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Foto: FDR Presidential Library & Museum / Flickr

Documentos inéditos revelam: Rússia propôs aliança com EUA, mas Clinton rejeitou para ampliar Otan

Na década de 1990, Rússia evidenciou insatisfação com possível crescimento da Otan para o Leste, mas acabou consentindo na tentativa de estreitar a diplomacia com os EUA
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Documentos desclassificados recentemente pelo National Security Archive (NSA, na sigla em inglês) lançam luz sobre como Rússia e EUA negociaram, nos anos 1990, a partir da perspectiva da Casa Branca, o espinhoso tema da ampliação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Esses papéis – memorandos para o titular da Casa Branca naqueles anos, Bill Clinton; atas de conversas de seus homólogos americanos com o então presidente Boris Yeltsin, o chanceler Yevgueni Primakov e o vice-ministro das Relações Exteriores, Gueorgui Mamedov; cartas de especialistas e telegramas de altos funcionários do conselho de segurança nacional de Washington – revelam que a Rússia considerava um erro a ampliação para o leste da aliança do Atlântico Norte e, após uma mistura de rejeição inicial categórica com um notável desejo de estreitar laços, terminou aceitando-a como um fato inevitável.

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O Kremlin pretendia conter os efeitos negativos da expansão norte-atlântica, confiando que poderia convencer a Casa Branca a estabelecer uma cooperação mais estreita entre ambos e, assim, alcançar três grandes objetivos: uma espécie de direito de veto sobre qualquer decisão da OTAN, a não admissão de nenhuma república ex-soviética e o compromisso de não instalar armamento nuclear no território dos novos membros.

Naquela época, os países do antigo bloco soviético que queriam ingressar na OTAN não o faziam por medo da Rússia, imersa em seus problemas internos, mas com o objetivo de garantir uma espécie de proteção caso as elites comunistas derrubadas pretendessem retomar o poder pela força.

Pós-URSS e a “Parceria pela Paz” Rússia/EUA

Nos primeiros três anos da Rússia após o colapso da União Soviética, o tema da ampliação da OTAN não estava na agenda de preocupações do Kremlin até que Yeltsin resolveu a tiros seu confronto com o Legislativo, bombardeando literalmente sua sede. Naquele período, dentro do governo dos Estados Unidos, se produziu um intenso debate entre os defensores de aproveitar o caos na Rússia e proceder sem demora à ampliação da OTAN e aqueles que propunham ir mais devagar, considerando que isso poderia ser contraproducente.

A partir dos documentos desclassificados, conclui-se que a polêmica terminou no outono de 1993, quando Anthony Lake, assessor de segurança nacional dos EUA, recomendou a Clinton adotar uma posição dupla: dar a entender publicamente que a OTAN continuaria se expandindo, mas sem mencionar prazos ou datas concretas, e lançar ao mesmo tempo, para acalmar o presumível descontentamento da Rússia, o programa Parceria para a Paz, que agradou a Yeltsin porque convidava a Rússia e as demais repúblicas ex-soviéticas a participar, embora sem prometer a ninguém uma adesão segura. (Memorando para o presidente, 19 de outubro de 1993).

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Eliminada a oposição do Parlamento, e com uma nova Constituição que reforçava seus poderes, Yeltsin temia que a intenção dos Estados Unidos de não renunciar à ampliação da OTAN poderia dar argumentos adicionais para somar votos ao seu principal rival nas urnas, o líder comunista Guennadi Ziuganov.

Para tranquilizar Yeltsin, que explodiu de raiva ao ouvir Clinton dizer em Budapeste, na cúpula da Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa, em 5 de dezembro de 1994, que o “processo de ampliação da OTAN já começou”, o titular da Casa Branca enviou o vice-presidente Al Gore a Moscou, que visitou o chefe do Kremlin no hospital onde estava internado depois de severo problema cardíaco. Gore insistiu com Yeltsin, nesse encontro, que o que ele tinha ouvido em Budapeste “na verdade, não é nenhuma mudança. É o mesmo que o presidente Clinton lhe disse, em setembro daquele ano, que eventualmente a OTAN iria se ampliar, mas o processo seria gradual e estaria sujeito a consulta com você. O processo seria realizado de forma paralela ao impulso da parceria EUA-Rússia e da parceria da Rússia com a OTAN”. (Ata de conversa de Gore com o presidente Yeltsin, 16 de dezembro de 1994).

Mal-estar e jogo de cena

Diante do mal-estar pela expansão norte-atlântica que se percebia de Moscou, a Casa Branca inclusive trocou o título de seu documento programático de “Avançando para a ampliação da OTAN”, onde se expunha a concepção da evolução da aliança, para “Construção de um novo sistema de segurança na Europa”, sem alterar sua essência, para ressaltar que os EUA estavam abertos a se associar com todos, incluindo a Rússia (“Arquitetura da segurança europeia, a expansão da OTAN e a Rússia”, Memorando para Anthony Lake (assessor de segurança nacional) e Samuel R. Berger (número dois no conselho de segurança nacional), 22 de dezembro de 1994).

