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ToggleSão absolutamente repetitivas e nauseantes as tentativas de controlar os úteros ao longo da história. Entretanto, estas nunca conseguiram evitar o fato de que mulheres fazem, sempre fizeram e continuarão a fazer abortos em todos os tipos de sociedade, quaisquer que sejam as leis restritivas ou as crenças imperantes.
O aborto e a própria contracepção sempre estiveram presentes em todos os tempos. E seguirão entre nós, para desespero tanto dos conservadores de boa têmpera, como também para proveito dos espertalhões “vendilhões do Templo”, e de todos os hipócritas ditos “pró-vida”.
Na verdade o que muda na pós-modernidade em que vivemos é a segurança médica e jurídica de quem pratica o aborto, especialmente no caso de mulheres pobres e das mais vulneráveis.
Arte do século XIII apresenta um herborista preparando uma mistura contendo poejo para uma mulher
Pois se leis em determinados países do mundo contemporâneo restringem o aborto seguro às elites, na Antiguidade e até mesmo na Idade Média, não era bem assim.
O historiador americano John Riddle no seu livro “Eve’s Herbs: A History of Contraception and Abortion in the West”, reporta-nos aspectos interessantíssimos da prática abortiva no Ocidente.
Ervas e métodos contraceptivos eram conhecidos e difundidos desde o Egito dos Faraós à Grécia antiga, em Roma e na Europa até mesmo na Idade Média!
Alguns não eram lá tão eficazes, enquanto outros funcionavam e eram receitados após observação, experimentação e acúmulo de conhecimento! Os conhecimentos, em geral, formavam tradições essencialmente orais, mas também ocorreram exceções, em textos escritos e que chegaram até nós.
O “Tesouro do Homem Pobre”
Pedro Hispano, pensador medieval nos deixou obras de lógica e farmacologia; escreveu um manual de medicina popular chamado “O Tesouro do Homem Pobre”.
Pedro era também um homem da Igreja. Foi deão, diácono, cardeal e, Papa: O Papa João XXI. Com apenas oito meses de pontificado, em 1276, foi encontrado morto!
Pedro Hispano foi ÚNICO em muitos aspectos: único Papa português, o único papa médico e o único papa a escrever um capítulo em seu Manual sobre métodos contraceptivos! Ele jamais estimulou a prática, muito pelo contrário, mas lá nos seus escritos estavam métodos contraceptivos.
O controle de natalidade na Antiguidade
Textos médicos egípcios há cinco mil anos já listavam abortivos. Na Grécia, Aristóteles defendia o aborto para casais “férteis além do limite”.
Aristófanes, o criador da comédia antiga grega, citou em algumas de suas comédias o poejo, planta medicinal de diversos usos, entre eles a interrupção da gravidez.
Em Roma, o conservador Plínio, o Velho, em “A História Natural”, elencou diversas plantas abortivas, o poejo dentre elas. E frise-se que ele condenava a prática, mas dizia “ser um direito da mulher”.
O sílfio, a rainha das plantas abortivas
O sílfio, uma erva na Antiguidade clássica, teve um uso tão disseminado que se tornou o motor da economia de uma importante cidade grega.
As propriedades da planta foram descobertas pelos colonos gregos, que fundaram, no século VII a.C., a cidade de Cirene, nas costas da Líbia dos dias de hoje.
O sílfio era considerado uma dádiva da natureza! Caule e raiz eram comestíveis, das flores extraía-se perfume, a seiva, tempero e xarope para tosse. Pastores que alimentavam ovelhas com essa planta obtinham uma carne mais macia.
A erva ainda aliviava hemorroidas e possuía propriedades afrodisíacas!
Mas, segundo Riddle, o maior chamariz da planta eram suas virtudes de controle reprodutivo. Que coisa que cheira os dias de hoje: o sílfio parece ter sido extinto graças à ganância humana.
Cirene era uma próspera cidade, com comércio firme e forte com todas as importantes pólis gregas. Aqueles que colhiam e vendiam sílfio enriqueceram e comandaram Cirene.
Segundo os registros de Teofrasto, discípulo de Aristóteles, Arkesilas, o rei, supervisionava pessoalmente a pesagem e o transporte de sílfio. Essa imagem está registrada em um vaso grego do século 6º a.C.
Além disso, moedas de Cirene espalmavam o sílfio, verdadeira galinha dos ovos de ouro. Umas delas mostram uma mulher sentada, com um sílfio aos seus pés. Ela toca a planta com uma mão e com a outra aponta suas partes íntimas. Uma maneira clara e direta para indicar seu uso.
Sorano, que defendia o aborto em caso de perigo à saúde da mãe, dizia que o sílfio era um método mais eficaz do que o uso de pessários, tipo de aparelhos elásticos para conter os órgãos pélvicos. O médico de Éfeso, no século II d.C., receitava pequena quantidade, uma colher de chá de suco de sílfio com água, uma vez ao mês, após a menstruação ou na ausência desta. “Previne uma concepção e destrói uma existente”, afirmou.
O poeta Catulo, no século I a.C., se referia a ela como uma régua definidora do amor livre. Enquanto houvesse sílfio na costa de Cirene, o sexo sem preocupações estava garantido…
Mas a festa acabou!
Cerca de 40 anos depois, estava difícil encontrar a planta. Os gregos tentaram domesticá-la e cultivá-la em outros lugares, mas fracassaram.
Só existia sílfio em Cirene, e na forma selvagem. Os colonos deviam colher na época certa e esperar a natureza agir. Mas a ansiedade e a demanda andavam de mãos dadas rumo ao precipício: o agro de Cirene era tão agressivo quanto o nosso na Amazônia e no Pantanal, a planta rareou e virou artigo de luxo.
Plínio, o Velho, chegou a afirmar que o sílfio estava valendo mais do que seu peso em prata!
Aqueles poucos quilômetros de encostas secas de montanhas voltadas para o mar não deram conta do desejo das pessoas, e o que eles produziam de sílfio, ficou cada vez mais inacessível.
Ao fim da Antiguidade Clássica, por volta do século 5º d.C., o sílfio já era considerado extinto. Estudos mais recentes indicam que o aumento da desertificação no norte da África pode ter sido a principal causa, e não somente a colheita excessiva.
Quanto a Cirene, ela teve alguns séculos sob domínio romano. Mas no século V, já estava em ruínas.
Cirene e o sílfio morreram juntos!
Alguns historiadores acreditam que a planta ainda possa existir no Mediterrâneo. Se estiverem corretos, significa que o sílfio sempre esteve entre nós, esse tempo todo. Assim como o aborto.
Em nosso texto, tentamos falar em aborto de uma maneira leve, no entanto, nem sempre esta é uma tarefa fácil, pois o tema além de ser delicado envolve questões morais, científicas, éticas, religiosas e filosóficas. E a prática, tão antiga quanto a humanidade, também pode representar diversos riscos à saúde das mulheres.
Diariamente, cerca de 830 mulheres são vítimas de complicações durante e após o período gestacional, sendo o aborto um dos principais catalisadores das mortes maternas em todo o mundo.
Aliás, somente na América Latina e no Caribe acontecem 4 milhões de aborto por ano! Pese a todos os esforços da sociedade machista em controlar os úteros femininos!
Carlos Russo Jr. | Proust
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