Os venezuelanos foram chamados às urnas no domingo, 6 de dezembro de 2020, para renovar seu parlamento. O partido do atual governo gritou vitória. Os opositores, que conclamaram a população ao boicote à votação, também se declararam vencedores. Fiel a seus princípios, a “Comunidade Internacional”, isto é, os Estados Unidos, vários países europeus, o Canadá e uma dezena de países latino-americanos confirmaram: o boicote ganhou. Cada um com sua verdade. Enquanto isso, a crise venezuelana continua tão emperrada, no dia 7 de dezembro, quanto estava no dia 5, antes das eleições. No máximo, o que podemos observar aí é um vício coletivo por vitórias pírricas — referência histórica às batalhas de Pirro, cujas vitórias sobre Roma foram obtidas a tão duras custas, a ponto de se questionar o que haveria para se comemorar — que, como sabemos, longe de resolverem as contradições, aprofundam-nas.
De fato, trata-se de uma vitória para o presidente Nicolás Maduro e seu partido PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela). Vitória por W.O. O partido do governo, depois de cinco anos como minoria no parlamento, colocou, segundo as palavras do primeiro mandatário venezuelano, “um fim a esta situação funesta”. Ainda aguardando a totalização dos resultados completos, mas, sem dúvida, mais de dois terços dos deputados eleitos são do PSUV. Nicolás Maduro recupera assim o controle da totalidade dos polos de poder. Executivo, judiciário, legislativo estão, a partir dessa data, nas mãos das autoridades atualmente no poder.
Mas se pode perguntar de que vitória se trata? Vencendo sem resistência, triunfa-se sem glória… Tendo renunciado a participar do pleito, a oposição, encabeçada por Juan Guaidó deixou o terreno livre para Maduro, como em 2005 e em 2018. Com uma saída inevitável, previsível, a vitória foi dada àquele que ficou sozinho no “ringue” eleitoral. Para todos os efeitos, no caso de os adversários do poder voltarem atrás em sua resolução, a mídia que conta, ou seja, a televisão, tal como ocorreu nas consultas anteriores, atuou em consonância. Face ao poder, as direções dos grandes partidos de oposição foram afastadas e substituídas por outras, mais flexíveis, e isso por um sistema judiciário no comando. Moral e conclusão da história: tudo muda, para nada mudar. Nicolás Maduro fechou a tampa da panela de pressão venezuelana, agora sem válvula que permita regular a pressão. Vitória de Pirro.
Prensa Derechos Universitarios
Os venezuelanos foram chamados às urnas no domingo, 6 de dezembro de 2020, para renovar seu parlamento.
Essa foi, na verdade, uma vitória dos opositores mais radicais, daqueles que consideram, de fato, legal a autoproclamação de Juan Guaidó como presidente da Venezuela, feita um dia em 2019, em uma rua de Caracas, capital do país. Eles convocaram a população à abstenção. Aproximadamente 70% dos eleitores ficaram em casa. Melhor ainda, eles forçaram o governo a reconhecer, antes do dia da eleição, essa realidade. No domingo das eleições, havia “apenas” 29.000 seções de votação abertas, enquanto em 2015 havia 44.000. Mas isso seria esquecer as desilusões da maioria dos venezuelanos a respeito dos políticos e das eleições. Uma pesquisa realizada antes da votação assinalava que mais de 60% dos eleitores não tinham confiança nem em Nicolás Maduro nem em Juan Guaidó. O contexto social produziu um divórcio e uma enorme descrença entre as instituições e a população.
A crise, gerada pela má gestão das autoridades e pelas sanções políticas e econômicas estadunidenses e europeias, mergulhou a maior parte da população venezuelana na penúria. Cinco milhões de venezuelanos cruzaram as fronteiras para procurar, senão fortuna, ao menos meios para sobreviver. Todas essas questões devem relativizar o julgamento que devemos fazer sobre a abstenção. Além disso, quem é Juan Guaidó, presidente “in partibus”, que ao oscilar entre o respeito à democracia e as convocações ao golpe de Estado e às Legiões estrangeiras? O que é certo é que ele nunca foi unanimidade.