Ao mesmo tempo, Washington tinha claro que deveria insistir com Moscou que dialogar e tomar decisões conjuntas não são a mesma coisa, mas recomendou aos diplomatas fazê-lo com tato, evitando declarações categóricas que poderiam irritar a parte russa (Ibidem).

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E para o desfile militar, em 9 de maio de 1995, para comemorar na Praça Vermelha de Moscou a vitória sobre o nazismo alemão na Segunda Guerra Mundial, o próprio Clinton viajou à capital russa, onde Yeltsin lhe disse que “a ampliação da OTAN não é outra coisa senão uma humilhação para a Rússia”. Clinton prometeu que não haveria nenhuma extensão em 1995 nem em 1996, dando a entender que não faria isso até que Yeltsin conseguisse sua reeleição (“Informe sobre os avanços da ampliação da OTAN e a segurança europeia”. Memorando de Anthony Lake para o presidente Bill Clinton. 17 de julho de 1995).

A Casa Branca estava consciente de que a Rússia, apesar de querer estreitar a cooperação com a aliança, não iria aceitar bem a ampliação. “É pouco provável – escreve Lake neste memorando – que a oposição russa à ampliação da OTAN ceda a curto ou médio prazo a algum tipo de apoio relutante; a oposição da Rússia é cada vez mais profunda. No período que se aproxima, os dirigentes russos farão todo o possível para descarrilar nossa política, dada sua convicção de que qualquer expansão da OTAN para o leste é fundamentalmente antagônica aos interesses da Rússia a longo prazo” (Ibidem).

Repúblicas ex-soviéticas e o pacto de cavalheiros

Entre os documentos desclassificados pelo National Security Archive (NSA, por suas siglas em inglês), figura o rascunho de uma carta que o subsecretário Strobe Talbott preparou em resposta a George F. Kennan, considerado o autor da teoria da dissuasão nuclear, que compartilhou, em 31 de janeiro de 1997, com o Departamento de Estado sua preocupação com a ampliação da OTAN, chamando-a de “o maior erro da política ocidental em toda a era pós-Guerra Fria”, o qual, em sua opinião, poderia minar a construção da democracia na Rússia e conduziria à ascensão das forças nacionalistas. Kennan publicou o texto de sua carta como artigo no jornal The New York Times em 5 de fevereiro daquele ano.

Talbott não estava de acordo e sustenta, em sua resposta, que uma OTAN reformada “não seria uma ameaça para os interesses russos” e afirma que “a essência da estratégia, tal como a vejo, é preparar-se para o pior enquanto se intenta lograr o melhor”. Conclui que segue acreditando que os argumentos para ampliar a OTAN foram suficientemente convincentes como para compensar a oposição negativa na Rússia. (Borrador de carta de Strobe Talbott a George F. Kennan. 9 de fevereiro de 1997). 

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Reeleito Yeltsin, a Administração Clinton começou os preparativos para começar a ampliação da OTAN, ao mesmo tempo em que tratava de evitar que a relação com a Rússia entrasse em franco declive. Durante esse tempo, houve consultas permanentes com a Rússia: a Casa Branca queria o ingresso de novos membros; o Kremlin, não. 

A Rússia insistia em obter ao menos três condições para contrariar a ampliação que parecia já inevitável: que não se instalasse infraestrutura militar (sobretudo armamento nuclear), no território dos novos membros; que se estabelecesse um mecanismo vinculante para poder influenciar a tomada de decisões da aliança; e que se recusasse o ingresso dos países do Báltico e da Ucrânia. O então subsecretário de Estado, John Kornblum, opinou que essas demandas não fossem consideradas como o preço russo para aceitar a expansão da OTAN e sugeriu que o foco deveria ser oferecer a Moscou “lograr a relação de segurança mais cooperativa possível, na qual a Rússia se integraria em uma nova comunidade de segurança na Europa”. (“OTAN-Rússia. Um marco para a nova fase”. Memorando de John Kornblum. 29 de julho de 1996).

Fim da Guerra Fria

Entre os papéis retirados revelados, é especialmente relevante uma minuta de conversa entre os então presidentes Boris Yeltsin e Bill Clinton em Helsinki, dois meses antes de firmar em 1997 a Ata Fundacional Rússia-OTAN, que se apresentou ao mundo como um documento histórico que punha fim à Guerra Fria e que o líder russo qualificou em privado como “um passo obrigado” (Minuta de conversação Cúpula Clinton-Yeltsin, Helsinki, Finlândia. 21 de março de 1997). 

Nessa conversa-chave, em março de 1997, o mandatário russo disse ao seu colega estadunidense: “Nossa posição não mudou. A ampliação da OTAN para o leste é um erro. Tenho que empreender passos para mitigar os efeitos negativos disso para a Rússia. Estou disposto a firmar a Ata Fundacional não porque quero, mas porque é um passo obrigatório. Hoje não há alternativa” (Ibidem).

