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Novo PL sobre terrorismo dá ao Estado maior poder de repressão a movimentos sociais

Lei atual pune apenas atentados contra vida ou integridade física de pessoa, além da sabotagem ao funcionamento de instalações públicas específicas
José Geraldo de Sousa Junior
Revista IHU On-line
Porto Alegre (RS)

Tradução:

“Em grave equívoco incorrem, frequentemente, a opinião pública, os responsáveis pela administração e o próprio legislador, quando supõem que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou mais severas, será possível resolver-se o problema da criminalidade crescente. Essa concepção do direito penal é falsa porque o toma como espécie de panaceia que logo se revela inútil diante do incremento desconcertante das cifras da estatística criminal, apesar do delírio legiferante de nossos dias. Não percebem os que pretendem combater o crime com a só edição de leis que desconsideram o fenômeno criminal como efeito de muitas causas e penetram em um círculo vicioso invencível, no qual a própria lei penal passa, frequentemente, a operar ou como fator criminógeno ou como intolerável meio de opressão”, escreve José Geraldo de Sousa Junior, professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), em artigo publicado por Brasil Popular, 07-04-2022.

Lei atual pune apenas atentados contra vida ou integridade física de pessoa, além da sabotagem ao funcionamento de instalações públicas específicas

Semana On
Proposta amplia definição do terrorismo para punir também atentados contra o patrimônio público ou privado




Eis o artigo

Leio, no Portal da Câmara dos Deputados, notícia sobre projeto que endurece pena para crimes violentos e amplia definição de terrorismo.

Trata-se do Projeto de Lei 732/22, do Poder Executivo, que torna mais rigorosa a pena para crimes violentos e aumenta de cinco para sete anos o prazo para qualificar uma condenação anterior como reincidência. A proposta ainda amplia a definição do terrorismo para punir também atentados contra o patrimônio público ou privado.

Atualmente, a lei contra o terrorismo apenas pune atentados contra a vida ou integridade física de pessoa, além da sabotagem ao funcionamento de instalações públicas específicas, como meios de comunicação, transporte e serviços essenciais. O texto classifica crime contra o patrimônio como terrorismo e caracteriza o terrorismo pelo emprego premeditado de ações violentas com fins políticos ou ideológicos.

Atualmente, a legislação limita o terrorismo a razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Além disso, a lei atual não se aplica a pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionadas por propósitos sociais ou reivindicatórios. O projeto especifica que esta exceção vale apenas para conduta individual ou coletiva de caráter pacífico.

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É sabido que no Brasil não se dá a prática do terrorismo, ao menos no sentido como esse fenômeno, presente em outras regiões e em contexto geopolítico diverso, tem sido definido no direito internacional. Aqui, a iniciativa é expressão de subterfúgio adotado sempre em conjunturas de autoritarismo que logo se vestem com a roupagem da exceção. Ou então, é a resposta recorrente desse mesmo autoritarismo investido de guarda pretoriana do arranjo oligárquico neoliberal, antipovo e refratária aos movimentos sociais, criminalizando o protesto.

Essa questão é tanto mais insidiosa quanto se perceba no horizonte da política os sinais de intenções golpistas. Agora, como no 18 Brumário (1799), assiste-se às mesmas manobras políticas para garantir, na França, a ascensão dos girondinos, da alta burguesia, ao poder, e sobretudo, para conter os jacobinos, e sua insurgência; aqui, parte da estratégia miliciana para implementar o programa neoliberal de destituição de direitos, de desconstitucionalização e de desdemocratização. Em todo caso, na forma de golpe, seja o do General Bonaparte

Pedi ao meu colega Eduardo Xavier Lemos, mais versado no tema próprio da proposta, que a examinasse. É dele a caraterização de perigoso projeto de lei (732/22), em sua redação propositalmente dúbia e confusa, por tratar matérias distintas como se fossem do mesmo pleito, ora propõe a alteração do Código Penal e da Legislação da execução penal brasileira com nova redação, maximizando o cumprimento da pena no país, sem preocupar-se em justificar as razões científicas e políticas para tanto, até porque, é de se levar em conta que a execução da pena já foi tratada com muito cuidado em recente alteração legislativa de proposição do próprio Planalto, o Projeto Anticrime, que também maximizou os tempos de cumprimento de pena no país (mas não sem antes o projeto passar por debate público).

Mas de fato, o que salta aos olhos no projeto é a redação torta e maliciosa no que tange a alteração da Lei nº 13.260, de 2016, a famosa Lei Antiterrorismo, que já disciplina com propriedade a matéria, e foi muito debatida em importante período histórico brasileiro, quando o país recebia eventos internacionais, mas também propõe alteração da famigerada Lei 12.850/2013, a Lei das Organizações Criminosas, outra lei muito explorada no país, essa sim que passou por profundo debate no ano de 2019 com o Projeto Anticrime.

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As alterações maliciosas que fogem inclusive das propostas legislativas do próprio Planalto, tais como o Projeto Anticrime, propõe a redação do crime de Terrorismo a partir da seguinte fórmula: “Art. 2º O terrorismo consiste na prática, por um ou mais indivíduos, dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião ou com o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio ou a paz pública ou sua incolumidade”. Ao fim e ao cabo, segundo ele, a redação tortuosa permitirá a perseguição indiscriminada do direito de manifestação política.

A opção penal é um contrassenso teórico e político. Adverti para isso ao me opor à ideologia punitivista que gerou o lawfare no Brasil (e que esteve no cerne do conjunto de medidas de combate à corrupção – erigida em metonímia da categoria criminalidade – reunidas no PL 4850/16 – disponível aqui).

Convidado pela Presidência da Comissão e pela Relatoria da proposta a expor no plenário minha posição sobre o assunto (conferir o inteiro teor do depoimento conforme as notas taquigráficas da sessão, arquivadas no Departamento de Taquigrafia e acessíveis pela WEB), comecei por lembrar, por exemplo, que a crítica ao punitivismo é uma leitura de um sentido civilizatório, cujo roteiro, sustenta Evandro Lins e Silva, revela a história do Direito Penal como a história da contínua mobilização na direção da abolição da pena de prisão.

Num texto de Evandro (De Beccaria a Filippo Gramatica. Uma visão global da história da pena. Edição do autor, 1991), ele traz para nossa atenção uma leitura do então Ministro Francisco de Assis Toledo, ex-integrante do Superior Tribunal de Justiça, que presidiu a Comissão Especial para reforma do Código Penal, segundo o qual em grave equívoco incorrem, frequentemente, a opinião pública, os responsáveis pela administração e o próprio legislador, quando supõem que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou mais severas, será possível resolver-se o problema da criminalidade crescente.

Essa concepção do direito penal é falsa porque o toma como espécie de panaceia que logo se revela inútil diante do incremento desconcertante das cifras da estatística criminal, apesar do delírio legiferante de nossos dias. Não percebem os que pretendem combater o crime com a só edição de leis que desconsideram o fenômeno criminal como efeito de muitas causas e penetram em um círculo vicioso invencível, no qual a própria lei penal passa, frequentemente, a operar ou como fator criminógeno ou como intolerável meio de opressão.


José Geraldo de Sousa Jr, professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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José Geraldo de Sousa Junior

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