Henrique Capriles, líder do partido Primeiro Justiça, antigo candidato à presidência, esteve a dois passos de participar. Outros fizeram como o social-democrata Timóteo Zambrano e Henry Falcón, o chavista decepcionado, do Partido comunista. A oposição se conjuga no plural, um plural sem rota, sem unidade e sem líder. Novamente, vitória de Pirro.
A Comunidade Internacional regozijou-se da abstenção, que validaria a influência de Juan Guaidó e de seus amigos. Do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, ao presidente colombiano, Ivan Duque, assim como seu homólogo equatoriano, Lenin Moreno, passando pela Comissão europeia, todos estes perseveraram na condenação do pleito, no apoio ao presidente “in partibus”, validando sua atitude de ingerência ativa sobre a Venezuela, como instrumento privilegiado de resolução das crises. As más línguas lembraram que Mike Pompeo seja talvez mal visto como alguém que possa dar lições de democracia. Ele compartilha com seu mentor, Donald Trump, uma prática eleitoral e uma concepção unilateral de democracia, que lembra muito a de Nicolás Maduro. Quanto à ingerência democrática reivindicada como a melhor saída pelos europeus, dela nós conhecemos os desvios, constatados do Iraque à Síria, passando pela Líbia. A Venezuela não é uma exceção. Essa cobrança moral universal, lembrada sempre nos discursos por eles, poderia ser aplicada em relação à Arábia Saudita, à China, ao Egito, à Rússia e, na América Latina, ao Brasil. Mas o direito e a ética, o contador de fábulas já havia escrito há mais de três séculos, têm muito a ver com “a razão do mais forte”. A “Comunidade internacional” é também vítima de um vício por guerras, de um vício pírrico.
Como lembrou o ex-presidente espanhol José Luiz Rodriguez, seria tempo de encarar a realidade, de colocar um ponto final na crise que mergulhou na desordem social centenas de milhares de venezuelanos e obriga os vizinhos da Venezuela a inventar soluções concretas que permitam pôr fim ao fluxo de refugiados vindos aos seus territórios. As soluções existem. Elas passam, como na época da Guerra Fria, pelo reconhecimento do outro em suas diferenças, sejam elas as mais contestáveis. Portanto, elas passam pelo diálogo. Para preservar a paz regional, recolocar nos eixos um país em curto-circuito econômico, social, político e democrático, o México, a Comunidade do Caribe e o Uruguai haviam feito proposições razoáveis, em 2019, e que foram anuladas pelos belicosos Trump, Grupo de Lima, Alemanha, Espanha, França, Reino Unido. Que outro resultado se poderia obter senão um aprofundamento do fiasco humanitário. Um novo presidente vai entrar na Casa Branca em 20 de janeiro de 2021. A Argentina, a Bolívia e o México têm novos dirigentes corretamente eleitos, democraticamente legítimos, preocupados em encontrar as vias de um apaziguamento regional e da retomada de rédeas por parte da Venezuela, país devastado sob todos os pontos de vista. A Europa poderia contribuir com esse esforço de realpolitik humanitária, oxímoro que parece tentar o responsável da política exterior europeia, Josep Borrell.
* Texto publicado originalmente em francês, em 09 de dezembro de 2020, na seção ‘Tribune’ do IRIS – Institut de Relations Internationales et Stratégiques – Paris – França, com o título original “Élections du 6 décembre 2020 au Venezuela: à l’heure de Pyrrhus”. Disponível em: Élections du 6 décembre 2020 au Venezuela: à l’heure de Pyrrhus | IRIS (iris-france.org). Tradução de Simone Garavello Varella e Luzmara Curcino. Revisão e Editoração de Pedro Varoni.
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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É Formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros livros, de “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014).
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