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Yeltsin insistiu ainda nas três condições da Rússia. Incluso propôs um “pacto de cavalheiros” secreto no qual sugeria pôr na Ata Fundacional que a Rússia não se opunha ao ingresso de ninguém à OTAN, mas queria que por debaixo dos panos os Estados Unidos se comprometessem a não permitir a adesão de nenhuma república ex-soviética, sobretudo a Ucrânia. 

“Proponho anotar no texto (da Ata) que a Rússia não tem nenhuma objeção contra ninguém. Em relação aos países da antiga União Soviética, façamos um pacto verbal de cavalheiros. Não vamos incluir no documento oficial que nenhuma república ex-soviética vai ingressar à OTAN. Não faremos de domínio público esse pacto de cavalheiros”, sugeriu Yeltsin (Ibidem).

O “mundo sem segredos” de Clinton

Clinton convenceu Yeltsin de que esse pacto secreto não era possível porque no mundo atual “não pode haver segredos”, e um pacto desse tipo poderia ser mal interpretado e influenciar negativamente a imagem da Rússia, ao mostrar suas ambições imperiais e causar preocupação nos países do Báltico. “Ninguém fala de uma ampliação ampla, total e acelerada”, cortou Clinton (Ibidem).

Apenas dois anos depois, em 1999, consumada a ampliação que promovia Clinton com a entrada de República Checa, Hungria e Polônia, o Kremlin apostou tudo em estreitar a relação, o que – mais tarde – se concretizou na chamada Declaração de Roma, assinada pelos presidentes George W. Bush e Vladimir Putin em 2002, entre outros chefes de Estado.

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A Rússia e a OTAN concordaram em cooperar, entre outras áreas, na luta contra o terrorismo, no arranjo político das crises, na não proliferação das armas nucleares, no controle de armamento e medidas de confiança, na busca e salvamento no mar, na cooperação entre militares e reformas das forças armadas, em nova ameaças e desafios. 

Mas, alguns anos mais tarde – e apenas duas semanas depois da primeira reeleição de Putin – em 2004, mais seis países entraram de uma vez na OTAN, entre eles as três repúblicas bálticas. Mas isso já corresponde ao primeiro decênio dos anos 2000 do presente século, e como foi negociado pela Rússia e os Estados Unidos ainda segue sob segredo. 

Jornalista presa por divulgar notícias falsas

Um tribunal do Tartaristão, uma república de maioria muçulmana que faz parte da Federação Russa, condenou na cidade de Kazan a jornalista Alsu Kurmasheva a seis anos e meio de prisão por divulgar notícias falsas sobre o exército russo, envolvido na operação militar da Rússia na Ucrânia, segundo publicou a Supremo Tribunal tártara em sua página web.

A porta-voz dessa instância judicial, Natalia Losieva, confirmou em 22 em julho à agência AP que, em um julgamento realizado a portas fechadas, a sentença foi proferida e adiantou que Kurmasheva, de 47 anos e cidadã tanto da Rússia quanto dos Estados Unidos, deverá cumprir sua pena em um centro de reclusão de segurança média.

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A condenação de Kurmasheva, editora do serviço para Tartaristão e Bashkiria (outra república de maioria muçulmana no centro da Rússia) da emissora Radio Free Europe/Radio Liberty, financiada pelo governo dos Estados Unidos, ocorreu no mesmo dia que a do correspondente estadunidense do jornal The Wall Street Journal, Evan Gershkovich, sentenciado na cidade de Yekaterimburgo a 16 anos de prisão por “espionagem”, segundo a corte regional de Sverdlovsk.

O portal de notícias Tatar-Inform afirma que as autoridades russas acusaram Kurmasheva de ter coordenado a preparação do livro “Não à guerra – Testemunhos de 40 russos que se opõem à invasão da Ucrânia”, que o serviço de sua emissora para Tartaristão e Bashkiria publicou no outono de 2022.

Quem é Kurmasheva

Originária de Kazan, Kurmasheva vive em Praga desde 1998 com seu esposo e duas filhas, mas viajou ao Tartaristão para cuidar de sua mãe, gravemente doente. No dia em que se preparava para retornar à República Tcheca, em 2 de junho de 2023, a polícia deteve Kurmasheva no aeroporto internacional da capital tártara e confiscou seus dois passaportes, impedindo-a de embarcar no avião.

As autoridades abriram um processo penal contra ela por não ter comunicado que possuía uma segunda nacionalidade e, em outubro daquele ano, um tribunal a considerou culpada de infringir a lei e a multou em 10 mil rublos (o equivalente a cerca de 2 mil reais)

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Uma semana depois, as autoridades voltaram a prender Kurmasheva por não ter se registrado voluntariamente como “agente estrangeiro” e determinaram que ela deveria estar em prisão preventiva enquanto aguardava julgamento, mas um mês e meio mais tarde, apresentaram acusações contra ela por divulgar “notícias falsas” sobre o exército, acusação que prevê penas mais severas.

Há indícios que apontam que o Kremlin e a Casa Branca continuam negociando uma eventual troca de prisioneiros, que poderia incluir os jornalistas Kurmasheva e Gershkovich.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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