Com perigosa frequência se ignora o significado de exercer a cidadania. O perigo reside no fato de que, mesmo quando este estado cívico implica compromissos, obrigações e uma consciência madura para desempenhar o papel correspondente na comunidade à qual pertencemos, na atualidade essa tomada de consciência é de uma raridade digna de estudo. De acordo com o Dicionário da Real Academia da Língua Espanhola se considera cidadã ou cidadão “uma pessoa considerada como membro ativo de um Estado, titular de direitos políticos e submetido por sua vez, às suas leis”. Esta é uma das tantas definições relacionadas com o tema que transcende as mais profundas discussões dos filósofos de todos os tempos.
Esta reflexão vem ao caso dados os movimentos eleitorais em nosso continente latino-americano. Ao observar o desempenho destas sociedades, enfrentadas a uma eleição de autoridades e, por consequência, ao futuro imediato da trajetória de seu país, pode-se apreciar como os sistemas políticos imperantes transformaram esses processos em uma competição alheia ao verdadeiro significado da função do estadista. Pelo contrário, os bandos costumam mergulhar em uma contenda carregada de truques de mercado e argumentos falazes com o objetivo de vencer o oponente. Diante deste circo de péssimo gosto, a cidadania se sente presa e sem opções, dada a maneira como foram sendo amarrados os fios das legislações totalmente controladas pelas classes dominantes. Desse modo, o exercício do suposto poder cidadão se vê limitado a marcar um voto em uma cédula. A partir daí, as coisas costumam suceder como se esse voto fosse a firma em um cheque em branco. O problema de ignorar os alcances da responsabilidade e direitos implícitos na qualidade de cidadão é, precisamente, a impotência diante do abuso de poder tão frequente em nossos países depois de um processo eleitoral.
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Ocupação Povo Sem Medo em São Bernardo do Campo / SP
Um exemplo da ausência de poder cidadão é a impunidade sobre as promessas não cumpridas por aqueles que alcançam o poder. Ante esta falta grave das novas autoridades, o povo age com resignação, convencido de não possuir os instrumentos legais para exigir o cumprimento. No entanto, muitos desses instrumentos existem em seus textos constitucionais, textos que a esmagadora maioria dos habitantes desconhece. Este é uma das grandes falências dos sistemas educativos de nossos países, estratégia habilmente concebida para manter o povo na ignorância.
O elevado abstencionismo presente em países cuja legislação permite que os eleitores não exerçam seu voto, é uma prova fidedigna de como os sistemas políticos falharam ao não reforçar o conceito de responsabilidade cívica entre suas novas gerações. Ao contrário, são incitadas a desprezar o exercício de sua cidadania como uma maneira de rechaçar o que é imposto pelos centros de poder, quando na realidade se deveria pôr à sua disposição toda classe de recursos educativos para guiá-los para uma efetiva tomada de consciência e uma participação ativa como membros da sociedade.
O grave perigo de deixar as decisões em mãos daqueles que demonstraram falta de ética, carência de escrúpulos e uma bagagem ideológica capaz de levar nossas países à beira de uma guerra civil, procede do impedimento do exercício de uma cidadania consciente e informada, única via para fortalecer nossas instáveis democracias. O simples fato de eleger governantes corruptos, fascistas e com um discurso abertamente agressivo contra os direitos da população, é a demonstração fidedigna de quanto necessitamos maior consciência cidadã. O desafio é cada vez maior, ao considerar a influência de potências alheias aos interesses nacionais, empenhadas em uma competição global pelo controle geopolítico.
Nossos povos necessitam começar a sair do letargo no qual os colocou o medo e a impotência. Mas nossos povos não se reduzem às grandes urbes; compreender essa realidade é um passo importante para assimilar a dimensão do desafio.
O discurso político está dirigido a sociedades pouco capacitadas para incidir.
*Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
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