrou no movimento?

Conheci o Galo [Paulo Roberto da Silva Lima, 31 anos, uma das lideranças do movimento] na manifestação da Paulista do dia 5 de junho. Eu já tinha visto ele nos vídeos da internet, mas, pelos vídeos, a ideia não ficou muito clara. Não comprei a ideia por isso. Mas aí, pessoalmente, fui ouvir e as ideias batiam com as minhas. Chegando em casa fui pesquisar sobre fascismo e antifascismo e vi que era isso mesmo. Aí entrei no grupo, nos comunicamos mais por WhatsApp, porque tem pessoas de outros estados também. E vamo que vamo na luta!

Ontem foi um dia histórico para vocês, a primeira paralisação da categoria. Como vocês avaliam que foi esse momento?

Foi um ato muito bonito. Foi a união dos trabalhadores. Querendo ou não, foi um ato político, por mais que não seja partidário. Mas fazer greve contra os aplicativos é um ato político, é um ato progressista. Foi mostrar que temos voz.

E teve uma grande repercussão nas redes sociais. Como vocês receberam esse acolhimento?

É bem legal ver que os consumidores, quem usa os aplicativos, dão retorno para gente, falando que não faziam ideia que isso acontecia, falando que era bonita essa nossa mobilização. Para nós, é muito importante ter esse apoio e mais do que isso essa conscientização.

A entrega de comida não é uma coisa nova, o que é novo são os aplicativos. O que muda das entregas tradicionais das pizzarias para essa onda de terceirização por aplicativo?

Os aplicativos vendem com a ideia que você trabalha para você, que somos empreendedores, mas não é bem assim que funciona. Escuto muito as pessoas falarem que vão pedir a conta no trampo pra começar a trabalhar por aplicativo. Eu sempre falo para não fazerem isso, porque é uma falsa ideia. Depois que você entra, o aplicativo tem estratégias para te amarrar ali, te obrigar a seguir as regras dele. No final, você é manipulado para fazer um trabalho que é quase escravizado.

Protesto na av. Paulista durante greve de entregadores por aplicativo na quarta-feira (1/7): movimento foi nacional | Foto: Lucas Sirino

Eu já trabalhei em pizzaria, há muitos anos, quando eu ainda tinha moto, e acreditava que era justo. O dono pagava a diária, que dava para pagar a gasolina e um valor por entrega, além da janta. Era justo para o entregador e para o dono da pizzaria. Na minha opinião não era ruim.

Mas esses aplicativos agora fazem com que muitos motoboys trabalhem para sair do prejuízo, não para melhorar sua condição de vida. Quando ele sai de casa ele já tá gastando, então ele trabalha para recuperar isso. O que é muito ruim, porque torna a pessoa dependente. Os aplicativos aproveitam do desespero do trabalhador.

Como é a sua rotina?

Acordo lá pelas 8h da manhã e saio de casa às 10h para estar na avenida Paulista entre 11h e 11h30, quando começa o horário do almoço. Da minha casa para lá dá umas 25 km que faço de bike. Cada aplicativo tem um sistema, uma experiência diferente, mas todos são bem complicados.

O que mais dificulta é a alimentação, porque eu não consigo comer todos os dias na rua, porque fica muito caro no fim do mês. Para levar marmita de casa é ruim, porque quando acaba o horário do almoço, que dá um espaço de tempo pra gente almoçar, já é lá para às 15h, 16h, e a marmita já tá toda virada, já azedou.

Costumo falar que cada entregador vai ter uma experiência e uma concepção diferente. É difícil falar, a pessoa teria que estar trabalhando no dia a dia pra entender. Eu rodava de 80 a 100 km por dia e fazia entre 10 e 20 entregas antes da pandemia. Agora, isso caiu.

Asmático, Tiago trabalha mais de 12h por dia pedalando pelas ruas da cidade | Foto: Arquivo pessoal

Eu trabalhava, pelo menos, das 10h às 22h. Se tinha promoção, eu ficava até mais tarde, já cheguei a trabalhar até 1h da manhã. São 12h diárias. O máximo que já consegui por mês foi R$ 1.500, sem nenhum benefício.

