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Esterilização forçada nos EUA: Práticas misóginas retornam onde estavam superadas

Na década dos anos 1960, os Corpos de Paz estadunidenses impuseram o controle demográfico em nosso continente, com a anuência dos governos locais
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul
Cidade da Guatemala

Tradução:

Há poucos dias, Dawn Wooten, enfermeira estadunidense, denunciou a prática de esterilizações forçadas praticadas contra mulheres migrantes no centro de detenção do condado de Irwin, na Geórgia.

Suas alegações levantaram poeira: por um lado, acusações daqueles que tentam desacreditar a denunciante e, por outro, a exigência – de altas instâncias da Câmara de Representantes – de profundas e extensas investigações sobre estas possíveis violações contra os direitos humanos das vítimas. 

As esterilizações forçadas nos corpos de mulheres indígenas ou das capas mais pobres dos países latino-americanos e africanos não é novidade. Na década dos anos 1960, os Corpos de Paz estadunidenses agiram como missionários para impor pela força o controle demográfico em nosso continente, com a anuência dos governos locais.

Essas práticas de uma crueldade inaudita nunca mereceu julgamentos nem condenações e as mulheres castradas de maneira tão selvagem como injusta tampouco receberam qualquer reparação.

Na década dos anos 1960, os Corpos de Paz estadunidenses impuseram o controle demográfico em nosso continente, com a anuência dos governos locais

Wikimedia Commons
As esterilizações forçadas nos corpos de mulheres indígenas ou das capas mais pobres dos países latino-americanos e africanos não é novidade

A perspectiva oficial gerada nos âmbitos políticos em relação com os direitos das mulheres sobre seu corpo, não mudou. As assembleias legislativas dominadas pelo pensamento hegemônico de uma masculinidade mal entendida continuam impondo sua agenda carregada de restrições sobre mais da metade da população; e, desse modo, se impede o exercício desse direito mediante castigos extremos.

Na maioria de nossos países são condenadas mulheres, meninas e adolescentes que buscam assistência sanitária para interromper gravidezes ou, simplesmente, quando se apresentam nos hospitais com emergências obstétricas.

Ou seja, se veda a elas não só o direito de receber atendimento, mas também de optar por uma solução humanitária à sua situação crítica. 

As mulheres, pelo fato de haver nascido como tais, são assim declaradas um bem público por sociedades regidas sob códigos estritamente patriarcais.

Já avançado o século XXI, se percebem retrocessos aberrantes na perspectiva de gênero, como por exemplo na França, onde começaram a agredir na rua mulheres jovens por vestir saia. Atos de extrema selvageria em um país supostamente igualitário, avançado, culto, e onde paradoxalmente nasceu o pensamento fundamental que consagra os direitos da cidadania; Liberdade, Igualdade, Fraternidade. 

O retorno a práticas misóginas em países que haviam conseguido superar essas barreiras, dizem muito de como tem persistido, através dos séculos, essa super valorização da masculinidade contra uma visão de um sexo feminino associado à submissão, à obediência, à inferioridade e à função subordinada de aportar seu corpo como instrumento de benefício social por meio da reprodução controlada.

Os movimentos feministas têm alcançado grandes avanços em termos práticos, mas nem sequer chegaram a roçar o próprio núcleo do sistema, cuja principal característica é um profundo temor ao poder das mulheres em âmbitos tradicionalmente masculinos como a política, a economia e a justiça. 

As mulheres gozam de iguais direitos e responsabilidades, de acordo com tratados e convenções de efeitos obrigatórios. No entanto, derrubar as barreiras opostas ao seu pleno desenvolvimento é ainda um tema pendente que impede a evolução da sociedade para estágios superiores de convivência e, para isso, será necessário derrubar os marcos de valor obsoletos que nos regem. A partir daí, começar de novo com uma plataforma igualitária, justa e de mútuo respeito. 

O temor pelo poder feminino é o maior dos obstáculos.

Carolina Vasquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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