Hoje é difícil ter o dinheiro pro aluguel. É tudo por nossa conta, se a gente se machuca é por nossa conta, se a gente é roubado também. Se a minha bike quebra tenho que arrumar. Antes com R$ 10 dava pra arrumar a bike, mas, hoje em dia, qualquer peça boa não sai por menos de R$ 100.

O que mudou com a pandemia?

Aumentou bastante o número de entregadores, porque muita gente, além de perder o emprego, viu uma oportunidade de ter uma renda extra. E acabou diluindo a demanda de entregas. Além de ter muito entregador, caiu o valor da taxa que a gente recebe, por falta de estratégia dos aplicativos, de usar essa alta demanda para ter mais lucro no final.

Como as empresas reagiram às paralisações? Rolou alguma sanção?

Sim, a taxa mínima por entrega caiu ainda mais. O que já tava pouco, ficou pior. A gente entende, então, que não vai ser tão fácil conseguirmos o que estamos pedindo. Antes da pandemia tinha uma variação na taxa, mas a média era de R$ 10 a R$ 13 para entregas de bike. Agora na pandemia caiu para R$ 4 a R$ 6. Ontem mesmo, pelo menos a iFood, liberou muito mais entregadores para trabalhar na plataforma. Ele costuma ser o aplicativo que mais demora para liberar um novo entregador, tem gente que fica cinco meses esperando, e ontem eles liberaram um monte de gente. É primeiro dia do mês, a pessoa já tá mais de três meses esperando para ser liberada e aí eles foram para a rua. Isso foi uma estratégia para quebrar a greve.

E vocês estão pedindo o mínimo. Como é para você lidar com tudo isso e saber que ir para a rua pedir melhorias pode te prejudicar?

A gente escuta que não somos obrigados a trabalhar, que a gente liga o aplicativo e trabalha na hora e no dia que quer, se tá ruim é só desligar o aplicativo e arrumar outro trampo. Mas não é tão fácil assim, porque não tem outro trampo. Antes dos aplicativos, a gente conseguia trabalhar direto nos restaurantes ou em empresas de entregas, agora não tem mais isso. Os restaurantes também ficam dependentes dos aplicativos, porque se eles não estiverem cadastrados lá, acabam sem vender, porque quase todo mundo pede por lá. Essa “uberização” acabou tornando os entregadores e os restaurantes reféns desse sistema. O motoboy, muitas vezes, só tem essa forma de trabalhar, então não é tão fácil só desligar o aplicativo e arrumar outro trampo.

Entregador levanta capacete durante mobilização na av. Paulista, nesta quarta-feira (1/7) | Foto: Lucas Sirino

Você sair para a rua, dar seu tempo e não ter o mínimo é complicado. Quando a gente se acidenta ficamos a ver navios, porque o aplicativo te bloqueia e coloca outro no seu lugar. Se você fica doente tá ferrado. A gente fica muito indignado por ser esse sistema. O aplicativo depende dos entregadores.

Na pandemia, enquanto todo mundo está em casa, vocês estão nas ruas trabalhando e sem equipamentos de proteção. Como tem sido?

Não dá para dizer em números quantos foram contaminados, mas muitos devem ter sido e deve ter bastante gente rodando por aí infectado sem saber. Falando por mim, eu não tenho medo do vírus, mas fico com receio. Tenho asma, se trabalho dois dias seguidos, tomando friagem, já pego uma pneumonia fácil. Se eu pegar o vírus… é daqui para pior. Mas medo eu não tenho. Se tivesse, nem saía de casa. Tenho que deixar na mão de Deus e sair para trampar para pagar as contas.

Vocês pensam em mais paralisações?

Ainda não sei como vai ser. Vejo os companheiros dando as opiniões deles, que é continuar, mas outros querem pensar um pouco mais. Mas se eles não melhorarem com certeza vamos ter que parar. Vamos fazer igual os caminhoneiros, parar e só voltar quando fizerem o que estamos pedindo.

Caê Vasconcelos, jornalista da equipe da Agência Pública


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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